Pluralidade na Revista Brasileira de Ciência Política derruba “muros” entre áreas do conhecimento

Patrícia Vieira da Costa, Editora assistente da Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, Brasil

No ano em que completa uma década de existência, a Revista Brasileira de Ciência Política (RBCP) lança uma edição que reflete sua mais importante característica: a pluralidade. Este valor faz com que o periódico acomode diferentes perspectivas teóricas e metodológicas, sem limitar as submissões a cientistas políticos. Pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento são bem-vindos, desde que se dediquem a explicar fenômenos da política com disposição e rigor metodológico.

Os textos do número 29 da RBCP envolvem questões da ciência política, das relações internacionais, da administração pública e da sociologia. E não se limitam a falar do Brasil. O destaque da edição é para países africanos, com artigos que tratam da África do Sul e de Cabo Verde. Mas o passeio não para por aí. Há trabalhos que tratam desde assuntos relativos à cidade de São Paulo, passando por temas nacionais brasileiros, até questões atinentes aos Estados Unidos.

Política externa de direitos humanos, relação entre sistema eleitoral e número de partidos, atuação de frentes temáticas no Congresso e judicialização do acesso a serviços públicos são apenas alguns dos temas abordados.

Brasil e África do Sul: política externa de direitos humanos

O artigo “Direitos humanos e política externa no Brasil e na África do Sul: o mito da democracia racial, o apartheid e as narrativas pós-democratização”, de Pablo de Rezende Saturnino Braga e Carlos R. S. Milani, faz uma análise comparada entre os dois países no que diz respeito a seus projetos de inserção internacional na área de direitos humanos. O período analisado é o que vem após os processos de democratização do final do século XX: término da ditadura militar no Brasil e fim do apartheid na África do Sul. O objetivo é compreender como as narrativas hegemônicas desses dois Estados vêm impactando suas políticas externas.

Até a democratização, o apartheid “formalizou juridicamente e aprofundou a segregação” (p. 11) na África do Sul. Já no Brasil, o Estado viu na democracia racial “a fórmula de homogeneizar narrativa nacional, dirimir os possíveis conflitos étnicos e perpetuar patamares de desigualdade entre os mais elevados do mundo” (p. 14).

Após a democratização, “mas principalmente durante os governos petistas” (p. 19), o Brasil “assume a existência de racismo […] e concebe a desigualdade social como maior obstáculo ao desenvolvimento do país” (p. 19). A África do Sul, por seu turno, “projeta a imagem do país multirracial que surge dos escombros do regime de segregação racial” (p. 19).

Na década de 2000, Brasil e África do Sul alcançaram maior protagonismo no cenário global, firmando-se como potências emergentes. Porém, seus votos no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas entre os anos de 2006 e 2016 contam uma história paradoxal em relação às narrativas pós-democratização sobre raça e formação nacional descritas acima. Ambos falharam em condenar violações de direitos humanos em outros países. No caso sul-africano, isso ocorreu porque “a busca por afirmação da liderança regional com base em uma narrativa pan-africanista se depara com as violações de direitos humanos de muitos regimes que devem ser aliados para a consolidação da África do Sul como potência regional”. O caso brasileiro “apresenta dilemas muito semelhantes” (p. 29), tendo sido especialmente criticadas as abstenções em votos para condenar violações de direitos humanos no Sudão e na Coreia do Norte.

Segundo os autores, “a atual crise política e econômica revela as limitações dessas narrativas e a fragilidade institucional dos processos de democratização que as embasaram” (p. 43).

Bipartidarismo em Cabo Verde

Em “O bipartidarismo em Cabo Verde: a dinâmica do surgimento dos terceiros partidos e a magnitude dos distritos”, Bruno Wilhelm Speck e Anilsa Sofia Correia Gonçalves avaliam até que ponto o sistema bipartidário que caracteriza a democracia em Cabo Verde é reflexo do sistema eleitoral adotado no país. As eleições competitivas no país tiveram início em 1991, após 15 anos de regime de partido único. As grandes legendas de que trata o artigo são o Partido Africano para Independência de Cabo Verde (PAICV), que lutou pela Independência, e o Movimento para Democracia (MpD), criado por um grupo dissidente do PAICV, e que foi importante no processo de abertura política no país. A análise vai de 1991 até as últimas eleições em 2016. Partidos menores entraram na disputa a partir de 1995, mas elegeram poucos representantes.

Os autores analisam em primeiro lugar os efeitos psicológicos e mecânicos que a magnitude dos distritos eleitorais tem sobre o processo eleitoral. Entende-se por magnitude o número de representantes eleitos por distrito.

Os efeitos psicológicos referem-se à decisão dos partidos menores de lançar candidatos dada a magnitude do distrito. “Os terceiros partidos lançam mais candidatos nos distritos de maior magnitude” (p. 69), observam Speck e Gonçalves. Apesar de as elites partidárias tenderem a lançar mais candidatos nesses distritos, “os eleitores não parecem agir estrategicamente, evitando votar em terceiros partidos nos distritos menores” (p. 80).

Já os efeitos mecânicos referem-se a como o sistema eleitoral transforma os votos dos partidos menores em cadeiras. “Não podemos afirmar que o sistema eleitoral de Cabo Verde, com seus distritos de magnitude variada, prejudique os terceiros partidos nos distritos menores, ao traduzir a fração de votos em cadeiras” (p. 69), destacam os autores.

Temas variados refletem pluralidade da RBCP

Grupos de interesse étnico, políticas de esporte, judicialização da educação infantil, percepções políticas na vizinhança e sociologia da inautenticidade também são temas de artigos publicados na edição de número 29 da RBCP.

No artigo “A atuação de grupos de interesse étnicos nos Estados Unidos”, Carlos Gustavo Poggio Teixeira e João Paulo Nicolini Gabriel examinam a literatura existente sobre a atuação de tais grupos dentro da formulação da política externa dos Estados Unidos.

Alessandra Dias Mendes e Adriano Nervo Codato analisam a efetividade da Frente Parlamentar Mista do Esporte no artigo “The effectiveness off the parliamentary front on sport in the Brazilian National Congress between the World Cup and the Olympic Games”.

Em “Judicialização da educação infantil: efeitos da interação entre o Sistema de Justiça e a Administração Pública”, Salomão Barros Ximenes, Vanessa Elias de Oliveira e Mariana Pereira da Silva tratam da judicialização da demanda por educação infantil no município de São Paulo, a partir da literatura de ciclo de políticas públicas.

Aleksei Zolnerkevic, em seu artigo “Contexto social de vizinhança: percepções políticas na cidade de São Paulo”, fala sobre a influência do contexto social e geográfico na percepção e comunicação política das pessoas.

Já no texto “Para Além da Sociologia da Inautenticidade? Um Diálogo com Jessé Souza”, o objetivo do autor Marcos Abraão Ribeiro é questionar a ruptura de Jessé Souza com a sociologia da inautenticidade como colocada na obra de Sérgio Buarque de Holanda.

Esta edição conta ainda com uma resenha da obra “A Ciência Política no Brasil 1960-2015”, de Leonardo Avritzer, Carlos R. S. Milani e Maria do Socorro Braga (Org.). A resenha é de autoria de Marcelo Sevaybricker Moreira.

Referência

Rev. Bras. Ciênc. Polít.  no.29 Brasília maio/ago. 2019

Link externo

Revista Brasileira de Ciência Política – RBCPOL: www.scielo.br/rbcpol

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

COSTA, P. V. Pluralidade na Revista Brasileira de Ciência Política derruba “muros” entre áreas do conhecimento [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/10/10/pluralidade-na-revista-brasileira-de-ciencia-politica-derruba-muros-entre-areas-do-conhecimento/

 

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