Alexander W. A. Kellner, Editor-Chefe, Anais da Academia Brasileira de Ciências, Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Acredito que todos vão concordar que os tempos não têm sido fáceis. Guerras cada vez mais intensas e ataques ao meio ambiente provocando queimadas e secas são apenas alguns dos exemplos dramáticos mais recentes que parecem indicar que a humanidade não aprendeu muito ao longo dos anos… Sem contar nos absurdos de cadeiradas em resposta a provocações durante debates de candidatos à prefeitura de cidades importantes (p. ex., MOLINA, 2024) e acusações feitas por pessoas influentes sobre hábitos alimentares de imigrantes (p. ex., CATALINI, et al. 2024) que deixaram muitos (mas não todos!) boquiabertos.
A questão da evolução também tem causado preocupações no meio acadêmico, como ressalto no editorial A new book on Evolution , publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências (vol. 96, suppl. 1, 2024). Cada vez mais se sente um certo avanço das ações de negacionistas e de pessoas utilizando a religião para questionar a evolução. Com a alta difusão de informações falsas na internet e pelas mídias sociais (p. ex., Del Vicario, et al. 2016), esses questionamentos, muitas vezes balizados em pseudociências, têm a sua dose de influência na população, questionando a noção que o surgimento da vida foi um processo natural, tendo se diversificado em milhares de espécies ao longo de milhões de anos a partir de um ancestral universal comum.
São os conceitos levantados por Charles Darwin e apresentados em diversas publicações, particularmente o seu célebre livro On the origin of Species by Means of Natural Selection publicado pela primeira vez em 1859. Apesar de controvérsias, inclusive sobre a participação do naturalista Alfred Wallace nas ideias evolucionistas originais (p.ex., BOCK, 2009), hoje o conceito que a vida evoluiu ao longo do tempo com características vantajosas se fixando em populações através da seleção natural continua valendo (p.ex., KELLNER, 2024).
Figura 1. Esqueleto completo de Microraptor gui (IVPP V 13352), dinossauro com penas indicando que as aves são dinossauros modificados que aprenderam a voar.
Claro que, com o avanço dos distintos ramos científicos, sobretudo no campo da genética, os cientistas estão em posse de muitos mais dados, todos confirmando os princípios gerais das ideias darwinianas. Estas, por sua vez, se opõem ao criacionismo e ao chamado “desenho inteligente”, que direta ou indiretamente pressupõe a existência de um Deus para o surgimento da vida e, especialmente, da nossa espécie (Homo sapiens).
Como a quantidade de pessoas descrentes em relação aos processos evolutivos aumentando, a National Academy of Sciences publicou ao longo dos anos vários textos sobre o assunto (p.ex., NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2008). Agora foi a vez da Academia Brasileira de Ciências (ABC) a se posicionar sobre o tema (NADER, 2024). Organizado pelo bioquímico Carlos Menck (Universidade de São Paulo, USP), a ABC publicou um livro com um título forte: “A evolução é fato!” Nele, 28 pesquisadores das mais diferentes áreas do saber procuraram, em linguagem direta, desmistificar a ciência relacionada ao assunto e apresentar um resumo atualizado do que os cientistas têm à mão para confirmar a evolução.
São apresentados os avanços da pesquisa de RNA, DNA, diversificação e evolução de grupos como as plantas, processos geológicos vigentes desde a origem da vida e muitos fósseis, que acabam sendo o registro físico mais concreto da evolução (p. ex., KELLNER & SOARES, 2024).
Figura 2. Detalhe de Microraptor gui (IVPP V 13352), mostrando os ossos e as penas das asas desse dinossauro.
Entre as espécies descobertas mais interessantes para o público em geral sobre a evolução realizadas recentemente, está o Microraptor, dinossauro de pequeno porte encontrado em rochas formadas entre 125 e 120 milhões de anos atrás na China. Tendo penas nos membros anteriores e posteriores, essa espécie é mais uma demonstração de que as aves não passam de dinossauros modificados. Justamente uma ave, Archaeopteryx lithographica descrita nos tempos de Darwin, foi uma das primeiras evidências mais concretas da evolução.
Um resumo da grande quantidade de novos dados que confirmam os conceitos da evolução é apresentado no livro da ABC. Já não era sem tempo que a principal organização científica do Brasil se manifestasse na forma de textos escritos por cientistas sobre esse assunto que desperta tanta polêmica! Frisando que as contestações não costumam vir por parte da ciência, já que cientistas separam bem a religião da atividade científica. Para a maioria dos cientistas, religião e ciência são muito importantes na nossa sociedade, mas não devem ser misturados porque funcionam em bases distintas.
Fiquei muito feliz com o livro, pois sou da opinião que os pesquisadores precisam se manifestar cada vez mais nesse “estranho mundo novo” no qual vivemos… Consulte e divulgue o livro “A evolução é fato!”
Para acessar o artigo, acesse
KELLNER, A.W.A. A new book on Evolution. An. Acad. Bras Cienc. [online]. 2024, vol. 96, suppl. 1, e2024962 [viewed 30 October 2024]. https://doi.org/10.1590/0001-3765202420241104. Available from: https://www.scielo.br/j/aabc/a/bXTwL5FpwCDp9JBXs7fCMqJ/
Referências
BOCK, W.J. The Darwin -Wallace myth of 1858. Proc Zool Soc [online]. 2009, vol. 62, pp. 1-12 [viewed 30 October 2024]. https://doi.org/10.1007/s12595-009-0001-9. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/s12595-009-0001-9
CATALINI, M., SMYTH, J.C. and SHIPKOWSKI. B. Trump falsely accuses immigrants in Ohio of abducting and eating pets [online]. The Associated Press. 2024 [viewed 30 October 2024]. Available from: https://apnews.com/article/haitian-immigrants-vance-trump-ohio-6e4a47c52b23ae2c802d216369512ca5
DEL VICARIO, M., et al. The spreading of misinformation online. PNAS [online]. 2016, vol. 113, pp. 554-559 [viewed 30 October 2024]. https://doi.org/10.1073/pnas.1517441113. Available from: https://www.pnas.org/doi/full/10.1073/pnas.1517441113
KELLNER, A.W.A. and SOARES, M.B. Fósseis: testemunhas da história da vida na Terra. In: MENCK, C.F.M. (ed.). A Evolução é Fato. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2024 [viewed 30 October 2024]. Available from: http://www.abc.org.br/wp-content/uploads/2024/09/ABC_Evolucao_redux.pdf
MOLINA, T. Datena é expulso após jogar cadeira em Marçal, que sai de debate [online]. Metropolis. 2024 [viewed 30 October 2024]. Available from: https://www.metropoles.com/sao-paulo/datena-e-expulso-apos-jogar-cadeira-em-marcal-que-sai-de-debate-veja
NADER HB. 2024. Prefácio. In: MENCK, C.F.M. (ed.). A Evolução é Fato. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2024 [viewed 30 October 2024]. Available from: http://www.abc.org.br/wp-content/uploads/2024/09/ABC_Evolucao_redux.pdf
NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. Science, Evolution, and Creationism. Washington: The National Academies Press, 2008 [viewed 30 October 2024]. Available from: http://nap.edu/sec
Links externos
Anais da Academia Brasileira de Ciências – AABC: www.scielo.br/aabc/
Alexander W. A. Kellner – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7174-9447
Sobre Alexander W.A. Kellner
Professor Titular e membro da Academia Brasileira de Ciências, é editor-chefe dos AABC. Realizou doutorado na Columbia University (Nova York) e atua no Museu Nacional/UFRJ, para qual foi eleito e reeleito diretor (2018-2026). Desenvolve pesquisas na área de paleontologia, em especial a evolução e diversificação de répteis fósseis, sobretudo dinossauros e pterossauros (vertebrados alados). Além de diferentes regiões brasileiras, realizou atividades de campo em países como Antártica, Irã, China, Argentina e Chile.
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