Pesquisa explora relação entre taxas de ocupação de leitos em UTIs e tomada de decisões pelo poder público em Porto Alegre – RS

Cristiane Miglioranza, jornalista, assistente editorial de Horizontes Antropológicos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.

No texto “A pandemia de Covid-19 na UTI, publicado no número especial Covid-19. Antropologias de uma Pandemia, Everson Fernandes Pereira (UFRGS) analisa os discursos em torno das taxas de ocupação dos leitos das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do município de Porto Alegre – – RS e seus reflexos nas tomadas de decisão pelo poder público. Inspirado no debate antropológico sobre escalas e métricas e no conceito de necropolítica de Mbembe (2018), o autor examina como os discursos de ‘normalidade’ e o ‘controle’ da situação epidemiológica da cidade passaram a ser construídos sob a ideia de estabilidade dos níveis de ocupação das UTIs.

“Neste artigo, traço alguns comentários sobre a taxa de ocupação de leitos de UTI a partir do caso de Porto Alegre nos primeiros seis meses de pandemia de SARS-CoV-2. Argumento como a produção e o uso dessas taxas, por parte da Prefeitura Municipal, ganha ares técnicos que deixam de lado uma série de complexidades. Acompanhando os dados de ocupação dos leitos e as medidas adotadas pelo poder público municipal e argumento como as escolhas e decisões políticas no combate à pandemia são baseadas em outros critérios que não exclusivamente técnicos”, explica Pereira.

Print screen do dashboard de monitoramento das UTIs. Fonte: MONITORAMENTO das UTIs de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura de Porto Alegre, 2020.

O autor do artigo observou a existência de uma percepção de pandemia que parecia estabilizada, quando na verdade, o crescente número de casos graves não alterava os níveis de ocupação. “Esse processo atuou em favor de uma domesticação à abstração, já que a experiência de risco e cuidado passou a ser modulada também por este instrumento, a métrica, cada vez mais distantes do sensível: a atenção aos níveis de contaminação passa a se alterar com a sensação de tranquilidade ou de perigo iminente forjada pelo número de vagas de UTI ocupadas. Assim, além de passar a sensação de contínuo investimento em equipamentos de resposta à pandemia, esse jogo equilibrava constantemente a balança entre ocupação e vagas e abria margens para a ‘retomada da normalidade’ nas atividades industriais, comerciais e escolares, expondo a população mais agudamente às contaminações com o vírus – uma necropolítica dos números, como sugere Segata (2020)”.

O autor mostra como as decisões que usam a taxa de ocupação de UTIs trazem consigo uma série de problemáticas que são menos vocalizadas no debate público. “Não só são decisões políticas, mas que também incidem sobre pessoas de maneiras diferentes, que têm efeitos na vida cotidiana e nas estratégias possíveis ou tornadas impossibilitadas de exposição ao risco mais direto de infecção, além de transformarem sujeitos em porcentagens. Estratégias universalizantes como lockdown, ‘fique em casa’ e ‘isolamento social’ precisam estar sob olhares críticos atentos, considerando as diversidades sociais, geográficas, culturais, de classe etc. Mas, mais do que isso, essas estratégias de mitigação devem ser pensadas não como inerentemente autoritárias ou inerentemente ineficientes. Elas podem ser falhas porque universalizantes, mas também podem ser falhas porque vivemos num mundo que não possibilita que estratégias de garantir que pessoas não sejam expostas à morte sejam aplicadas. Devemos pensar que tipo de sociedade, incluindo sistemas socioeconômicos, tornam essas estratégias problemáticas”, destaca.

Referências

MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: N-1 Edições, 2018.

SEGATA, J. Covid-19: escalas da pandemia e escalas da antropologia. Boletim Cientistas Sociais e Coronavírus. Available from: http://anpocs.org/index.php/publicacoes-sp-2056165036/boletim-cientistas-sociais/2307-boletim-n-1-cientistas-sociais-o-o-coronavirus-2

Para ler o artigo, acesse

PEREIRA, E. F. A pandemia de Covid-19 na UTI. Horiz. Antropol. [online]. 2021, vol.27, no.59, pp.49-70 [viewed 18 August 2021]. https://doi.org/10.1590/s0104-71832021000100003. Available from: http://ref.scielo.org/cxy66p

Links Externos

Everson Fernandes Pereira – http://lattes.cnpq.br/9951107136567518

Horizontes Antropológicos – HA: https://www.scielo.br/ha/

Porto Alegre na mira da covid-19: estratégias locais de enfrentamento e mitigação da pandemia. Núcleo de Estudos sobre Política Local, UFJF: https://nepolufjf.wordpress.com/2020/04/12/porto-alegre-na-mira-da-covid-19-estrategias-locais-de-enfrentamento-e-mitigacao-da-pandemia/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MIGLIORANZA, C. Pesquisa explora relação entre taxas de ocupação de leitos em UTIs e tomada de decisões pelo poder público em Porto Alegre – RS [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/08/25/pesquisa-explora-relacao-entre-taxas-de-ocupacao-de-leitos-em-utis-e-tomada-de-decisoes-pelo-poder-publico-em-porto-alegre-rs/

 

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