Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe, Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Luiza Gualhano, Editora assistente, Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Pesquisadores, profissionais de saúde e membros da sociedade civil escancararam os maus-tratos e as violências cometidas em hospitais psiquiátricos contra os internos vivendo em regime institucional totalitário, desumano e fora de qualquer controle social no Brasil e no mundo. Felizmente, no Brasil houve a reforma psiquiátrica que vem dando frutos para esses concidadãos brasileiros, o que se deve à colaboração dos mais diferentes atores nacionais e do apoio internacional. Infelizmente, também vêm ocorrendo retrocessos comprometedores desses avanços civilizatórios.
Neste artigo Reformulações na Política Nacional de Saúde Mental: análise de dados de assistência no período de 2012 a 2022 publicado no periódico Ciência & Saúde Coletiva (Krefer, et al., vol. 30, no. 2, 2025) é feita uma análise das mudanças e as idas e vindas que afetam o desenho da política antimanicomial entre 2012 e 2022 com fontes do DataSUS.
O lema adotado na I Conferência Nacional de Saúde Mental, “Por uma sociedade sem manicômios” consolidou seu estatuto legal por meio da promulgação da Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica. Ela estabelece a implementação política e jurídica dessa reforma, preconiza mudanças no modelo de cuidado e substituição do modelo asilar pelo de atenção psicossocial oferecida nos locais onde vivem os pacientes (Brasil, 2001).
Antes dessa lei, porém, a reforma psiquiátrica já se tornara realidade por meio de experiências locais – como foi o caso de São Paulo nos anos 1980 onde tudo começou – e, posteriormente, foi sendo regulada por meio de portarias ministeriais que regulamentaram o financiamento, a estrutura e o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em 2002; e a partir de 2011, da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Os Hospitais Psiquiátricos, cujo processo de fechamento foi previsto para ocorrer progressivamente, vêm sobrevivendo, embora em número menor, coexistindo com os CAPS.
Em 2017, o país foi confrontado com uma “Nova” Política de Saúde Mental, em que os CAPS perderam relevância para o modelo hospitalar, com argumentos de sua suposta ineficácia para coibir suicídios, prevalência de transtornos mentais no sistema carcerário, afastamentos do trabalho e mortalidade de pacientes (Brasil, 2019). O relativo pouco tempo que separa a Lei 10.2016/2001, da retomada oficial das medidas hospitalocêntricas (2017) ressalta a fragilidade do lugar da Atenção Psicossocial como modelo orientador no campo da saúde mental coletiva.
O modelo dos CAPS foi inspirado num conceito muito simples da Reforma Psiquiátrica Italiana exposta por Basaglia (2005): a pessoa com problema mental deve ser posta em evidência. E seus sintomas, colocados entre parênteses. Apesar de simples, essa concepção preconiza a personalização e singularização do cuidado, visão consagrada no Brasil (Brasil, 2013) e no mundo, ao mesmo tempo em que aqui cresceu em número e qualidade a Estratégia Saúde da Família de base territorial.
A rede (RAPS) instituída para reforçar a integralidade da atenção e a corresponsabilização dos serviços no cuidado com o usuário de saúde mental ocorreu em 2011. No entanto, já então, ela fugia aos princípios da Reforma Psiquiátrica tal como pensada, incluindo em seu escopo Hospitais e Comunidades Terapêuticas (Brasil, 2011).

Imagem: Unsplash
Passando da história para os dados do Ministério da Saúde, desde 2011 (ponto inicial deste estudo), houve crescimento do número de CAPS credenciados, de Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) e de leitos psiquiátricos em Hospital Geral (Brasil, 2022), enquanto o número de leitos em Hospitais Psiquiátricos diminuiu progressivamente, passando de 29.953 em 2011 para 17.559 em 2017. Estudos de Rocha, et al. (2021) e Miliauskas, et al. (2019) mostram que a maior cobertura dos CAPS foi inversamente proporcional às internações psiquiátricas nos períodos de 2001 a 2014 e 2008 a 2015.
A revisão da Política Nacional de Saúde Mental de 2017 foi e continua a ser duramente criticada por organizações científicas e pelo movimento social de luta antimanicomial. Nela está escrito:
“todos os serviços que compõem a RAPS, são igualmente importantes e devem ser incentivados, ampliados e fortalecidos. O Ministério da Saúde não considera mais serviços como sendo substitutos de outros, não fomentando mais fechamento de unidades de qualquer natureza. A Rede deve ser harmônica e complementar. Não há mais por que se falar em “rede substitutiva”, já que nenhum serviço substitui outro” (Brasil, 2019).
De 2018 a 2022, o número de CAPS cresceu apenas 1,92%, embora o número de hospitais psiquiátricos também não tenha se elevado. Os serviços que mais aumentaram foram os ambulatoriais e as comunidades terapêuticas (Brasil, 2022).
As dificuldades de se implementar o modelo de Reforma Sanitária tal como concebido é complexo. Frente a um segmento populacional tão sofrido e com poucas condições de vocalizar sua vontade, pululam a cultura biomédica que resiste hegemonicamente; insistem interesses políticos e econômicos dos donos de hospitais, clínicas e comunidades terapêuticas; e se aprofunda uma visão religiosa deturpada que prejudica os tratamentos cientificamente indicados. Sim, possivelmente haja muito para corrigir e aprimorar nas práticas dos CAPS!
Todo esse cenário leva a que seja preciso e urgente avaliar a Política e os serviços prestados pelos CAPS a favor de um segmento tão frágil da sociedade!
Para ler o artigo, acesse
KREFER, L.T. and OLIVEIRA, W.F. Reformulações na política nacional de saúde mental: análise de dados de assistência no período de 2012 a 2022. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2025, vol. 30, no. 2, e13372023 [viewed 21 March 2025]. https://doi.org/10.1590/1413-81232025302.13372023. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/pyg8jjcLZZHMQG96tGrYG6K/
Para ler a edição temática completa, acesse
Ciência & Saúde Coletiva, vol. 30, no. 2, 2025
Referências
BASAGLIA, F. Um problema de psiquiatria institucional: a exclusão como categoria psiquiátrica. In AMARANTE, P. (ed.) Escritos selecionados em saúde mental e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Garamond, 2005
BRASIL. Dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2022
BRASIL. Nota técnica nº 11/2019 CGMAD/DAPES/ SAS/MS: Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2019
BRASIL. Política Nacional de Humanização: PNH. Brasília: Ministério da Saúde, 2013
Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. [online]. Planalto. 2001 [viewed 21 March 2025]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm
MILIAUSKAS, C.R., et al. Associação entre internações psiquiátricas, cobertura de CAPS e atenção básica em regiões metropolitanas do RJ e SP, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2019, vol. 24, no. 5, pp. 1935-1944 [viewed 21 March 2025]. https://doi.org/10.1590/1413-81232018245.18862017. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/6JSbHzbr8LkfdY5DkwtXknn/
Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011 [online]. Ministério da Saúde. 2011 [viewed 21 March 2025]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
Portaria nº 3588, de 21 de dezembro de 2017 [online]. Ministério Saúde. 2017 [viewed 21 March 2025]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt3588_22_12_2017.html
ROCHA, H.A., et al. Internações psiquiátricas pelo Sistema Único de Saúde no Brasil ocorridas entre 2000 e 2014. Revista de Saúde Pública [online]. 2021, vol. 55 [viewed 21 March 2025]. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2021055002155. Available from: https://www.revistas.usp.br/rsp/article/view/184670
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