Por que são raros os nomes de cientistas mulheres? Marie Curie e o patriarcado em discussão

Deborah Cotta, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGE/FaE/UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil.

Andreia Guerra, docente do programa de Pós-graduação Ciência, Tecnologia e Educação do Departamento de Pesquisa e Pós-graduação e líder do Núcleo de Investigação em Ensino, História da Ciência e Cultura, NIEHCC, CEFET-RJ. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Estamos cada vez mais atentos e conscientes sobre a participação das mulheres na ciência. No entanto, sabemos que a discrepância entre a quantidade de homens e mulheres que ocupam cargos visíveis nas áreas das ciências é gigantesca. Para falar sobre essa diferença, não basta pensar sobre as questões de gênero de modo isolado, é necessário conhecer, refletir sobre e conectar um conjunto de variáveis que interferem no resultado que vemos refletido ao longo do tempo: um número ínfimo de mulheres cientistas reconhecidas – no meio científico e na sociedade civil.

Reconhecendo que existem poucas referências à participação das mulheres na ciência, e pensando a história de Marie Curie como possibilidade para potencializar a discussão do tema, Natasha El Jamal e Andreia Guerra publicam o artigo O caso Marie Curie pela lente da História Cultural da Ciência: Discutindo relações entre mulheres, ciência e patriarcado na Educação em Ciências, na Revista Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, volume 24. As autoras defendem que a educação em ciências deve se preocupar com a formação sociopolítica dos estudantes, e entendem que o patriarcado tem um peso determinante na relação das mulheres com a ciência. O caso de Marie Curie não deve ser visto de forma isolada e descontextualizada, nem tampouco servir apenas como incentivo para reverter a pouca visibilidade das mulheres na ciência. Para conhecer, portanto, o contexto que possibilitou o percurso e o reconhecimento de Marie Curie na história, as autoras desenvolveram uma pesquisa na linha da História Cultural da Ciência, e buscaram compreender quais as condições que levaram Curie a participar da ciência e como a compreensão de tais questões potencializa reflexões para a Educação em ciências.

A partir de textos de diários, documentos oficiais, artigos científicos e de jornais as autoras identificaram aspectos significativos da história pessoal e profissional de Marie Curie que se relacionam diretamente com questões de gênero, classe e raça, para além do patriarcado. A institucionalização da educação feminina na Europa, a localização geográfica de Marie em um país central na circulação de pessoas e de conhecimentos científicos, seus estudos de experimentação e as relações estabelecidas com cientistas homens em posições acadêmicas importantes, entre eles seu marido, foram condições centrais ao crescimento e desenvolvimento de seu trabalho.

Imagem: Criador Desconhecido / Licença Wikimedia Commons

A possibilidade de migrar da Polônia para a França a fim de estudar, as condições econômicas adequadas à vida dos estudos, o casamento com um francês inserido na comunidade científica e acadêmica e contratação de ter uma babá para dedicar-se à esfera pública em detrimento da esfera privada ‘reservada’ às mulheres são exemplos de tais condições vivenciadas pela cientista, que viabilizaram o êxito de seu trabalho. A disponibilidade de tempo, o acesso à artigos e pesquisas centrais, o diálogo e a colaboração estabelecidos com grandes cientistas foram essenciais.

Vemos, neste artigo, que Marie Curie precisou vencer alguns obstáculos fincados pelo patriarcado para permanecer na carreira científica. O fato de ela ser a “primeira” ou a “única” mulher na ciência a receber prêmios e reconhecimento expressa sua visibilidade, e principalmente, denuncia a invisibilidade de outras tantas mulheres que não venceram os mesmos, ou outros, obstáculos provocados pelo patriarcado. Ela não deve ser vista como privilegiada, mas como uma mulher que, por ter condições de trabalho ainda ausentes para a grande maioria, conseguiu fazer ciência.

Essas considerações sobre as condições que tornaram Marie Curie visível na história da ciência são importantes para uma educação em ciências que se pretende mais politizada (Hodson, 2010; Hodson & Wong, 2017; El Jamal, 2021). Para além dos conteúdos e lógicas do pensamento e do fazer científicos, a educação em ciências deve potencializar compreensões sobre as possibilidades e condições de acesso e permanência na carreira científica. Dessa forma, cidadãos e cidadãs se tornam mais críticos sobre a ciência, e sobre como a sociedade, o capitalismo, o patriarcado, e tantas outras questões sociais, históricas e políticas impactam no desenvolvimento e manutenção da ciência.

Leia mais

EL JAMAL, N. O Lado Invisível da História da Ciência: Discutindo a ausência de mulheres na Ciência por meio da visibilidade de Marie Curie na Educação em Ciências. Rio de Janeiro: Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, 2021 [viewed 20 April 2022]. Available from: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=10961166

HODSON, D. Science education as a call to action. Canadian Journal of Science, Mathematics and Technology Education [online]. 2010, vol. 10, no. 3, pp. 197-206 [viewed 20 April 2022]. https://doi.org/10.1080/14926156.2010.504478. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/14926156.2010.504478

HODSON, D. and WONG, S.L. Going beyond the consensus view: Broadening and enriching the scope of NOS-oriented curricula. Canadian Journal of Science, Mathematics and Technology Education [online]. 2017, vol. 17, no. 1, pp. 3-17 [viewed 20 April 2022]. https://doi.org/10.1080/14926156.2016.1271919 Available from: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/14926156.2016.1271919

Para ler o artigo, acesse

EL JAMAL, N. and GUERRA, A. O caso Marie Curie pela lente da História Cultural da Ciência: discutindo relações entre mulheres, ciência e patriarcado na Educação em Ciências. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte) [online]. 2022, vol. 24, e35963 [viewed 20 April 2022]. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240107. Available from: https://www.scielo.br/j/epec/a/xWGSTWrTb5GmwtryZj4Rjzm/

Link(s)

Página institucional da Revista Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências: https://periodicos.ufmg.br/index.php/ensaio

Núcleo de Investigação em Ensino, História da Ciência e Cultura: https://niehcc.wordpress.com/

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Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências – EPEC: https://www.scielo.br/j/epec/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

COTTA, D. and GUERRA, A. Por que são raros os nomes de cientistas mulheres? Marie Curie e o patriarcado em discussão [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2022 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/04/25/por-que-sao-raros-os-nomes-de-cientistas-mulheres-marie-curie-e-o-patriarcado-em-discussao/

 

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