A imagem simplificada do SUS na mídia brasileira

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Logo do periódico Ciência & Saúde ColetivaDa edição temática sobre Informação e Tecnologias em Saúde (Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 11) destaca-se o artigo Quando os sistemas públicos de saúde são notícia: uma análise comparativa da cobertura jornalista no Brasil e na Espanha (Langbeccker et al, 2020). Os autores analisaram as capas publicadas em 2013 nesses periódicos, num ano emblemático por causa da efervescência dos movimentos sociais por direitos no Brasil e contra reformas neoliberais na Espanha.

O assunto “saúde” está em 88 capas da Folha, com 100 chamadas. E o El País traz o tema em 37 capas e 39 chamadas. Apesar de um número maior de inserções, a Folha se concentrou em notícias e críticas sobre o programa “Mais Médicos”, ressaltando a presença dos médicos cubanos no país e enfatizando as polêmicas entre o Conselho Federal de Medicina e o Ministério da Saúde a respeito da habilitação desses e outros profissionais estrangeiros. Já no El País, a maioria das notícias focou, de forma crítica, no processo de privatização da saúde pública espanhola que excluiu os estrangeiros do acesso gratuito ao sistema e diminuiu os recursos do setor. Em ambos os casos, o valor-notícia mais presente foi o governo. E os métodos de abordagem se caracterizaram, por parte da Folha, na simplificação do papel do SUS. Já o El País investiu na personalização e dramatização de relatos, de forma a sensibilizar os leitores, particularmente em relação ao processo de privatização da saúde.

Embora em ambos os casos, as informações tenham focalizado apenas alguns aspectos dos dois sistemas de saúde, é importante mostrar as diferenças. A crise econômica internacional de 2008 afetou as políticas sociais espanholas, o que levou a uma reforma no SNS e redundou no Decreto 16/2012 (López-Fernández et al, 2012). Conhecida como ‘apartheid sanitário’ (Langbecker et al, 2020), tal normativa representou um passo atrás no que se refere ao direito à saúde, uma ruptura com a ideia de universalidade e igualdade e perdas graves de direitos. Porém, na Espanha, mais ou menos 95% da população é usuária do SNS, o El Pais tomou partido e evidenciou o prejuízo que o movimento neoliberal trazia para os cidadãos como um todo e para os estrangeiros residentes.

Equipe de profissionais da saúde. Imagem: Thays Coutinho. Acervo: Fiocruz Imagens

Já na Folha, o SUS acabou sendo retratado como um sistema para pobres, desconhecendo-se que, no decorrer do tempo, ele se transformou no maior projeto social do país. É bem verdade que todos os que o estudam, apontam-no como um projeto em construção e não escondem os graves problemas de subfinanciamento, de gestão e de qualidade dos serviços. Porém, valorizam sua preeminência organizacional, sua abrangência institucional e sua insubstituível função na construção social do país: sua organização tripartite responsável pela capilaridade que abrange todos os municípios nas ações de promoção, de prevenção de doenças e de assistência; suas unidades de média e alta complexidade; seu desenvolvimento científico e tecnológico responsável por estudos e diagnósticos avançados de doenças, produção de imunobiológicos e outras tecnologias e seus mecanismos de controle social (Santos et al, 2020). O projeto brasileiro universal e gratuito de vacinação é o maior do mundo (Gadelha, 2020). Porém, a mídia costuma ver apenas o SUS como um sistema médico deficiente.

Tomara que a pandemia do novo coronavírus, que tanto estrago trouxe para os indivíduos, as famílias, a sociedade e a economia, tenha trazido também uma consciência social e jornalística mais clara sobre a importância do SUS como um BEM da sociedade brasileira!

Referências

Gadelha, C.A.G. Programa Nacional de Imunizações: o desafio do acesso universal no Século XXI. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2020, vol. 25, no. 11 [viewed 23 November 2020]. https://doi.org/10.1590/1413-812320202511.24562020. Available from: http://ref.scielo.org/k6mf89

López-Fernández, L. A. et al. ¿Está en peligro la cobertura universal en nuestro Sistema Nacional de Salud? Gaceta Sanitaria [online]. 2012, vol. 26, no. 4 [viewed 23 November 2020]. http://dx.doi.org/10.1016/j.gaceta.2012.06.001. Available from: http://ref.scielo.org/hqnfdp

Santos, C. L. et al. Os conselhos de saúde e a publicização dos instrumentos de gestão do SUS: uma análise dos portais das capitais brasileiras. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2020, vol. 25, no. 11 [viewed 23 November 2020]. https://doi.org/10.1590/1413-812320202511.00042019. Available from: http://ref.scielo.org/p9fqjk

Para ler o artigo, acesse

Langbecker, A. et al. Quando os sistemas públicos de saúde são notícia: uma análise comparativa da cobertura jornalista no Brasil e na Espanha. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2020, vol. 25, no. 11 [viewed 23 November 2020].  https://doi.org/10.1590/1413-812320202511.22532018. Available from: http://ref.scielo.org/28grph

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MINAYO, M. C. S. and GUALHANO, L. A imagem simplificada do SUS na mídia brasileira [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2020 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2020/11/23/a-imagem-simplificada-do-sus-na-midia-brasileira/

 

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