Universidade: protagonista ou “figurante” na formação de professores?

Edilson da Silva Cruz, Diretor de Escola na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, doutorando em Educação pela UNIFESP, professor da educação básica de São Paulo, SP, Brasil.

Denise Trento de Souza, Professora sênior da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Imagem: PIRO4D

Uma das tarefas atribuídas às universidades é a formação inicial de professores. Considerando, com alguns autores, que o modelo universitário passa por constantes crises desde o fim do século passado, a formação de docentes também sofre suas consequências, dentre elas a sujeição ao mercado educacional e suas regras próprias. No artigo “Formação de professores de espanhol e a descapitalização simbólica da universidade”, publicado no periódico Educação e Pesquisa (vol. 46), os pesquisadores analisaram uma proposta de formação de professores de espanhol, o Projeto OYE, anunciado em 2006 pelo governo do estado de São Paulo, que põe em evidência essas crises.

O OYE pretendia capacitar 45 mil profissionais em 4 anos, utilizando metodologia a distância, pela plataforma do Portal Universia, com método elaborado pelo Instituto Cervantes e financiado pelo Banco Santander (todas instituições espanholas). Às universidades estaduais (USP, UNESP e UNICAMP), caberiam somente a certificação final desses profissionais. O modo como a Secretaria de Educação buscou justificar esse arranjo institucional, bem como a reação dos setores mais autônomos destas universidades, evidenciam um processo no qual o Estado, pelas suas instâncias burocráticas, pretere as universidades e se alia a instituições sem tradição no campo educacional, a quem entrega o protagonismo da formação de professores para a educação básica.

O artigo aqui referido retoma a investigação realizada como pesquisa de mestrado que teve o OYE como objeto de análise e buscou responder, entre outras questões, qual o papel da universidade nesse projeto, considerando os discursos que o legitimaram por parte da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. A partir de uma leitura de recorte discursivo do Projeto Pedagógico do OYE, buscou-se contextualizar sua leitura no conjunto de relações que se estabelecem no campo do ensino superior e suas transformações recentes, que incluem uma presença cada vez maior do setor privado, em detrimento de instituições públicas tradicionais.

Conclui-se que o discurso da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo apresenta a formação docente de modo pulverizado no campo, como uma tarefa a ser partilhada por instituições públicas e privadas, tradicionais ou não, com vínculo educativo ou não. Esse discurso provoca dois movimentos: por um lado, legitima a presença no campo da educação de instituições sem história e tradição nele; por outro, reduz o peso do capital simbólico das universidades, associado à sua cultura acadêmica e saberes científicos que veicula. Ou seja, além das universidades se verem às voltas com a diminuição do investimento público em ensino superior, o que Souza Santos (2011) chama de descapitalização das universidades, também são atingidas por um discurso que as destitui de seus capitais simbólicos distintivos no campo e atribui a elas funções coadjuvantes ou até figurantes, em um de seus espaços de atuação: a formação de professores. Esse processo é que chamamos de descapitalização simbólica das universidades, ideia que pode nos ajudar a entender de modo mais profundo as mudanças e reviravoltas que acontecem no ensino superior nas últimas décadas no Brasil e no mundo ocidental.

As consequências de tal processo também incluem o aprofundamento da desprofissionalização docente, isto é, uma diminuição do peso das universidades e do ensino superior na formação de futuros professores; e a imposição de um modelo de formação técnica, associada às novas tecnologias, desvinculada das práticas universitárias, da construção da autonomia docente e do trabalho intelectual. E, embora o projeto não tenha sido levado a cabo como quis o governo estadual, a existência do OYE evidencia processos que ainda persistem no campo educacional e necessitam ser melhor compreendidos e analisados.

Referências

CRUZ, E. S. O projeto OYE (2006) e a formação de professores de espanhol no Brasil: crise, desregulação e resistência(s). 275 f. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2016. Available from: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-14092016-163458/pt-br.php

SANTOS, B. S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2011.

SOUZA, D.T.R. and SARTI, F.M. Mercado de formação docente: constituição, funcionamento e dispositivos. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.

Para ler os artigos, acesse

CRUZ, E. S. et al. Formação de professores de espanhol e a descapitalização simbólica da universidade. Educ. Pesqui. [online]. 2020, vol. 46, e220409. ISSN: 1678-4634 [viewed 1 December 2020]. https://doi.org/10.1590/s1678-4634202046220409. Available from: http://ref.scielo.org/d9cbnj

Links Externos:

Educação e Pesquisa – EP: www.scielo.br/ep

Educação e Pesquisa: http://www.educacaoepesquisa.fe.usp.br

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CRUZ, E. S. and SOUZA, D. T. Universidade: protagonista ou “figurante” na formação de professores? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/01/26/universidade-protagonista-ou-figurante-na-formacao-de-professores/

 

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