Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Por seu protagonismo e alcance, o Brasil se tornou referência mundial na incorporação e na oferta universal de um rol extenso e abrangente de imunobiológicos. Entretanto, desde 2016, observa-se um processo regressivo nos percentuais de cobertura, o que se acentua a partir de 2019.
No artigo Vacinação do sarampo no Brasil: onde estivemos e para onde vamos?, publicado na edição 28/02/2023 da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Ana Paula Sayuri Sato e colegas (2023) analisam o Programa Nacional de Imunizações (PNI) a partir do aumento de casos de sarampo no Brasil.
O sarampo é uma doença contagiosa causada por um vírus altamente transmissível e que pode levar à morte. Por isso, tratar do contexto sociopolítico da queda de cobertura e da urgência da vacinação universal se tornou uma prioridade sanitária.
Os autores utilizam o método ecológico e uma série histórica do processo de vacinação e de ocorrência de contaminação. Em 1992, foi implantado o Plano Nacional de Eliminação do Sarampo, responsável pela interrupção de casos desde o ano 2000. Em 2016, o Brasil recebeu da Organização Mundial de Saúde (OMS) o certificado de erradicação do sarampo.
A partir de 2015, porém, os estudiosos observaram uma queda progressiva de cobertura vacinal em todas as regiões brasileiras. Ou seja, houve um relaxamento que foi responsável pelo surgimento de aglomerados de casos particularmente no Norte e no Nordeste. Esses aglomerados, segundo o estudo (SATO, et al, 2023), estão associados aos indicadores de baixo desenvolvimento humano, desigualdade social e menor acesso à Estratégia de Saúde da Família (SATO, et al, 2023; CAUSEY, et al, 2021).
Nos anos 2020 e 2021, a pandemia de COVID-19 contribuiu para intensificar as iniquidades em saúde, e o discurso repetitivamente negacionista do governo dificultou o acesso e aumentou a hesitação de vacinar as crianças. Esses efeitos sociais e comportamentais perversos tornaram a população vítima do retorno de doenças evitáveis, infecciosas e letais (SILVEIRA, et al, 2021).
Em 2019, o Brasil perdeu o certificado de eliminação do sarampo. Até 2014 todas as regiões brasileiras apresentavam cobertura vacinal de quase 100%, mas, a partir de 2016, nenhuma região alcançou 95% ou mais. Em 2020 e 2021, os maiores valores registrados foram de 86,2% e 84,2%, respectivamente, na região Sul, e os menores de 68,8% e 68,0 na região Norte (SATO, et al, 2023).
Em 2018, quando diversos países reportavam números expressivos de casos de sarampo (ARROYO, et al, 2020), no Brasil o vírus era reintroduzido na região Norte, por conta do intenso fluxo migratório na área de fronteira entre Roraima e Venezuela. Em 2019, a doença intensificou sua incidência, chegando a 20,3 casos a cada 100.000 habitantes por ano.
Em setembro de 2022, o Ministério da Saúde lançou um Plano de Ação para a interrupção da circulação do vírus do sarampo cujas estratégias incluem o fortalecimento da vigilância epidemiológica e laboratorial, da vacinação e atenção à saúde, além da comunicação social, em todas as esferas de gestão (BRASIL, 2022) em acordo com a OMS (WHO, 2022).
O país vive hoje a expectativa de que uma ação forte, enérgica e com objetivos claros possa informar a atuação do setor, trazendo um novo impulso para proteger, sobretudo, mas não só, as crianças contra doenças preveníveis que já haviam sido eliminadas (KIELLY, et al, 2022).
Ressalta-se que a vacinação possui, também, papel primordial para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especialmente o terceiro (ODS3) – que propõe garantir uma vida saudável e promover o bem-estar para todos em todas as idades. É preciso atuar pela vacinação universal já! Assim como contra o vírus da indiferença, do preconceito, da mentira e das fake news que se infiltraram na sociedade brasileira!
Referências
ARROYO, L.H., et al. Áreas com queda da cobertura vacinal para BCG, poliomielite e tríplice viral no Brasil (2006-2016): mapas da heterogeneidade regional. Cad. Saúde Pública [online]. 2020, vol. 36, no. 4, e00015619 [viewed 9 March 2023]. https://doi.org/10.1590/0102-311X00015619. Available from: https://www.scielo.br/j/csp/a/qw4q8qKLKvC4fDJ5S3BrDkJ/
BRASIL. Ministério da Saúde. Imunizações: Cobertura desde 1994, Notas Técnicas [online]. 2023 [viewed 9 March 2023]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/pni/Imun_cobertura_desde_1994.pdf
CAUSEY, K., et al. Estimating global and regional disruptions to routine childhood vaccine coverage during the COVID-19 pandemic in 2020: a modelling study. The Lancet [online]. 2021, vol. 398, no. 10299, pp. 522-534 [viewed 9 March 2023]. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)01337-4. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01337-4/
KIELY, M., et al. COVID-19 pandemic impact on childhood vaccination coverage in Quebec, Canada. Hum Vaccin Immunother [online]. 2022, vol. 18, no. 1, 2007707 [viewed 9 March 2023]. https://doi.org/10.1080/21645515.2021.2007707. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34920686/
SILVEIRA, M.F., et al. Missed childhood immunizations during the COVID-19 pandemic in Brazil: analyses of routine statistics and of a national household survey. Vaccine [online]. 2021, vol. 39, no. 25, pp. 3404-3409 [viewed 9 March 2023]. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2021.04.046. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33941406/
WHO World Health Organization. Measles outbreaks strategic response plan: 2021-2023: measles outbreak prevention, preparedness, response and recovery. Geneva: World Health Organization, 2021 [viewed 9 March 2023]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/340657
Para ler o artigo, acesse
SATO, A.P.S., et al. Vacinação do sarampo no Brasil: onde estivemos e para onde vamos? Ciênc. saúde coletiva [online]. 2023, vol. 28, no. 2, pp. 351-362 [viewed 9 March 2023]. https://doi.org/10.1590/1413-81232023282.19172022. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/J668gWXsNPfWMFbBNSgp75j/
Links externos
Ciência & Saúde Coletiva – CSC: http://www.scielo.br/csc
Para ler a edição temática completa acesse:https://www.scielo.br/j/csc/i/2023.v28n2/
Ciência & Saúde Coletiva – Site: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br
Ciência & Saúde Coletiva – Redes sociais: Facebook | Twitter | Instagram
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Últimos comentários