O cinema como conhecimento que forma e transforma por meio da experiência

Rogério de Almeida, Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.

Logo do periódico Educação e PesquisaO artigo Filosofia trágica e pedagogia da escolha: imaginários cinematográficos sobre a afirmação da vida (Revista Educação e Pesquisa), de Rogério de Almeida, realiza um estudo sobre a implicação dos filmes “Lucky” (2017), dirigido por John Carroll Lynch, “Paterson” (2016), de Jim Jarmush, e “A árvore dos frutos selvagens” (2018), de Nuri Bilge Ceylan, com a filosofia trágica (nada, acaso e convenção) e a afirmação da vida (amor fati), como pensadas por Friedrich Nietzsche e Clément Rosset.

Pautada metodologicamente por uma hermenêutica (filosofia da interpretação) que considera todo conhecimento como perspectivo, a pesquisa busca investigar processos de formação ou autoformação que não sejam pré-determinados, mas construídos por meio das experiências, o que inclui as experiências estéticas como as de assistir a filmes. Se orientadas pela suspensão da crença, que funciona como uma espécie de jogo de faz-de-conta, essas experiências podem propiciar os itinerários (auto)formativos, processos que possibilitam que cada um chegue a ser o que é, ou, na máxima de Píndaro: “torna-te o que tu és”.

Com pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e com Bolsa Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Rogério de Almeida tem demonstrado em suas publicações que a experiência de assistir a filmes contribui para os processos formativos, não necessariamente pelo conteúdo que os filmes trazem, mas pelos exercícios hermenêuticos que propiciam, por meio dos quais se busca o diálogo entre a subjetividade e os sentidos que emanam da ficção.

Foto de um rolo de filme em espiral. Fundo claro.

Imagem: Denise Jans.

De maneira mais conceitual, há duas formas de conhecimento: o lógico-racional-objetivo, que os gregos chamavam de mathema (de onde se origina matemática), e o páthei máthos, que é a aprendizagem pela experiência, pelo modo como algo nos toca, nos alegra, nos emociona ou nos faz pensar. É este último conhecimento que o cinema pode propiciar.

Nesse sentido, Filosofia trágica e pedagogia da escolha associa-se ao artigo Impotência, Ressentimento, Incredulidade: o niilismo no Cinema e na Educação (Revista Educação & Realidade)1, que apresenta três estudos fílmicos sobre o niilismo, compreendido como a crise generalizada dos valores, o que impacta em três modos de representar o mundo: finalidade, totalidade e verdade.

Sem finalidade, o sujeito se torna impotente; sem totalidade, torna-se ressentido; sem encontrar a verdade, sofre com a incredulidade generalizada, nega a vida e termina por condenar a própria realidade. O modo de ultrapassar o niilismo não é a retomada dos valores em crise, como pregam os ultraconservadores da extrema direita (como se tais valores alguma vez tivessem, de fato, sido constituídos), mas uma educação calcada na potência criadora. Dessa forma, os dois artigos se conectam e se complementam, um por mostrar o que gera o niilismo (exemplificado por três filmes), e este ao apontar sua ultrapassagem: a afirmação criadora da vida, também ancorada em três filmes.

Os resultados da pesquisa contribuem para a formulação de políticas públicas que valorizem a educação estética, o entendimento da potencialidade da hermenêutica na área da filosofia da educação e as possibilidades de uso do cinema nos processos formativos, além de demonstrar que as imagens também se constituem, para além do saber lógico-objetivo-racional, como forma de conhecimento, principalmente pela mobilização de subjetividades.

Notas

1. Artigo divulgado em press release no SciELO em Perspectiva: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/10/11/filmes-que-retratam-a-crise-niilista-ajudam-a-educacao-a-pensar-sobre-nosso-tempo/

Referências

ALMEIDA, R. Cinema e Educação: fundamentos e perspectivas. Educ. rev. [online]. 2017, vol. 33, e153836 [viewed 18 May 2023]. https://doi.org/10.1590/0102-4698153836. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/kbqWpx6Vq6DszHrBT887CBk/

ALMEIDA, R. Impotência, Ressentimento, Incredulidade: o niilismo no Cinema e na Educação. Educ. Real. [online]. 2022, vol. 47, e116602 [viewed 18 May 2023]. https://doi.org/10.1590/2175-6236116602vs01. Available from: https://www.scielo.br/j/edreal/a/vvF5KGJ98sK97mXpVmzQkBg/

NIETZSCHE, F. Ecce homo. Como alguém se torna o que é. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

RICOUER, P. Hermenêutica e ideologias. Petrópolis: Vozes, 2008.

ROSSET, C. A lógica do Pior: elementos para uma filosofia trágica. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.

Para ler o artigo, acesse

ALMEIDA, R. Filosofia trágica e pedagogia da escolha: imaginários cinematográficos sobre a afirmação da vida. Educ. Pesqui. [online]. 2023, vol. 49, e254031 [viewed 18 May 2023]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202349254031. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/tS7GjbkFLszRHTTStd9s6Ng/

Links externos

Educação e Pesquisa – EP: https://www.scielo.br/j/ep/

Educação e Pesquisa – Revista da Faculdade de Educação da USP: http://www.educacaoepesquisa.fe.usp.br/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

ALMEIDA, R. O cinema como conhecimento que forma e transforma por meio da experiência [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/05/18/o-cinema-como-conhecimento-que-forma-e-transforma-por-meio-da-experiencia/

 

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