Como o currículo de uma escola pública brasileira influencia na formação de seus alunos?

Graciela Bernardi Horn, Doutora em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEC/UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. 

Rochele de Quadros Loguercio, Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEC/UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. 

O artigo “O dispositivo moralitúrgico em uma escola pública brasileira”, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 42), discute que o currículo ativo em cada escola é efeito resultante da disputa entre diferentes forças discursivas pela legitimidade do que deva ser entendido como verdade.  A pesquisa analisou os elementos (sons, objetos, palavras, ações etc.) que se articulam em uma rede que captura os sentidos (visuais, auditivos, táteis) dos alunos, ensinando-lhes quais valores devem ser atribuídos às coisas do mundo. O estudo, de cunho etnográfico, foi realizado de março a setembro de 2017, período em que a escola foi visitada com regularidade semanal para observações da rotina escolar e entrevistas, realizadas com cinco professoras e quatro alunos. A população onde se insere a escola é uma mistura de açorianos, alemães e italianos que moram em uma pequena localidade rural no Rio Grande do Sul, organizada por valores morais cristãos.

A reincidência de falas, ações, situações, palavras, coisas etc. – chamados aqui de “elementos” – mostram a saliência da discursividade religiosa como aquela que organiza, mais robustamente, o modo de vida daquela comunidade escolar. Cabe ressaltar, no entanto, que tal escola, sendo uma instituição pública, via de regra, deveria atender ao princípio constitucional da laicidade. Para pensar no entrelaçamento dos elementos, utilizou-se como ferramenta o conceito de “dispositivo” de Michel Foucault (2009) e embasamento teórico de outros filósofos pós-estruturalista (tais como: Óscar Moro Abadía (2003), Giorgio Agamben (2005) e Gilles Deleuze (2019)).

Imagem: Luís Kroth, 2020. Cedida para publicação neste press release.

À rede de elementos concatenados que subjetivam os alunos de maneira moralmente cristianizada, ritualística e disciplinadora, foi nomeada “moralitúrgica”. A palavra liturgia foi usada nesse novo termo cunhado – “dispositivo moralitúrgico” – para designar um conjunto de gestos, palavras, ações e atitudes rotineiras que periodicamente se repetem, sucedem-se, intercambiam-se, organizam e dão determinada ordem à vida escolar. A rede traçada pelo dispositivo moralitúrgico é composta por elementos dispostos em profusão (como crucifixos e quadros de parede com imagens de Jesus Cristo, orações, sinal da cruz, presença do padre, filmes religiosos, parceria da escola com a igreja em atividades diversas, frases cristãs escritas nas paredes ou em cartazes, proximidade à igreja e ao cemitério, cantorias, palavras, sons e documentos), que se aproximam e dialogam harmonicamente entre si formando uma saliência discursiva evidenciada pelo dispositivo.

Destaca-se estranhamento e resistência em relação ao modo confessional de ensino em escolas públicas, uma vez que este possibilita que apenas uma discursividade ensine a crianças e adolescentes valores religiosos hegemônicos, o que prejudica ou impede que visões ateístas, agnósticas ou de religiões mais incipientes na esfera sócio-política possam se manifestar. Habitar um território discursivo hermeticamente fechado configura uma familiaridade que pode obstruir a abertura para as diferenças, isto é, para a construção de outros modos ético/estéticos de existência. Tal discussão é relevante especialmente no Brasil atual em que a agressividade e a violência mostram forte vigor contra as diferentes formas de pensar e agir que divergem da discursividade conservadora de direita e extrema-direita.

A seguir, assista ao vídeo de Graciela Bernardi Horn ampliando a discussão sobre o modo moral e litúrgico de subjetivação em uma escola pública brasileira.

Referências

ABADÍA, Ó. M. Michel Foucault: de la épistemè al dispositif. Revista de Filosofía de la Universidad de Costa Rica [online]. 2003, vol. 41, no. 104, pp. 27-37 [viewed 20 May 2021]. Available from: http://www.inif.ucr.ac.cr/recursos/docs/Revista%20de%20Filosof%C3%ADa%20UCR/Vol.%20XLI/No.%20104/Michael%20Foucault%20de%20la%20episteme%20al%20dispositif.pdf

AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Outra Travessia [online]. 2005, no. 5, pp. 9-16. e-ISSN: 2176-8552 [viewed 20 May 2021]. Available from: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/about

DELEUZE, G. ¿Que és un dispositivo? Barcelona: Gedisa, 1990.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2009.

Para ler o artigo, acesse

HORN, G. B. and LOGUERCIO, R. Q. O dispositivo moralitúrgico em uma escola pública brasileira. Educ. Soc. [online]. 2021, vol. 42, e235463, ISSN: 1678-4626 [viewed 14 May 2021].  http://dx.doi.org/10.1590/es.235463. Available from: http://ref.scielo.org/ssgh5j

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HORN, G. B. and LOGUERCIO, R. Q. Como o currículo de uma escola pública brasileira influencia na formação de seus alunos? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/06/08/como-o-curriculo-de-uma-escola-publica-brasileira-influencia-na-formacao-de-seus-alunos/

 

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