O mundo e a América do Sul estão vencendo a fome e a desnutrição?

Por Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe e Luiza Gualhano, Assistente de comunicação, Rio de Janeiro, RJ, BrasilLogo do periódico Ciência & Saúde Coletiva

Destaca-se na edição sobre alimentação, o artigo de Aulestia-Guerrero e Capa-Mora (2020), sob o título “Una mirada hacia la inseguridad alimentaria sudamericana”, publicado em Ciência & Saúde Coletiva (vol. 25, no. 7).

Em 2016, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (UNITED NATIONS ORGANIZATION FOR FOOD AND AGRICULTURE, 2017), estimou que 815 milhões de pessoas padeciam de subnutrição crônica, tendo havido queda significativa de pessoas passando fome quando se comparam os 900 milhões estimados no ano 2000. No entanto, 815 milhões é um número inconcebível num mundo com abundância e alimentos!

Há uma relação estreita entre pobreza, fome e as chamadas doenças do subdesenvolvimento. No texto, os autores lembram que em 1990 a pobreza assolava 50% da população mundial. Hoje afeta 14% dos habitantes da terra. Em consequência da evidente redução, as taxas de mortalidade infantil por desnutrição caíram pela metade, embora a prevalência continue em 22%. Apesar das evidentes conquistas, a mesma FAO assinala que tais ganhos estão sendo obscurecidos pelo aumento da incidência de sobrepeso e obesidade (SWINBURN et al., 2019).

A insegurança alimentar é atribuída a diversos fatores: políticas inadequadas para enfrentá-la; falta de oportunidade de trabalho; desigualdade, miséria e pobreza; ausência de políticas compensatórias e de apoio ao setor de produção dos alimentos básicos; ocorrência de condições ambientais extremas (inundações, seca); estilo de vida, comportamento, educação e escolhas humanas (OLIVEIRA; SANTOS, 2020), dentre outros. Neste momento de Covid-19, o risco de aumentar a fome e a desnutrição é enorme (JAIME, 2020), pela perda das fontes de subsistência da população pobre.

Com foco nos países da América do Sul, os autores ressaltam que em todos, com destaque para Argentina, Bolívia, Brasil, Chile e Peru, há uma combinação de elevado consumo de carboidratos e de carne – o que se reflete na qualidade da saúde (EPIFÂNIO et al., 2020) – com intervenções insuficientes orientadas para educação alimentar. No caso de Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai, os problemas nutricionais se evidenciam principalmente nas áreas rurais, onde os recursos são muito escassos e os alimentos básicos não chegam. Observe-se que isso ocorre aqui no Brasil também (SILVEIRA; PADILHA; FROTA, 2020; MAAS et al., 2020). Sobre Suriname e Guiana inexistem informações sobre os problemas nutricionais da população e não há propostas governamentais nesse sentido. Na Venezuela, a insegurança alimentar é gritante, há escassez de alimentos e não se vislumbram mecanismos do Estado para mudar a situação.

Em resumo, o texto de Austeli-Gerrero e Copa-Mora chama atenção para vários problemas que articulam insegurança alimentar e agravos à saúde. Destacam-se três pontos: a desnutrição no mundo e na América do Sul, hoje incluindo sobrepeso e obesidade, se deve, de um lado, à desigualdade social que se materializa na escassez de recursos para que pobres tenham uma alimentação saudável; e de outro, ao estilo de vida sedentário em casa e no trabalho, ao excesso de consumo de açucares e gorduras e à pouca atividade física, com reflexo no aumento das enfermidades crônicas e degenerativas. Em segundo lugar, a fome e a desnutrição que ainda assolam percentual elevado das populações nos mais diferentes cantos do planeta demandam políticas governamentais compensatórias e redistributivas que deem acesso a quem precisa. Não falta alimento no mundo, falta colocar a questão social e humanitária acima da ganância e do lucro. Por fim, é preciso investir na educação nutricional das crianças, com cuidados orientados para que tenham alimentação suficiente, adequada e saudável, vislumbrando que se tornem adultos conscientes sobre o valor dos alimentos que consomem.

Referências

EPIFÂNIO, S.B.O., et al. Análise de série temporal do consumo de bebidas açucaradas entre adultos no Brasil: 2007 a 2014. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2020, vol. 25, no. 7, pp. 2529-2540, ISSN: 1678-4561 [viewed 27 July 2020]. DOI: 10.1590/1413-81232020257.19402018. Available from: http://ref.scielo.org/nmp893

JAIME, P.C. Pandemia de COVID-19: implicações para (in)segurança alimentar e nutricional. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2020, vol. 25, no. 7, pp. 2504-2504 ISSN: 1678-4561 [viewed 27 July 2020]. DOI: 10.1590/1413-81232020257.12852020. Available from: http://ref.scielo.org/kny2zy

MAAS, N.M., et al. Insegurança Alimentar em famílias de área rural do extremo sul do Brasil. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2020, vol. 25, no. 7, pp. 2605-2614, ISSN: 1678-4561 [viewed 27 July 2020]. DOI: 10.1590/1413-81232020257.26402018. Available from: http://ref.scielo.org/9xf3cs

OLIVEIRA, M.S. da S. and SANTOS, L.A. da S. Guias alimentares para a população brasileira: uma análise a partir das dimensões culturais e sociais da alimentação. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2020, vol. 25, no. 7, pp. 2519-2528, ISSN: 1678-4561 [viewed 27 July 2020]. DOI: 10.1590/1413-81232020257.22322018. Available from: http://ref.scielo.org/rnz5dv

SILVEIRA, V.N. da C., PADILHA, L.L. and FROTA, M.T.B.A. Desnutrição e fatores associados em crianças quilombolas menores de 60 meses em dois municípios do estado do Maranhão, Brasil. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2020, vol.25, no. 7, pp. 2583-2594, ISSN: 1678-4561 [viewed 27 July 2020]. DOI: 10.1590/1413-81232020257.21482018. Available from: http://ref.scielo.org/5br4x6

SWINBURN, B.A., et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. Lancet [online]. 2019, vol. 393, no. 10173, pp: 791-846, ISSN 0140-6736 [viewed 27 July 2020]. DOI: 10.1016/S0140-6736(18)32822-8. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(18)32822-8/fulltext

UNITED NATIONS ORGANIZATION FOR FOOD AND AGRICULTURE. Panorama de la seguridad alimentaria y nutricional en América Latina y el Caribe. Santiago de Chile: FAO, 2017. Available from: http://www.fao.org/3/a-i7914s.pdf

Para ler o artigo, acesse

AULESTIA-GUERRERO, E.M. and CAPA-MORA, E. D. Una mirada hacia la inseguridad alimentaria sudamericana. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2020, vol.25, no. 7, pp. 2507-2517, ISSN: 1678-4561 [viewed 27 July 2020]. DOI: 10.1590/1413-81232020257.27622018. Available from: http://ref.scielo.org/rnjg42

Links externos

Ciência & Saúde Coletiva <http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br>

Ciência & Saúde Coletiva – CSC <http://www.scielo.br/csc>

Facebook – Revista Ciência & Saúde Coletiva <https://www.facebook.com/revistacienciaesaudecoletiva/>

Twitter – Revista Ciência & Saúde Coletiva <https://twitter.com/RevistaCSC>

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MINAYO, M.C.S. and GUALHANO, L.A. O mundo e a América do Sul estão vencendo a fome e a desnutrição? [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2020 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2020/07/27/o-mundo-e-a-america-do-sul-estao-vencendo-a-fome-e-a-desnutricao/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation