Fronteiras da interação: como interpretar imagens de ultrassom?

Giulia Mendes Gambassi, doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

Daniel do Nascimento e Silva, professor, Departamento de Língua e Literatura Vernáculas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. 

Ana Ostermann, Minéia Frezza e Roberto Perobelli analisam interações em um consultório médico buscando observar como imagens fetais ultrassonográficas são “lidas” (i.e. tornadas inteligíveis) por profissionais da saúde, pacientes e acompanhantes. Assim, partindo de dados que fazem parte de um projeto maior (OSTERMANN, 2013), são investigadas dez interações em um hospital público brasileiro – gravadas em áudio e vídeo –, que se dão entre gestantes em situação de gravidez de médio a alto risco e os profissionais ao longo do próprio exame ultrassonográfico.

O artigo “Letramento sem fronteiras: as minúcias de granularidade fina das interações sociais que tanto importam (também para promover letramento em saúde)”, publicado no periódico Trabalhos em Linguística Aplicada (v. 59, n. 1, 2020), partindo de uma perspectiva etnometodológica, apresenta, por meio da Análise da Conversa Aplicada (OSTERMANN, 2008, OSTERMANN; ANDRADE; SILVA, 2013), quatro excertos de interações no contexto mencionado. Sua análise aponta que o meticuloso trabalho de “fazer inteligíveis” imagens ultrassonográficas também para leigos demanda não apenas descrições do que se vê projetado. A produção compartilhada de sentido depende de uma refinada coordenação entre os movimentos do transdutor, fala (ajustada a cada interlocutor), gestos e a temporalidade desses recursos vis-a-vis o que é projetado na tela.  Ou seja, traduzir as imagens ultrassonográficas, pouco usuais para pessoas leigas, requer “trabalho” – isto é, um trabalho interacional – que se dá pela combinação desses diferentes recursos comunicativos. O estudo aponta ainda que é na granularidade fina das interações – isto é, por meio de análises de seus mínimos detalhes multimodais – que se dá a inteligibilidade entre os próprios participantes (e analistas).

Imagem: @prostooleh

As evidências empíricas na análise apontam que uma forma muito comum de se tentar produzir sentido quando uma pessoa (o profissional de saúde) detém mais saber sobre um assunto que outra (a paciente gestante) é usar exemplos ou metáforas (mais especificamente símiles, nos casos analisados). É aí, então, que está o ponto central do artigo: independente do material a ser “lido” (ainda que seja uma imagem), é essencial que os profissionais envolvidos na situação apresentada se engajem para tornar compreensível, “legível”, o que se coloca como enigma para pessoas leigas.

Com base em suas análises e no paradigma aplicado nos quais atuam, Ostermann, Frezza e Perobelli (2020) se alinham com uma definição mais ‘alargada’ de ‘letramento’ em sua relação com interações na saúde – daí, o uso de ‘sem fronteiras’. Isso porque, é somente ao analisarmos a granularidade dos vários recursos semióticos depreendidos pelos participantes em uma interação que podemos compreender como não apenas textos, mas também imagens (e imagens ‘em movimento’) ganham sentido nas interações.  As autoras e autor também advogam por interações ‘sem fronteiras’ entre médicos e pacientes em compreensão conjunta de imagens técnicas e de diagnósticos que dizem respeito a seu próprio corpo. Por isso, é fundamental promover o letramento em saúde nas interações entre profissionais de saúde e usuários, bem como trabalhar aspectos verbais, não verbais e temporais em situações em que fazer valer o jogo de interpretação é fundamental.

Referências

OSTERMANN, A. C. Análise da Conversa (Aplicada) como uma abordagem para o estudo de linguagem e gênero: O caso dos atendimentos a mulheres em situação de violência no Brasil. Athenea Digital [online]. 2008, vol. 14, pp. 245-266 [viewed 15 June 2021]. Available from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=53701416

OSTERMANN, A. C.; ANDRADE, D. N. P. and SILVA, J. Análise da Conversa Aplicada em interações entre médicos e pacientes. Veredas [online]. 2013, vol. 17, pp. 114-135 [viewed 15 June 2021]. Available from: https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2014/04/5%C2%BA-ARTIGO-ok.pdf

OSTERMANN, A. C. Uma mulher, um feto, e uma má notícia: a entrega de diagnósticos de síndromes e de malformações fetais – em busca de uma melhor compreensão do que está por vir e do que pode ser feito. São Leopoldo: 2013. Research project funded by CNPq.

Para ler o artigo, acesse

OSTERMANN, A. C.; FREZZA, M. and PEROBELLI, R. LITERACY WITHOUT BORDERS: THE FINE-GRAINED MINUTIAE OF SOCIAL INTERACTION THAT DO MATTER (ALSO IN PROMOTING HEALTH LITERACY). Trabalhos em Linguística Aplicada [online]. 2020, vol. 59, no.01, pp. 330-352, abr. 2020. http://dx.doi.org/10.1590/010318135866215912020. Available from: http://ref.scielo.org/52n6yv

Links externos

TEDxUnisinos: Análise da Conversa – um olhar científico sobre as falas. 2018 – https://www.youtube.com/watch?v=793FZpy0NF4

Trabalhos em Linguística Aplicada – TLA: www.scielo.br/tla

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GAMBASSI, G. M. and SILVA, D. N. Fronteiras da interação: como interpretar imagens de ultrassom? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/06/23/fronteiras-da-interacao-como-interpretar-imagens-de-ultrassom/

 

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