Simbiose entre RNA e proteínas como possível caminho para entender a origem da vida

Sávio Torres de Farias, Professor, Network of Researchers on the Chemical Evolution of Life (NoRCEL), Leeds LS7 3RB, UK; Comitê Científico, Laboratório de Genética Evolutiva Paulo Leminski, Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brazil.

Francisco Prosdocimi, Professor, Laboratório de Biologia Teórica e de Sistemas, Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil.

Logo do periódico Genetics and Molecular BiologyReflexões sobre como a vida surgiu e se organizou vêm permeando a mente humana desde que as primeiras civilizações se formaram. Entretanto, sob o olhar da ciência moderna, estudos sistemáticos ganharam força a partir da década de 1920. De lá para cá, muitos segredos dos sistemas biológicos foram revelados e, mais precisamente após a descoberta da estrutura do DNA, essa intimidade molecular dos organismos vivos se tornou mais acessível.

A possibilidade de observarmos processos moleculares mais de perto modificou os modelos que explicam como os sistemas biológicos se estruturaram durante seu processo de gestação. A partir desta nova forma de compreender a vida, os pesquisadores vêm tentando desvendar como as relações entre as moléculas que constituem o “motor da vida” foram se formando.

No início da década de 1980, o RNA se tornou o protagonista da história da vida no planeta, sendo considerado, por várias correntes de pensamento, como a molécula primordial que, sozinha, deu início ao que hoje conhecemos como vida. Esse modelo, conhecido como Mundo do RNA, rapidamente se tornou o modelo hegemônico.

Entretanto, no início dos anos 2000, com o desvendamento da estrutura e funcionamento do ribossomo, um novo aspecto da intimidade dos organismos foi revelado. Consequentemente, começaram a ser formuladas novas formas de pensar como a vida se organizou. Mas por que o ribossomo mudou o cenário?

O ribossomo é a macromolécula que faz a tradução da informação contida nos ácidos nucleicos, RNA e DNA, para a síntese das proteínas, que são os trabalhadores braçais das células. A origem do ribossomo marca justamente essa união dos ácidos nucleicos e das proteínas para a formação e manutenção dos organismos tal qual nós conhecemos.

No artigo RNP-world: The ultimate essence of life is a ribonucleoprotein process, publicado no periódico Genetics and Molecular Biology, os pesquisadores Sávio Torres de Farias (Universidade Federal da Paraíba) e Francisco Prosdocimi (Universidade Federal do Rio de Janeiro) apresentam, a partir da compilação de diversas evidências moleculares sobre o funcionamento dos organismos, um modelo para a origem dos sistemas biológicos.

Nesse modelo, RNA e proteínas caminharam de mãos dadas desde os primórdios da vida. Os autores iniciam o artigo revisitando o próprio conceito de vida, questão de extrema importância para delimitar o evento que marcou a formação dos sistemas biológicos. Nesse contexto, propõem que a forma de processamento da informação biológica teria sido o evento que diferenciou a vida de outros processos naturais. Vale salientar que os primeiros códigos orgânicos se formaram quando ácidos nucleicos e proteínas começam a interagir de forma integrada.

A partir desse ponto, os autores iniciam a exploração de fatos biológicos que indicam que o ribossomo deve ter sido o primeiro complexo biológico a funcionar, dando origem ao que conhecemos como vida.

Esquema vetorizado com o título "A simbiose química". Balões com textos explicativos e linhas que partem da transição para a vida para a origem de progenotos, vírus, bactérias, arqueas e eucareiotos.

Imagem: artigo.

Figura 1. Etapas iniciais durante a organização dos sistemas biológicos. 1. O FUCA (“First Universal Common Ancestor”) é a primeira forma de vida a se organizar. O LUCA (“Last Universal Common Ancestor”) é a primeira forma de vida celular a se organizar. O PTC (“Peptidyl Transferase Center”) é a parte catalítica do ribossomo. Progenotos é uma comunidade de moléculas que formaram os organismos.

Os autores Sávio Torres de Farias e Francisco Prosdocimi vêm desenvolvendo na última década uma série de trabalhos que buscam detalhar os processos de transição de um mundo abiótico para um mundo biótico. Neste sentido, têm contribuído para desvendar a origem do ribossomo, do metabolismo e como a informação biológica contida nos genes teria sido montada.

Dentre as evidências apresentadas, os autores passeiam por reconstruções computacionais de um ribossomo primitivo e propostas sobre como ele funcionaria em um tempo tão remoto. Neste processo de gestão do ribossomo, baseados em evidências cientificas, os autores sugerem que este importante complexo teve sua origem a partir de moléculas de RNA ainda mais primitiva, os RNA transportadores.

Os RNAs transportadores são essenciais nos organismos modernos, pois funcionam como uma pedra de roseta ao conectarem uma informação codificada que, contida nos ácidos nucleicos, traduz a informação necessária para sintetizar uma proteína. Os autores complementam seu modelo sugerindo que os RNAs transportadores também foram utilizados como blocos de construção para os primeiros genes.

Com as evidências apresentadas, os autores sustentam que a vida, tal qual conhecemos, deve ter surgido a partir da montagem do sistema de tradução da informação biológica. Desta forma, ela teria sido estruturada através de um processo de simbiose química entre ácidos nucleicos e proteínas.

O modelo apresentado pelos autores está em linha com diversas evidências, tanto teóricas quanto experimentais, da importância de um trabalho cooperativo entre ácidos nucleicos e proteínas desde a sua formação, há cerca de 4 bilhões de anos até os dias atuais.

No âmbito científico e social, trabalhos recentes e revisões dos trabalhos clássicos sobre a origem da vida têm ganhado força nas últimas décadas, principalmente devido à ascensão da astrobiologia e da busca por vida em ambientes fora da Terra.

Nesse contexto, modelos que buscam entender o que poderia ter ocorrido em nosso jovem planeta nos permitem projetar cenários extraterrestres, e pensar como eventos similares poderiam ter ocorrido e se estabelecido em outras partes do universo.

Em uma esfera de impacto social, trabalhos como este alimentam a imaginação e nos aproximam de responder a pergunta mais complexa e antiga que a humanidade já se fez: como a vida surgiu?

Para ler o artigo, acesse

FARIAS, S.T. and PROSDOCIMI, F. RNP-world: The ultimate essence of life is a ribonucleoprotein process. Genet. Mol. Biol. [online]. 2022, vol. 45, no. 3, ppl. 1, e20220127 [viewed 17 February 2023]. https://doi.org/10.1590/1678-4685-GMB-2022-0127. Available from: https://www.scielo.br/j/gmb/a/9CTnqxqrrD9r8xjN84Gv8vG/

Links externos

Genetics and Molecular Biology GMB: https://www.scielo.br/j/gmb/

Genetics and Molecular Biology site: https://www.gmb.org.br/

Ada E. Yonath, Ribosome Structure and Function: https://www.weizmann.ac.il/csb/faculty_pages/Yonath/

Center for the Origin of Life – rRNA Secondary Structures: http://apollo.chemistry.gatech.edu/RibosomeGallery/

Sávio Torres de Farias – Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2997-3629

Francisco Prosdocimi – Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6761-3069

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

FARIAS, S.T. and PROSDOCIMI, F. Simbiose entre RNA e proteínas como possível caminho para entender a origem da vida [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2023 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2023/02/17/simbiose-entre-rna-e-proteinas-como-possivel-caminho-para-entender-a-origem-da-vida/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation