Por Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe e Luiza Gualhano, Assistente de comunicação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
O volume 24, número 7 de Ciência & Saúde Coletiva, trata dos esforços globais em torno do tema da segurança alimentar destacando obesidade, desnutrição e mudanças climáticas (CASTRO, 2019). No entanto, esses esforços têm sido pouco efetivos para conter o agravamento da desnutrição e da obesidade por vários motivos: forte oposição do setor privado que produz alimentos processados, inépcia na implementação de políticas públicas que ferem interesses econômicos; pouco interesse ou falta de liderança dos gestores para implementar medidas efetivas; e insuficiente pressão da sociedade civil para exigir mudanças a favor do ambiente e da produção de alimentos saudáveis (SWINBURN, et al., 2019).
O caso do Brasil é exemplar tanto no esforço de formular políticas propositivas como na pouca efetividade com que são implementadas (LEÃO, 2013). Até os anos 1990, o país tinha percentuais elevados da população com desnutrição de grave a leve. Esse problema foi vencido. Mas, nos últimos anos, houve um aumento acelerado da obesidade em todas as faixas de idade e de renda. A prática nutricional acabou por aproximar desnutrição e a obesidade. São exemplos: a introdução precoce de produtos ultraprocessados na alimentação de crianças na primeira infância (GIESTA, et al., 2019); o massivo consumo de alimentos preditores de risco cardiovascular (FERREIRA, et al., 2019); e barreiras socioeconômicas e culturais ao consumo de frutas e verduras (SANTOS, et al., 2019).
O enfrentamento dos problemas citados vem sendo assumido pelo Governo Federal desde 2003, em particular, por meio de estratégias contra a fome e a miséria. A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) tornou-se uma política de Estado que definiu os marcos legais e institucionais da agenda, com a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN); a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA); a instalação da Câmara Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN); e a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN 2012/2015 – BRASIL, 2019). Os diversos dispositivos levam em conta as questões da desnutrição e da obesidade de forma articulada e convergente, com mecanismos de governança e compromisso de governantes em fazer avançar essa agenda. Embora não se possa atribuir uma causa apenas a qualquer fenômeno, pode-se dizer que há uma associação entre a melhoria nos indicadores de pobreza e a diminuição da insegurança alimentar no país.
Entretanto, a crise econômica e política que assola o Brasil desde 2016 pode reverter os indicadores de sucesso, particularmente, os relativos à desnutrição. E nunca se deve esquecer que, a despeito da crise ou aproveitando-se dela, a indústria de alimentos ultraprocessados continua próspera, florescente e encantando crianças e adultos incautos para os efeitos daquilo que comem e bebem na sua saúde.
Referências
CASTRO, I.R.R. Má nutrição, iniquidade e a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2019, vol. 24, no.7, pp. 2376-2376, ISSN: 1413-8123 [viewed 7 August 2019]. DOI: 10.1590/1413-81232018247.15392019. Available from: http://ref.scielo.org/2cctyw
FERREIRA, R.C., et al. Consumo de alimentos preditores e protetores de risco cardiovacular por hipertensos do estado de Alagoas, Brasil. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2019, vol. 24, no. 7, pp. 2419-2430, ISSN: 1413-8123 [viewed 7 August 2019]. DOI: 10.1590/1413-81232018247.20242017. Available from: http://ref.scielo.org/fqwfqp
GIESTA, J.M., et al. Fatores associados à introdução precoce de alimentos ultraprocessados na alimentação de crianças menores de dois anos. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2019, vol. 24, no. 7, pp. 2387-2397, ISSN: 1413-8123 [viewed 7 August 2019]. DOI: 10.1590/1413-81232018247.24162017. Available from: http://ref.scielo.org/55h45s
LEÃO, M. O direito humano à alimentação adequada e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília: ABRANDH, 2013.
SANTOS, G.M.G.C., et al. Barreiras percebidas para o consumo de frutas e de verduras ou legumes em adultos brasileiros. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2019, vol. 24, no. 7, pp. 2461-2470, ISSN: 1413-8123 [viewed 7 August 2019]. DOI: 10.1590/1413-81232018247.19992017. Available from: http://ref.scielo.org/v22bz2
SISAN – Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional [online]. Ministério da Cidadania. 2019 [viewed 7 August 2019]. Available from: http://mds.gov.br/assuntos/seguranca-alimentar/direito-a-alimentacao/sistema-nacional-de-seguranca-alimentar-e-nutricional-sisan
SWINBURN, B., et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. The Lancet Commissions [online]. 2019, vol. 393, no. 10173, pp. 791-846, e-ISSN: 1474-547X [viewed 7 August 2019]. DOI: 10.1016/S0140-6736(18)32822-8. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(18)32822-8/fulltext?utm_campaign=tlobesity19&utm_source=HubPage
Para ler os artigos, acesse
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.7 Rio de Janeiro jul. 2019
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