As crianças e o uso das redes sociais no combate a COVID-19: É possível falar em ativismo infantil?

Bianca Orrico Serrão, Investigadora, Universidade do Minho, Braga, Portugal.

Juliana Prates Santana, Professora, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.

Logo do periódico Educação & SociedadeA presença de crianças nas redes sociais tem sido motivo de debates e muita preocupação, em decorrência dos riscos aos quais elas ficam expostas, principalmente as mais novas. Os riscos decorrentes dessa hiperexposição são indiscutíveis e precisam ser alvo de ações coletivas de proteção. Nesse sentido, o artigo O ativismo digital das crianças em tempos de pandemia, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 43), busca discutir a participação social das crianças nas redes, a partir da apresentação das ações de crianças consideradas digital influencers ao redor do mundo, especificamente no que se refere à conscientização e enfrentamento da COVID-19.

A pandemia trouxe inúmeros desafios e alterações nos modos de comunicação e relação social, principalmente da necessidade de isolamento social e no caso das crianças, o fechamento das escolas. Com isso, o acesso à Internet se tornou ainda mais necessário, evidenciando o abismo digital presente nos dias atuais, já que 37% de toda a população mundial ainda não tem acesso à internet, de acordo com a União Internacional de Telecomunicações (NAÇÕES UNIDAS, 2021).

Com as alterações realizadas de forma tão repentina nos hábitos e modos de vida cotidiano, as crianças, que não estão indiferentes a sua realidade e ao que tem acontecido, buscaram pelas redes sociais, compartilhar ações e reflexões sobre o que tem acontecido, bem como estratégias de mobilização para contribuir para a prevenção da doença sem sair de suas casas. Mesmo com mudanças significativas na concepção do que é infância no ocidente, em especial a partir das contribuições da Sociologia da Infância, prevalece uma visão da criança como alguém considerado incapaz e que deve ser protegido a partir do que é avaliado pelos adultos como adequado.

Qvortrup (2010) aponta que sustentar essa concepção de afastar as crianças da economia e da política é irreal, já que elas devem ser parte de um projeto para a construção do futuro. Sarmento (2005) reforça essa concepção, em conjunto com questões relacionadas à classe, gênero e cultura, oprime socialmente a infância, sendo necessário pensar por uma perspectiva crítica, articulando investigações participativas com ações promovidas na estrutura social.  Crianças com ampla visibilidade nas redes sociais e consideradas digital influencers, ocuparam diferentes espaços na rede para sensibilizar sobre a contenção do vírus.

A pesquisa é resultado de um estudo elaborado para a tese de doutorado “Participação cívica de crianças em espaços on-line: A ocupação das redes sociais por crianças digital influencers”. Em decorrência da pandemia, foi avaliada a importância de investigar as ações das crianças durante esse período, sendo coletados dados por meio de uma etnografia digital, que permite analisar “fenômenos digitais e a possibilidade de serem compreendidos em suas próprias experiências” (FERRAZ, 2019, p. 54). As crianças apresentadas nesta investigação foram acompanhadas por meio de diferentes plataformas (Instagram, Twitter, TikTok e YouTube), e a seleção dos participantes foi concebida de modo que, ao adicionar um perfil, o algoritmo sugerisse outros semelhantes de crianças ativistas e influenciadoras de diferentes países.

A partir da análise realizada, foi possível identificar que o protagonismo das crianças na rede representa um grande passo para o reconhecimento de sua participação em diferentes âmbitos sociais e políticos, já que ainda existe uma invisibilização desse grupo social no que concerne a seus direitos políticos. A Internet tem possibilitado uma visibilidade a grupos minoritários que até então não eram escutados, como as crianças, permitindo que elas possam expressar suas opiniões e preocupações em assuntos relacionados à cidadania e à política, além de se engajarem em ações que considerem relevantes de forma articulada, obtendo maior visibilidade de suas lutas pelas redes e acessando pessoas que até então eram desconsideradas nas agendas dos movimentos sociais.

É importante salientar que a permanência das crianças nas redes é um dado de realidade e que existem muitos benefícios em um modo de vida em que crianças e adultos possam compartilhar opiniões, ações, formas de mobilização, modos de percepção do mundo e etc. No entanto, cabe entender que esse é um espaço que envolve riscos, incluindo a apropriação do capital cultural e de influência das crianças por grandes corporações.

As crianças precisam compreender os riscos a que estão submetidas e, para isso, é necessário promover espaços de conscientização e literacia digital, já que muitas crianças podem ser alvo de desinformação por meio das plataformas digitais, além de ofensas e violações nesses espaços. Sugere-se a realização de mais estudos que possam ampliar a discussão sobre o papel das crianças ativistas, o impacto na participação infantil em questões sociais relevantes e urgentes e como protegê-las de possíveis situações de risco ao ocupar estes espaços.

A seguir, ouça o podcast de Viviane Gonçalves trazendo maiores informações sobre a atuação de crianças nas redes sociais para o enfrentamento da COVID-19.

Referências

FERRAZ, C.P. A etnografia digital e os fundamentos da Antropologia para estudos em redes on-line. Aurora: revista de arte, mídia e política [online]. 2019, vol. 12, no. 35, pp. 46-69 [viewed 25 October 2022]. https://doi.org/10.23925/v12n35_artigo3. Available from: https://revistas.pucsp.br/aurora/article/download/44648/pdf

NAÇÕES UNIDAS. Cerca de 2,9 bilhões de pessoas nunca usaram a internet por falta de acesso. ONU NEWS, 2021 [viewed 25 October 2022]. Available from: https://news.un.org/pt/story/2021/12/1772182

QVORTRUP, J. Infância e política. Cadernos de Pesquisa [online]. 2010, vol. 40, no. 141, pp. 777-792 [viewed 25 October 2022]. https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000300006. Available from: https://www.scielo.br/j/cp/a/bqRcpxVHmtt6VzH7mvP6VHb/

SARMENTO, M.J. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação & Sociedade [online]. 2005, vol. 26, no. 91, pp. 361-378 [viewed 25 October 2022] https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000200003. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/3PLsn8PhMzxZJzvdDC3gdKz/

Para ler o artigo, acesse

SERRÃO, B.O. and SARMENTO, M.J., and SANTANA, J.P. O ativismo digital das crianças em tempos de pandemia. Educação & Sociedade [online]. 2022, vol. 43, e257004 [viewed 25 October 2022]. https://doi.org/10.1590/ES.257004. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/s4nD8H6p8TfhSY9WxRtnHrJ/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

SERRÃO, B.O. and SANTANA, J.P. As crianças e o uso das redes sociais no combate a COVID-19: É possível falar em ativismo infantil? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2022 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/10/25/as-criancas-e-o-uso-das-redes-sociais-no-combate-a-covid-19-e-possivel-falar-em-ativismo-infantil/

 

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