Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Há evidências científicas de que os primeiros 1.000 dias de vida de uma criança – que somam o período gestacional e seus dois primeiros anos – são cruciais para seu crescimento e desenvolvimento. Além de constituírem uma oportunidade privilegiada para cuidados com sua nutrição adequada e estimulação precoce, já se sabe que, durante esse espaço de tempo é possível haver interferências epigenéticas que beneficiam ou prejudicam todo o ciclo de vida do indivíduo (FERREIRA, 2023).
Corroborando com o que foi dito por Ferreira e constitui uma tese já consagrada no campo da saúde (VICTORA et al, 2016), Souza et al (2023) apresentam o artigo Promoção, proteção e apoio à amamentação no trabalho e o alcance do desenvolvimento sustentável: uma revisão de escopo, publicado na Ciência & Saúde Coletiva, 28.4.2023. Essses autores mapearam estratégias de promoção, proteção e apoio direcionadas às mulheres trabalhadoras que amamentam e o potencial impacto de ações orientadas para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (BRASIL, 2022).
Numa revisão de 33 trabalhos encontrados em bases de dados internacionais, os autores confirmam que as boas práticas de amamentação têm impacto positivo sobre a sobrevivência, a segurança alimentar e nutricional, o desenvolvimento das crianças pequenas e trazem benefícios para a saúde das mães e para os indivíduos por toda a sua existência. Isso não é uma ideologia nem uma lenda, as evidências científicas o mostram (KOSMALA-ANDERSON et al, 2006; JACKNOWITS, 2008; WHO et al, 2018).
No entanto, apenas 41% dos bebês menores de seis meses no mundo recebem amamentação exclusiva. Uma barreira para melhorar essas taxas é o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho sem a devida consideração dos empregadores sobre a importância desse período não só para as crianças como para a sociedade (WHO et al, 2018). Quando o ambiente de trabalho não é favorável, as mulheres fazem o desmame precoce. E as poucas que se esforçam para manter a amamentação trabalhando, costumam encontram várias dificuldades para extrair e conservar o leite em segurança, para sair do ambiente laboral e amamentar, e muitas são ameaçadas com demissão.
Essas restrições vão contra normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Convenções 183 e 191) (ADATTI et al, 2014) que garantem a proteção da maternidade e do trabalho, incluem a licença-maternidade remunerada de no mínimo 14 semanas e determinam pausas para as mães aleitarem seus filhos durante a jornada de trabalho ou a redução de sua carga laboral sem prejuízo do salário. Além disso, a literatura consultada mostra que as mulheres que recebem a devida compreensão dos chefes e conseguem continuar amamentando têm sua produtividade aumentada.
Embora o estudo englobe a bibliografia internacional, pesquisas conduzidas no Brasil (FERNANDES et al, 2018; SOUZA et al, 2021) e normas governamentais (BRASIL, 2017) apontam que chefias com condutas favoráveis à promoção da amamentação pelas funcionárias das empresas são os que compreendem os impactos positivos do apoio à maternidade no melhor rendimento no trabalho e os que já sabem da importância da amamentação para o desenvolvimento e o crescimento do cidadão saudável. Por isso, ultrapassam as fronteiras burocráticas das exigências de tempo e horário (BRASIL, 2008).
Conforme Souza et al (2023) inferiram, além de todos os benefícios e vantagens já citadas, estratégias de promoção, proteção e apoio à amamentação no contexto do trabalho possuem um grande potencial de favorecer o alcance dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (UN, 2021; BRASIL, 2022) relacionados à saúde e bem-estar, à igualdade de gênero, ao empoderamento das mulheres, ao acesso ao trabalho decente e produtivo, à redução das iniquidades e ao combate à pobreza.
Como o leite materno é uma fonte natural de alimento, a boa nutrição e a saúde das crianças promovidas pela amamentação nos dois primeiros anos de vida são essenciais para o pleno desenvolvimento infantil e promove o crescimento de populações mais saudáveis e prósperas. Também, impactam positivamente os esforços para o crescimento da produtividade e da renda. A reflexão deste artigo está em consonância com as aspirações da mulher brasileira sobre a igualdade e o respeito às diferenças de sexo e gênero que enriquecem a sociedade e a tornam mais inclusiva.
Referências
ADDATI, L., CASSIRER, N. and GILCHRIST, K. Maternity and paternity at work: law and practice across the World International Labour Office. Geneva: ILO, 2014.
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FERNANDES, V.M.B., et al. Condutas de gestores relacionadas ao apoio ao aleitamento materno nos locais de trabalho. Texto contexto – enferm [online]. 2018 vol. 27, no. 3, e2560016 [viewed 29 May 2023]. https://doi.org/10.1590/0104-070720180002560016. Available from: https://www.scielo.br/j/tce/a/Cn3rF9Mc6z9pcPqQP7FrqQJ/
FERREIRA, A.L. Os primeiros anos como fator determinante para o ciclo de vida. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2023, vol. 28, no. 4, pp. 966 [viewed 29 May 2023]. https://doi.org/10.1590/1413-81232023284.00082023. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/gqbRKzsF7cj7s3GqFWTwf8b/
JACKNOWITZ, A. The role of workplace characteristics in breastfeeding practices. Women Health [online]. 2008, vol. 47, no. 2, pp. 87-111 [viewed 29 May 2023]. https://doi.org/10.1080/03630240802092357. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18681102/
KOSMALA-ANDERSON, J. and WALLACE, L.M. Breastfeeding works: the role of employers in supporting women who wish to breastfeed and work in four organizations in England. J Public Health (Oxf) [online]. 2006, vol. 28, no. 3, pp. 183-191 [viewed 29 May 2023]. https://doi.org/10.1093/pubmed/fdl012. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16861713/
SOUZA, C.B., VENANCIO, S.I. and SILVA, R.P.G.V.C. Breastfeeding support rooms and their contribution to sustainable development goals: A qualitative study. Front Public Health [online]. 2021, vol. 9, 732061 [viewed 29 May 2023]. https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.732061. Available from: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpubh.2021.732061/
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VICTORA, C.G., et al. Amamentação no século 21: epidemiologia, mecanismos e efeitos ao longo da vida. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2016, vol. 16 , no. 3 [viewed 29 May 2023]. Available from: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v25n1/Amamentacao1.pdf
World Health Organization. United Nations Children’s Fund, World Bank Group. Nurturing care for early childhood development: a framework for helping children survive and thrive to transform health and human potential. Geneva: World Health Organization, 2018.
Para ler o artigo, acesse
SOUZA, C. B., et al. Promoção, proteção e apoio à amamentação no trabalho e o alcance do desenvolvimento sustentável: uma revisão de escopo. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2023, vol. 28, no. 4, pp. 1059–1072 [viewed 29 May 2023]. https://doi.org/10.1590/1413-81232023284.14242022EN. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/NsPmNtGRZTTByfHGp4SZ4Bs/
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