Pesquisar é uma arte? Processos criativos têm a ver com estudos acadêmicos?

Rosa Maria Bueno Fischer, professora titular recentemente aposentada, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. Porto Alegre, RS.

Logo do periódico Revista Brasileira de Estudos da PresençaO artigo, redigido sob a forma de ensaio, discute os principais tópicos da pesquisa “Manuscritos da criação: as artes e a arte de pesquisar em educação”, realizada sob minha coordenação, de 2017 a 2021, junto ao NEMES – Núcleo de Estudos de Mídia, Educação e Subjetividade, da Faculdade de Educação da UFRGS. Participaram estudantes de graduação, mestrado e doutorado.

Quais foram os dados levantados no estudo? Pesquisamos: a) os diferentes registros deixados em texto ou vídeo, por artistas como, por exemplo, Abbas Kiarostami, Paul Klee, Clarice Lispector, Wim Wenders, dentre tantos outros; b) mais de mil manuscritos de estudantes universitários, elaborados a partir da relação dos jovens com filmes diversos; c) entrevistas com dois cineastas gaúchos; d) arquivos e anotações de uma doutoranda da área de educação, ao longo de quatro anos.

Queríamos investigar a relação entre processos criativos, experiências cotidianas e produção do pensamento. Por que esse estudo?  Porque o cotidiano como orientadora e professora de um programa de pós-graduação em educação, durante mais de 20 anos, apontava, de um lado, a falta de permeabilidade entre vida e pesquisa, arte e pensamento; e, de outro, uma real dificuldade dos mestrandos e doutorandos, no sentido de tornarem seus textos mais “vivos”.

Imagem: Paul Klee.

De todos os dados levantados, seguramente os manuscritos dos estudantes universitários foram os mais ricos. Ao mesmo tempo que estudávamos registros como os de cineastas e outros artistas, acompanhávamos turmas de jovens estudantes de Pedagogia e de Comunicação, em que cada um experimentava a alegria (e as dores) da escrita, envolvendo-se com narrativas fílmicas, debates teóricos e, principalmente, com sua própria história, vivências pessoais e acadêmicas.

No artigo, relatamos o caso de uma doutoranda, convidada a explorar a arte do cinema e da literatura, também da filosofia, para poder pensar suas experiências como vice-diretora de uma escola pública na Grande Porto Alegre (RS). Nesse relato, mostramos a constatação da enorme potência da entrega às artes, no exato momento da realização de uma pesquisa acadêmica.

Autores como Walter Benjamin, Michel Foucault, Didi-Huberman, Carlos Skliar, entre outros, nos ajudaram a analisar os dados da pesquisa e são citados no artigo. Benjamin é ótimo exemplo de como um bom texto pode ser elaborado, na medida em que ele articula com liberdade (e densidade) fatos, dados cotidianos, memórias afetivas, paisagens, objetos artísticos.

Defendemos que arte não se separa de pensamento. E que, tanto na vida cotidiana como na pesquisa acadêmica, é fundamental a atenção às coisas mínimas, à simplicidade, ao maravilhoso que pode estar nas práticas mais corriqueiras, como faz a poeta mineira Adélia Prado. Um pesquisador em educação, seguindo esse raciocínio, é alguém interessado em “falar deste mundo”, sobretudo em falar do outro: nossos estudos têm um compromisso ético, e nesse sentido se tornam mais belos. Ou seja: ética e estética caminham juntas.

O artigo conclui que cada arte, cada linguagem e cada modo de criação (inclusive nossas pesquisas) nos ensinam que é possível falar de nossa época, raciocinando poeticamente, mesmo quando os dados tratam de sofrimentos, problemas e dores – como o que vivemos, no Brasil, durante este tempo de pandemia.

Lembro que a pesquisa tratada neste artigo nos levou hoje a um novo estudo, que trata especificamente das narrativas cinematográficas e do grande tema da solidariedade. Ou seja: continuamos dedicadas a pensar sobre ética e estética, imagem e empatia – que consideramos ser fundamental neste exato momento histórico.

Referências

BENJAMIN, W. O narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1993.

FISCHER, R. M. B. Arte, pensamento e criação de si em Foucault: breve ensaio. Currículo sem Fronteiras [online]. 2015, vol. 15, pp. 945-955 [viewed 12August 2021]. Available from: http://www.curriculosemfronteiras.org/vol15iss3articles/fischer.pdf

FISCHER, R. M. B. Foucault, Clarice: as palavras, as coisas, a experiência. Cadernos de Educação (UFPel) [online]. 2016, vol.54, pp. 5-22 [viewed 12August 2021]. https://doi.org/10.15210/caduc.v0i54.10014. Available from: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/view/10014

FOUCAULT, M. A escrita de si. In: FOUCAULT, M. Ética, Sexualidade e Política. Ditos e Escritos V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

FOUCAULT, M. A ética do cuidado de si como prática de liberdade. In: Ética, Sexualidade, Política. Ditos & Escritos V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004a.

RANCIÈRE, J. A Partilha do Sensível. Rio de Janeiro: Editora 34, 2009.

RILKE, R. M. Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre: L&PM, 2009.

Para ler o artigo, acesse

FISCHER, R. M. B. Listening to the Arts: poetical possibilities in research. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2021, vol.11, no.01 22 [viewed 12August 2021]. https://doi.org/10.1590/2237-2660100045. Available from: http://ref.scielo.org/63ff64

Links Externos

Grupo de pesquisa certificado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/16922

Núcleo de Estudo de Mídia, Educação e Subjetividade: www.ufrgs.br/nemes

Revista Brasileira de Estudo da Presença – RBEP: www.scielo.br/rbep

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

FISCHER, R. M. B. Pesquisar é uma arte? Processos criativos têm a ver com estudos acadêmicos? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/08/12/pesquisar-e-uma-arte-processos-criativos-tem-a-ver-com-estudos-academicos/

 

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