Solidariedade como indutora de transformação social

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

Logo do periódico Ciência & Saúde ColetivaSob o  título Solidariedade pandêmica: respostas da sociedade diante da insuficiência estatal, o artigo de Petra et al (2022) publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, convoca essa categoria moral para tratá-la como um instrumento transformador da sociedade. A solidariedade ganha importância em momentos cruciais de crise e, sobretudo, quando ficam evidentes as insuficiências do Estado para o enfrentamento de determinados problemas, como foi o caso da covid-19.

A solidariedade sempre existiu como valor humano e, inicialmente, é preciso dizer que toda a sociedade democrática funciona apoiada num tripé: Estado, Empresas Privadas e Sociedade Civil. Essa última, tem múltiplas formas de apresentação, e funções como questionar, pressionar, participar e prestar serviços e dela fazem parte os movimentos sociais e as organizações não-governamentais. A história mostra que, desde a existência do Estado Moderno, dada a complexidade de suas funções, é praticamente impossível que os governos cumpram sozinhos todas as funções de proteção e desenvolvimento de uma nação. Daí a importância do referido tripé.

O artigo de Petra et al (2022) concentra-se no papel da solidariedade no contexto da gestão da covid-19 em que, a má gestão da pandemia pelo governo federal, redundou no aprofundamento das desigualdades e vulnerabilidades previamente existentes no Brasil. Os autores, que fazem parte de um consórcio internacional de pesquisadores sociais, trabalharam para identificar, qualificar e tipificar as ações solidárias realizadas no país nos anos de 2019, 2020, 2021. E mostram o quanto foi feito por pessoas e organizações para mitigar os efeitos sanitários e sociais adversos dessa enfermidade infecciosa.

Homem desembrulhando sacolas de mercado em uma ação social

Imagem: Unsplash

O parâmetro teórico utilizado no artigo foi a aproximação do pensamento de Prainsack (2020) que define a solidariedade como uma prática que expressa a vontade de apoiar outras pessoas com quem se reconhece semelhança em contexto relevante; e de Dean (1995) que a trata no contexto da bioética e como o ideal inclusivo dos seres humanos. Dean se refere à existência de distintos tipos de solidariedade: a afetiva, a convencional e a reflexiva. Petra et al (2022) abordam o tema em três contextos: o das famílias, o dos condomínios e o das comunidades.

Por utilizarem a teoria fundamentada, eminentemente qualitativa, o texto de Petra et al (2022) não permite generalizações. Porém traz contribuições importantes. A família foi lembrada como o lugar de suporte afetivo, fundamentado no parentesco, particularmente, nos casos de perda de salário, de fragilização dos doentes, de cuidados com as pessoas idosas e de mortes dos entes queridos. Já as práticas de solidariedade nos condomínios se dividiram em apoios entre os que viviam no mesmo espaço e as ações para fora dos muros, significando um olhar dos mais bem posicionados financeiramente em ajuda às pessoas dos locais mais pobres próximos a suas moradias ou a seus serviçais.

As principais iniciativas exercidas por organizações comunitárias foram (e ainda são) mais difusas, envolveram pessoas e grupos, liderados por instituições locais, desenvolvimento de processos de autogestão para cuidados, apoios financeiros e outros, no caso de várias favelas, por exemplo (SANTOS et al, 2021; FLEURY et al, 2022) e atividades de cunho regional e nacional, com finalidade de enfretamento da fome, da miséria e do desemprego (BRITO et al, 2022).

Importante observar que as iniciativas de apoio mútuo crescem em momentos em que os governos declinam de seu papel de formular e praticar políticas sociais e compensatórias, são pouco assertivos e se desviam para caminhos que prejudicam o bem-estar da sociedade. No entanto, é preciso lembrar que os atos de solidariedade, embora importantíssimos inclusive para a coesão social, não substituem o papel do Estado como responsável pelas políticas sociais de caráter universal e inclusivo. Ambos se complementam!

Referências

DEAN, J. Reflective solidarity. Constellations [online]. 1995, vol.2, no.1, pp. 114–140 [viewed 24 November 2022]. https://doi.org/10.1111/j.1467-8675.1995.tb00023.x. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1467-8675.1995.tb00023.x.

FLEURY S. and MENEZES, P. Pandemia nas favelas: entre carências e potencias. Saúde em Debate [online]. 2020, vol. 44, no.4, pp. 267-280 [viewed 24 November 2022]. https://doi.org/10.1590/0103-11042020E418. Available from: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/xSgrb6jrq3tLnGszjZ4QcWt/?lang=pt.

PAINSAK B. Solidarity in times of pandemics. Democratic Theory [online]. 2020, vol. 07, no. 02, pp. 124-133 [viewed 24 November 2022]. https://doi.org/10.3167/dt.2020.070215. Available from: https://www.berghahnjournals.com/view/journals/democratic-theory/7/2/dt070215.xml.

PETRA, P.C.,BUENO, F.T.C., CHAGAS, C.L.R.; LAGE, L.R. and PALACIOS, M. Solidariedade pandêmica: respostas da sociedade diante da insuficiência estatal. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 11, pp. 4107-4116 [viewed 24 November 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-812320222711.11052022. Available from: https://www.scielosp.org/article/csc/2022.v27n11/4107-4116/.

SANTOS, H., MACIEL, F., MARTINS, P., SANTOS, A. and PRADO, N. A voz da comunidade no enfrentamento da covid-19: proposições para redução das iniquidades em saúde. Saúde em Debate [online]. 2021, vol. 45, no. 130, pp. 763-777. https://doi.org/10.1590/0103-1104202113015. Available from: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/YdpFBc4PPmdwTQ5Xb3syhgF/abstract/?lang=pt.

Para ler o artigo completo, acesse:

BRITO, L., SANTOS, R.L., and REGO, S. Solidariedade, cidadania e justiça social: percepções de atores sociais sobre as respostas públicas à covid-19. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 11, pp. 4117-4124 [viewed 24 November 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-812320222711.11052022. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/ZW9QbYqxsk3JbWDBncF83CF/?lang=pt .

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

MINAYO, M.C. and GUALHANO, L. Solidariedade como indutora de transformação social [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2022 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2022/11/24/solidariedade-como-indutora-de-transformacao-social/

 

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