A influência da RAE na trajetória de uma pesquisadora

Ana Paula Paes de Paula, Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Ciências Econômicas, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Foi ainda na graduação, por volta de 1991 quando era aluna da disciplina Comportamento Organizacional, ministrada pela professora Cecília Bergamini no curso de Administração da FEA-USP, o meu primeiro contato com a RAE. Na ocasião, Bergamini indicou a leitura de seu artigo publicado no periódico e “Motivação: mitos, crenças e mal-entendidos” (Bergamini, 1990) inaugurou meu encantamento com a questão da subjetividade nas organizações, permeando toda a minha carreira. A RAE passaria a fazer parte da minha vida profissional pelos 30 anos seguintes. O artigo “Trintena: Uma trajetória de vida, leitura e escrita com a RAE“, escrito para a edição especial de aniversário da RAE, mostra como a história da Revista nesse período se entrelaça com a minha própria trajetória, pois fui leitora, resenhista, autora, avaliadora, editora associada, tradutora, organizadora e participante de fóruns, sempre presente nas inovações editorais promovidas pela revista.

Em 1993, como monitora do curso de Administração, passava horas na biblioteca xerocando índices de periódicos e lendo abstracts, que era nossa forma de fazer pesquisa na época, entre eles a RAE. Em 1995, recém-formada e mestranda em Administração Pública na FGV EAESP, estudava os textos de Luiz Carlos Bresser-Pereira (1983, 1992) e acompanhava o trabalho do meu orientador, Professor Peter Kevin Spink – leituras e experiências que fundamentaram minha dissertação de mestrado (Paula, 1998a). Nesse mesmo ano, começava minha carreira como professora de Teoria Geral de Administração, na Fatec, que era associada à Unesp. Em meio a tantas leituras, em 1996, encontrei a oportunidade de escrever: um pequeno anúncio nas páginas da RAE recrutava resenhistas, e me voluntariei para realizar esse trabalho. Um pouco mais tarde, resenharia livros de colegas da área, como José Henrique de Faria (2004) (Paula, 2004a), Martin Parker (2002) (Paula, 2004b), entre outros. Terminei o mestrado na FGV EAESP em 1998 e iniciei o doutorado em Ciências Sociais no IFCH-Unicamp. Meu interesse pelo campo dos Estudos Organizacionais e pelos estudos críticos aumentou muito no período, e alguns textos publicados pela RAE me ajudaram nesse percurso, entre eles “Antropofagia organizacional” (Wood & Caldas, 1998), que significou meu primeiro contato com o pensamento de Alberto Guerreiro Ramos; “Organizações de simbolismo intensivo” (Wood, 2000), que me trouxe referências de Guy Debord e de autores que marcariam o critical management studies (Mats Alvesson, Gibson Burrel e John Hassard), e “Fads and fashions in management” (Wood & Caldas, 2000), que me introduziu a noção de modismos gerenciais, explorada por Eric Abrahamson.

Imagem: Free-Photos on Pixabay.

No ano 2000 elaborei o texto “Tragtenberg revisitado: as inexoráveis harmonias administrativas”, que foi muito bem recebido no EnANPAD. O Professor Thomaz Wood Jr., na época, estava começando como Editor-Chefe na RAE e estava organizando algumas homenagens póstumas para o Professor Tragtenberg, bem como um fórum na RAE para discutir sua contribuição acadêmica. Recebi, então, o convite para escrever uma pensata para RAE Documento, que foi publicada no volume 41, número 3, “Tragtenberg e a resistência da crítica: pesquisa e ensino na Administração hoje” (Paula, 2001c), ao lado dos textos de Antonio José Romera Valverde, Fernando Prestes Motta e José Henrique de Faria. Se me recordo bem, foi a partir de 2001 ou 2002 que me tornei avaliadora e editora associada da RAE. Nessa posição, organizei, em parceria com Peter Pelzer, o Fórum Teatro, Cinema e Organizações (Pelzer & Paula, 2002), com artigos convidados, realizando, inclusive, a tradução para língua portuguesa de dois textos que compunham essa coletânea (Hölpl, 2002; Pelzer, 2002), tarefa que realizaria em outras oportunidades (Ford et al., 2003; Mckinley, Mone, & Moon, 2003).

No ano de 2005, com a publicação prevista do livro Por uma nova gestão pública (Paula, 2005a), submeti à RAE um texto síntese do trabalho, “Administração Pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social” (Paula, 2005c), que, ao ser aprovado, veio acompanhado de uma proposta para realizar um debate: réplica do Professor Luiz Carlos Bresser-Pereira (2005) e tréplica minha (Paula, 2005d). Esse, talvez, seja um dos artigos mais citados da minha carreira acadêmica, e foi uma distinção realizar essa interlocução com Bresser-Pereira, que, ao longo dos anos, passou a sustentar uma posição muito semelhante à que eu defendia na época: a fundamental importância da participação social na gestão pública. Entre 2003 e 2006, dediquei-me à pesquisa do pós-doutorado, que deu origem a diversos artigos publicados em periódicos nacionais e também ao livro Teoria crítica nas organizações (Paula, 2008). Outro fruto dessa pesquisa foi minha última publicação na RAE, realizada em conjunto com a equipe que me acompanhava na época, “A tradição e a autonomia dos Estudos Organizacionais críticos no Brasil” (Paula, Maranhão, Barreto, & Klechen, 2010). Entre 2003 e 2012, prossegui marcando posição sobre a necessidade da heterodoxia epistemológica nos Estudos Organizacionais críticos e da valorização dos pensadores nacionais. A RAE continuou orbitando a minha carreira, pois foi graças às provocações realizada pela série RAE Clássicos, organizada pelo Professor Miguel Caldas, que abordou a questão dos paradigmas no campo das organizações, que pude analisar a influência do livro Sociological paradigms and organisational analysis (Burrel & Morgan, 1979) no Brasil, enquanto a área se consolidava como divisão na ANPAD, com o Encontro Nacional de Estudos Organizacionais (ENEO), criado em 2000, e a Sociedade Brasileira de Estudos Organizacionais (SBEO), que nasceu em 2011.

Esse percurso na minha própria trajetória fazia-se necessário para compreensão do que a RAE representou na minha carreira como jovem pesquisadora. Nessa trintena, os últimos 10 anos representam um hiato na colaboração com a RAE, pois permaneci apenas como avaliadora. As transformações estruturais nos periódicos nacionais, em função do processo de internacionalização e da aceleração do fluxo de submissões, criaram mais barreiras para publicações e aumentaram significativamente o número de recusas via desk review, de modo que, apesar das pressões do ambiente produtivista, me senti mais estimulada a me dedicar à elaboração dos livros mencionados no texto. Realmente espero que não somente a RAE, mas todos os periódicos nacionais encontrem espaço de resistência diante do novo cenário que se configura no Brasil para a produção de artigos científicos, pois será uma vitória continuar vendo a perpetuação de inovações e da ousadia editorial, bem como textos de jovens talentosos (as) pesquisadores (as) se tornarem clássicos, desenvolvendo-se ao longo do tempo e dando notícias de seu aprimoramento intelectual e acadêmico.

Referências

BRESSER-PEREIRA, L. C. Réplica: comparação impossível. RAE-Revista de Administração de Empresas [online]. 2005, vol.45, no.01, pp. 50-51 [viewed 11 May 2021]. https://doi.org/10.1590/s0034-75902005000100006 . Available from: http://ref.scielo.org/88qgbh

PAULA, A. P. P. Tréplica: Comparação possível. RAE-Revista de Administração de Empresas [online]. 2005d, vol.45, no.01, pp. 51-52 [viewed 11 May 2021]. https://doi.org/10.1590/s0034-75902005000100007 . Available from: http://ref.scielo.org/jgwqww

PAULA, A. P. P., MARANHÃO, C. S., BARRETO, R. and KLECHEN, C. A tradição e a autonomia dos estudos organizacionais críticos no Brasil. RAE-Revista de Administração de Empresas [online]. 2010, vol.50, no.01, pp. 10-23 [viewed 11 May 2021]. Available from: https://www.scielo.br/pdf/rae/v50n1/a02v50n1.pdf

Para ler o artigo, acesse

PAULA, A. P. P. TRINTENA: UMA TRAJETÓRIA DE VIDA, LEITURA E ESCRITA COM A RAE. Rev. adm. empres. [online]. 2021, vol.61, no.03 [viewed 17 May 2021]. https://doi.org/10.1590/s0034-759020210307. Available from: http://ref.scielo.org/vmgmdx

Sobre a autora

Ana Paula Paes de Paula

É Pós-Doutora em Administração pela FGV EAESP, Doutora em Ciências Sociais pelo IFCH-UNICAMP e Mestre em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP. Realizou formação teórica em Psicanálise no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG) e foi Professora Residente do IEAT-UFMG. É professora na FACE-CEPEAD-UFMG e coordenadora do Núcleo de Estudos em Participação e Subjetividade (NEPS). E-mail:  appp.ufmg@gmail.com

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

A influência da RAE na trajetória de uma pesquisadora [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/05/20/a-influencia-da-rae-na-trajetoria-de-uma-pesquisadora/

 

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