Quais são os possíveis caminhos para se enfrentar o suicídio?

Luciana Santos, Psicóloga no Hospital João XXIII, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Fonte: Luciana Almeida Santos.

O artigo “Integralidade, intersetorialidade e cuidado em saúde: caminhos para se enfrentar o suicídio”, publicado no periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação (v. 24), traz um estudo realizado por uma Psicóloga que trabalha pacientes após tentativa de suicídio em um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) e uma Professora e Pesquisadora que trabalha com Saúde Coletiva em uma Universidade privada. O estudo lança luz à prevenção do suicídio por meio de discussões a respeito da integralidade, da intersetorialidade e do cuidado em saúde e observa por meio de uma revisão narrativa de literatura que, embora esses termos sejam utilizados com consenso nas políticas públicas de saúde, há, ainda, uma grande distância entre a teoria e práticas que ainda reforçam um modelo hospitalocêntrico, biologista, verticalizado e longe de rotinas que garantam a autonomia e construção de vínculos responsáveis entre usuários e trabalhadores e entre diferentes setores.

A integralidade é um princípio do SUS e inclui atividades que vão desde a promoção de saúde até a prevenção de agravos. É definida como o conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema (BRASIL, 1990). A integralidade na prevenção do suicídio é pensada: como intervenção multidisciplinar, com profissionais trabalhando de forma articulada, com capacidade de identificação do risco suicida, acolhimento e tratamento adequado, não limitando o cuidado apenas ao caráter biológico; ação organizadora dos serviços assistenciais que devem se unir aos serviços de saúde pública, integrando cuidados de reabilitação ao sujeito que tentou suicídio, com ações na comunidade que visem trabalhar fatores protetivos e de prevenção; política do governo, com a adoção de um plano nacional de prevenção, com um conjunto de ações que visem prevenir o suicídio.

A articulação entre os diversos setores da comunidade deve ser o meio para resoluções complexas como as envolvidas com o suicídio (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2014), e não deve ser assumido como um “jogo de empurra”, mas como serviços que tentam se articular na construção de soluções pautadas no cuidado que diminuam o sofrimento humano, respeitando a singularidade de cada caso, sem desconsiderar a dimensão coletiva do suicídio.

Merhy (1998) assinalou o quanto as práticas de saúde são centradas nos procedimentos, e não nos usuários, o que impede, em última análise, a autonomia do indivíduo que necessita para além de práticas diagnósticas, como práticas de acolhimento, vínculos, resolutividade, incentivo à autonomia e um acesso a uma rede de cuidados para realização de projetos terapêuticos. Há a necessidade de se trabalhar com os sujeitos em risco suicida com uma escuta que ultrapasse as queixas físicas e concretize o cuidado integral, com ações intersetoriais e oferecendo um cuidado individualizado, acolhedor e pautado na ética. Estudos citados no artigo demonstram o quanto os usuários com risco suicida passam pelos serviços de saúde e não são identificados e/ou cuidados da forma adequada. A prevenção e o tratamento do comportamento suicida exigem intervenções amplas e dinâmicas, em prol de uma rede de cuidado em que todos os sujeitos sejam valorizados, com um trabalho articulado e dialógico entre gestão e atenção. Exemplos de programas existentes em outros países que conseguiram contribuir para a prevenção do suicídio, bem como de programas já existentes em alguns estados brasileiros, como os citados no referido artigo, também podem ser estudados e adaptados à realidade local.

Referências

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, set. 1990.

MERHY, E. E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde: uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: REIS, A.T. et al (Org.).  Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. p. 103-120.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Mental health: Preventing Suicide: a global imperative. Geneva, 2014.  Recuperado a partir de http://www.who. int/mental_health/suicide-prevention/en/

Para ler o artigo, acesse

SANTOS, L. A. and KIND, L. Integralidade, intersetorialidade e cuidado em saúde: caminhos para se enfrentar o suicídio. Interface (Botucatu) [online]. 2020, vol. 24, e190116, ISSN 1414-3283 [viewed  30 January 2020]. DOI: 10.1590/interface.190116. Available from: http://ref.scielo.org/p3qywb

Links externos

Interface – Comunicação, Saúde, Educação – ICSE: www.scielo.br/icse

http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s1414-32832004000100005&script=sci_abstract&tlng=pt

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SANTOS, L. Quais são os possíveis caminhos para se enfrentar o suicídio? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/01/30/quais-sao-os-possiveis-caminhos-para-se-enfrentar-o-suicidio/

 

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