A iniciação científica como oportunidade de aprendizagem da conduta ética em pesquisa

Pedro Savi Neto, pesquisador independente, Vila Nova de Gaia, Portugal.

Logo do periódico Educação e Revista.

A ética em pesquisa tem sido objeto de intenso movimento de normatização da conduta dos pesquisadores a partir de um modelo pensado a partir da lógica das ciências biomédicas, o que resulta, basicamente, em dois problemas: (1) as normas não são pensadas de acordo com as particularidades dos diversos campos de pesquisa e (2) a resposta normativa parece ser menos efetiva (e adequada) do que uma resposta formativa. Esse é o problema de pesquisa que gerou uma série de artigos do Grupo de Pesquisa Formação, ética e pesquisa em Educação, liderado pela Profa. Mónica de la Fare.

A série de artigos teve como objetivo investigar as repercussões dessa resposta majoritariamente normativa e conceitualmente equivocada nas diferentes etapas da carreira de um pesquisador, assim divididos: líderes e vice-líderes de Grupos de Pesquisa em Educação, doutorandos e mestrando de universidades de excelência (etapa que contou com a coleta e análise de dados em Portugal, além da contextualização da questão com a apresentação de aspectos importantes da legislação europeia aplicável) e, por fim, estudantes com experiência em iniciação científica (IC).

Essa última etapa redundou na escrita do artigo As possíveis contribuições do conceito de mímesis para pensar a iniciação científica em tempos de regulação da conduta em pesquisa ao qual ora nos referimos e teve como hipótese a importância da iniciação científica na formação da moralidade dos pesquisadores iniciantes. Para tanto, lançamos mão do conceito de mimesis, que poder ser entendido, simplificadamente, como a tendência natural do ser humano para aprender por meio da imitação.

Dois homens negros sentados diante de um computador. Ambos, o mais velho e o mais novo, estão apontando para o computador. A expressão facial dos dois é de seriedade e concentração.

Imagem: Pixabay.

A pesquisa com a IC ainda está em fase inicial e o artigo tem caráter exploratório, ou seja, serviu como uma espécie de testagem para a hipótese. Procuramos, por meio do levantamento bibliográfico e da aplicação de questionários online em 26 estudantes, verificar a viabilidade da hipótese. Do ponto de vista teórico, a hipótese de que a imitação desempenha um importante papel na aprendizagem conta com a simpatia de diversos filósofos.

Concentramos a nossa análise nos pensamentos dos filósofos Theodor Adorno e Walter Benjamin. Parafraseando o primeiro deles, o ser humano aprende a ser humano por meio da imitação de outros seres humanos. Para Adorno, o elemento central na definição da humanidade é a ética. Através da análise das respostas aos questionários, buscamos elementos para afirmar que a experiência de IC, mais do que uma aprendizagem técnica, possui traços de uma aprendizagem humana e, por consequência, moral.

Desenho de uma menina com a expressão facial de confusa. Seus braços estão estendidos, um em cada direção, indicando confusão. Do lado direito, acima de uma das mãos da menina, consta um ícone de erro. Do lado esquerdo, acima da outra mão, consta um ícone de verificação, ou acerto.

Imagem: Pixabay.

A íntima (e indissociável) relação entre pesquisa e ensino, por si só, já deveria apontar para a conclusão de que o campo da ética em pesquisa deveria ser abordado prioritariamente a partir de uma perspectiva formativa. Contudo, diante do excesso de normatização no campo da conduta ética em pesquisa, o estudo que conduzimos tem como objetivo identificar argumentos que apontem para uma maior valorização da resposta formativa para a questão da ética.

A afirmação de uma resposta preponderantemente formativa teria como efeito colateral a construção orgânica de uma cultura respeitadora das particularidades dos campos de pesquisa. A conduta ética em pesquisa seria definida de baixo para cima, da prática em pesquisa para uma eventual normatização. Diferentemente do que vem ocorrendo, mediante uma imposição de cima para baixo, conforme definido pelo professor Mark Israel. 

Em se tratando de uma fase exploratória, os resultados servem mais como indicativos para uma nova etapa da pesquisa, mas já é possível afirmar que os conceitos pesquisados e as respostas analisadas indicam para o fortalecimento do argumento de que a conduta ética em pesquisa depende mais da valorização dos pesquisadores e de sua prática do que da proliferação de normas.

Referências

GAGNEBIN, J.M. Do conceito de mímesis no pensamento de Adorno e Benjamin. Perspectivas [online]. 1993, vol. 16, pp. 67-86 [viewed 14 July 2023]. Available from: https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/771/632  

ISRAEL, M. and HAY, I. Research Ethics for Social Scientists: Between ethical conduct and regulatory compliance. Londres: Sage, 2006.

SCHLESENER, Anita Helena. Mímesis e infância: observações acerca da educação a partir de Walter Benjamin. Filosofia Unisinos [online]. 2009, vol.10, no. 2, pp. 148-156 [viewed 14 July 2023]. DOI: http://doi.org/10.4013/fsu.2009.102.02. Available from: https://revistas.unisinos.br/index.php/filosofia/article/view/5014/2265

Para ler o artigo, acesse

SAVI NETO, P., NASCIMENTO, I. and DE LA FARE, M. As possíveis contribuições do conceito de mímesis para pensar a iniciação científica em tempos de regulação da conduta em pesquisa. Educação em Revista [online]. 2023, vol. 39, e38357 [viewed 14 July 2023]. DOI: http://doi.org/10.1590/0102-469838357. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/TFSx5BSYDkkxjqrxLVkcDbL/

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SAVI NETO, P. A iniciação científica como oportunidade de aprendizagem da conduta ética em pesquisa [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/07/14/a-iniciacao-cientifica-como-oportunidade-de-aprendizagem-da-conduta-etica-em-pesquisa/

 

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