ENEM/SiSU e saúde: Insatisfação com curso de graduação pode aumentar estresse de universitários

Lauro Miranda Demenech, Professor Adjunto, Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, RS, Brasil. 

O artigo intitulado Estresse percebido entre estudantes de graduação: fatores associados, a influência do modelo ENEM/SiSU e possíveis consequências sobre a saúde, de autoria de Lauro Miranda Demenech, Lucas Neiva-Silva, Ana Furlong Antochevis, Thales Rodrigues de Almeida e Samuel C. Dumith, relata os resultados oriundos da pesquisa “Saúde e Bem-Estar na Graduação (SABES-Grad)”.

O manuscrito, recentemente publicado pelo Jornal Brasileiro de Psiquiatria, teve como objetivo mensurar os níveis de estresse percebido entre estudantes de graduação, buscando avaliar se o modelo ENEM/SiSU pode contribuir para ocorrência dos casos mais graves de estudantes mais estressados.

São muitos os possíveis desdobramentos desse processo seletivo, mas, para termos operacionais desse estudo, foi investigado se o curso de graduação atual era o previamente desejado, bem como a satisfação com o mesmo. Outros fatores (socioeconômicos, demográficos e acadêmicos) também podem exercer influência nesse tipo de desfecho, os quais também foram levados em consideração no planejamento, execução e análise dos dados.

A pesquisa foi conduzida a partir de uma amostra probabilística de 996 graduandos da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) no segundo semestre de 2019. O estudo possui delineamento transversal e as informações foram obtidas por meio de questionários auto-administrados, sendo que os níveis de estresse foram medidos por meio da Escala de Estresse Percebido (LUFT et al., 2007).

Os resultados da investigação dão sustentação à hipótese inicial de que os níveis de estresse são bastante elevados entre universitários. O escore médio da Escala de Estresse Percebido foi de 31,1, significativamente maior do que o da população geral do mesmo município (23,6) (DEMENECH et al., 2021). Vale destacar que os níveis de estresse foram maiores entre graduandos mais pobres, com insegurança alimentar, com medo de violência no bairro em que residem, com dificuldade de acesso a serviço de atenção psicológica, com menor suporte social, do sexo feminino e com orientação sexual homossexual, bissexual ou pansexual.

Imagem: Unplash.

Quanto à pergunta norteadora do estudo sobre o reflexo do modelo ENEM/SiSU na ocorrência desse tipo de sofrimento psicológico, os autores identificaram que a insatisfação com o curso atual, e não se o mesmo era o desejado a priori, parece exercer alguma influência para o aumento no estresse percebido.

O leitor pode se perguntar se não são exatamente aqueles que entraram em cursos não desejados que são os mais insatisfeitos. Apesar de haver essa sobreposição, diversas análises estatísticas foram conduzidas e todas apontam para o mesmo caminho. Graduandos que por ventura tenham ingressado no Ensino Superior em um curso não previamente desejado, mas que acabaram estando satisfeitos, apresentam níveis médios de estresse menores.

O inverso também foi observado: estudantes que ingressaram em cursos desejados, mas que por diferentes motivos não estavam satisfeitos – o que pode ter a ver com os temas e conteúdos abordados, estrutura e organização institucional, entre outros – tiveram maiores pontuações na escala de estresse.

Dessa forma, os autores concluem que o modelo de seleção de candidatos ENEM/SiSU parece não exercer efeito na produção do estresse, e que esse fenômeno parece estar mais relacionado com fatores transversais a experiência acadêmica, como aspectos relacionados à qualidade das condições de vida e permanência desses graduandos.

No entanto, a insatisfação com o curso de graduação atual é importante e tem uma aplicação prática. Trata-se de uma informação simples de se obter, podendo se tornar um questionamento de rotina nos diversos dispositivos de atenção ao estudante da Instituições de Ensino Superior. Identificar discentes com níveis elevados de estresse é oportuno, uma vez que, conforme também observado pelos autores, esses indivíduos apresentam probabilidades maiores de estarem deprimidos, ansiosos, com pior qualidade de vida, pior qualidade de sono e fazendo uso de medicação controlada.

Essas condições podem ter um impacto não só na formação acadêmica, mas em todos os âmbitos de suas vidas, podendo ser a Universidade um vetor de suporte nessas situações. Criar, implementar, manter e justificar um processo da envergadura do ENEM/SiSU é desafiador, e não se deve temer a sua permanente avaliação. Nos últimos 15 anos, tem sido uma importante ferramenta de justiça social que pode e deve ser continuamente pensada para que continue oportunizando a educação e formação de cidadãos que representem toda a diversidade do nosso país.

Referências

LUFT, C.D.B., et al. Versão brasileira da Escala de Estresse Percebido: tradução e validação para idosos. Rev. Saúde Pública [online]. 2007, vol. 41, no. 4, pp. 606-615 [viewed 04 August 2023]. DOI:  https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000400015. Available from: https://www.scielo.br/j/rsp/a/bgpXDHZXQXNqVS8JLnLdLhr/

DEMENECH, L.M., et al. An invisible villain: high perceived stress, its associated factors, and possible consequences in a population-based survey in southern Brazil. Trends Psychiatry Psychother [online]. 2021, vol. 44, e20210228 [viewed 04 August 2023]. DOI:  https://doi.org/10.47626/2237-6089-2021-0228. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33955212/

Para ler o artigo, acesse

DEMENECH, L.M., et al. Estresse percebido entre estudantes de graduação: fatores associados, a influência do modelo ENEM/SiSU e possíveis consequências sobre a saúde. J. bras. psiquiatr. [online]. 2023, vol. 72, no. 1, pp. 19-28 [viewed 04 August 2023]. DOI:  https://doi.org/10.1590/0047-2085000000398. Available from: https://doi.org/10.1590/0047-2085000000398

Links externos

Jornal Brasileiro de Psiquiatria – JBPSIQ: https://www.scielo.br/jbpsiq/