A unidade de uma cultura é sempre aberta

Maria Helena Cruz Pistori, Editora associada de Bakhtiniana, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil

Capa do segundo número de 2018 de Bakhtiniana

Se, como afirma Bakhtin (2006, p. 366), a cultura do outro só se revela com plenitude e profundidade aos olhos de outra cultura, os textos deste número nos fazem compreender que a cultura de uma época – ou de um espaço, não está fechada em si mesma, como algo acabado: está sempre pronta a dialogar com novos destinatários, de outros tempos, outros lugares, revelando novos sentidos. Todos os artigos – e ainda uma resenha da nova tradução, diretamente do russo, de Marxismo e filosofia da linguagem (VOLÓCHINOV, 2017) – comprovam tal afirmação, permitindo ao leitor ricas e profundas reflexões, numa perspectiva teórica ou prática, como veremos a seguir.

Os pesquisadores chilenos Antonia Larraín (Universidad Alberto Hurtado, Facultad de Psicología – Santiago) e Andrés Haye (Pontifícia Universidad Católica de Chile, Escuela de Psicología – Santiago), sob o título “Campo e enunciado: o problema da articulação do discurso”, desenvolvem a noção de campos discursivos, mobilizando, por um lado, conceitos de Bakhtin e Volóchinov, por outro, a filosofia de Bergson, Simondon e Deleuze, a fim de compreender como, no enunciado concreto, as respostas são atos irrepetíveis, mas não inéditos, na medida em que recriam a palavra dada. São novos e importantes aspectos do pensamento do Círculo.

Lucas Vinício Carvalho Maciel, coordenador do bacharelado em Linguística, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, é o autor de Considerações sobre heterodiscurso a partir de Dom Quixote. Nele trata teoricamente do conceito de heterodiscurso (em outras traduções plurilinguismo e heteroglossia), a partir da nova tradução de O discurso no romance, de Mikhail Bakhtin (2015), realizada por Paulo Bezerra. O autor nos apresenta, como exemplo de sua compreensão, o modo como diferentes fenômenos constituem heterodiscursos em trechos de duas obras comumente referenciadas como Dom Quixote de La Mancha.

Também em termos teóricos, Micah Corum, professor de inglês e linguística na Interamerican University of Puerto Rico, em Cultivando a ambiguidade: considerações sobre questões de complexidade no discurso crioulo, apresenta-nos, a partir de um ponto de vista cronotópico (e bakhtiniano) um estudo a respeito do crioulo como discurso. E Adail Sobral, coordenador da Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas/RS, levanta algumas questões a respeito do dialogismo, provocadas pela leitura de recente obra de Olga Pampa Arán, da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina, no texto Discussões sobre dialogismo suscitadas pelo livro La herencia de Bajtín: reflexiones y migraciones.

Quanto às artes, o número nos apresenta um artigo de Maria da Graça Gomes de Pina, colaboradora e especialista em Linguística da Università degli Studi di Napoli “l’Orientale”, que aproxima obras plásticas do Futurismo europeu italiano e português, retomando pontos do Manifesto de Marineti. E o discurso da literatura se apresenta no artigo “inquietando as águas”: A magia de relembrar o passado em Two Wings to Veil My Face, de Leon Forrest. São os iranianos Mohsen Hanif (do Departamento de Línguas Estrangeiras, Kharazmi University, Teerã) e Tahereh Rezaei (Departamento de Literatura Inglesa, Allameh Tabatabaí University, Teerã) os responsáveis por esse trabalho, que polemicamente coloca em questão a possibilidade de se recuperar uma “autêntica identidade afro-americana”.

Tratando da educação no Brasil, há ainda três artigos que a abordam sob diferentes aspectos: no nível superior, Jozanes Assunção Nunes, Coordenadora da Pós-Graduação lato sensu, Universidade Federal de Mato Grosso, trata das Vozes em confronto no Núcleo Docente Estruturante de cursos de Letras: entre o prescrito e a prática institucionalizada; no nível fundamental e médio, Elizangela Patrícia Moreira da Costa (Departamento de Letras, Universidade do Estado de Mato Grosso) analisa, em livros didáticos, a Verbo-visualidade em perspectiva de leitura: (des)construção da compreensão ativa e criadora do texto. E Regina Braz Rocha, autora de livros didáticos, nos apresenta uma proposta de trabalho “não-indiferente” com textos, a partir de uma compreensão responsivo-ativa, no artigo Estilo, expressividade e axiologia no ensino-aprendizagem da língua em uso.

Como visto, num movimento sempre aberto à compreensão dialógica do discurso de novas (e não tão novas) culturas, Bakhtiniana continua firme na missão de promover e divulgar pesquisas no campo dos estudos discursivos e ampliar as fronteiras da pesquisa, tanto nacional como internacionalmente.

Referência

BAKHTIN, M. Os estudos literários hoje (Resposta a uma pergunta da revista Novi Mir). In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: M. Fontes, 2006. p. 359-366.

BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I. A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-241.

VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.

Para ler o artigo, acesse

Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso vol.13 no.2 São Paulo May/Aug. 2018

Link externo

Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso – BAK: www.scielo.br/bak

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PISTORI, M. H. C. A unidade de uma cultura é sempre aberta [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/07/16/a-unidade-de-uma-cultura-e-sempre-aberta/

 

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