Desvantagens das mulheres pretas e pardas brasileiras na vida e na morte

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

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Fatores associados aos homicídios de mulheres no Brasil é o título do estudo de Nery et al. (2024), publicado na Ciência & Saúde Coletiva (vol. 29, n.º 3, 2024), que visou avaliar as taxas e a evolução desse fenômeno cruel, segundo unidades da federação e raça/cor, de 2016 a 2020. Os autores apresentaram um estudo ecológico da tendência temporal e encontraram 20.405 homicídios de mulheres no período. 

Para avaliar os fatores associados às taxas desse tipo de homicídio, consideraram: taxa de desemprego, de analfabetismo, proporção da população pobre e de mães chefes de família sem ensino fundamental completo com filho menor de 15 anos, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), proporção da população negra, Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e proporção de óbitos com causa mal definida. Constataram que, apesar do absurdo número de assassinatos, houve uma queda de 25,2% no número de mortes no período: as taxas variaram de 4,7 mortes por 100 mil em 2016 para 3,5/100.000 em 2020, com tendência decrescente estatisticamente significativa. 

As taxas padronizadas dos homicídios mostraram que mulheres pardas e negras foram as mais vitimizadas (6,1/100.000), em comparação com as brancas (3,4/100.000). Mas essa situação está associada a outras variáveis importantes, como IDH e taxa de analfabetismo. Mulheres mais pobres, com pouca instrução formal, pretas e pardas são quase o dobro das vitimadas por homicídio do que as mais aquinhoadas social, economicamente e com mais estudos. 

A desigualdade racial manifesta nas taxas de homicídio de mulheres no Brasil é alarmante: 66% das que foram assassinadas eram pardas ou negras, tendência que se confirma ao longo dos anos (Cerqueira et al., 2021). Também é fato que as repercussões da violência nas condições de saúde da mulher estão associadas a maiores índices de suicídio, abuso de álcool e outras drogas, distúrbios gastrointestinais e sofrimento psíquico em geral (WHO, 2013; Souza et al., 2017). 

O que vem ocorrendo no Brasil se replica nos países latino-americanos, onde mais de 50% das mulheres relataram casos de violência física ou sexual, ao longo da vida, cometidas por parceiros íntimos (Heise, 1994; Safiotti et al., 1995; Who, 2013; Pinto et al., 2021). Algumas características a respeito da mulher que é vítima de homicídio são muito discutidas na literatura, em sua maioria, são jovens, com baixa escolaridade e negras (Garcia et al., 2015; Meneghel, 2017). 

No Brasil, o perfil das mulheres mortas por agressões destaca a faixa etária de 20 a 29 anos (28,7%), de raça/cor parda (61,3%), com 4 a 7 anos de estudo (40,19%) e solteiras (70,21%). Dessas, 30,3% foram mortas no ambiente residencial, seguido da via pública (28,9%); 54,9% das mulheres pardas e negras foram vitimadas com arma de fogo e 46,5% das brancas, com objeto perfurocortante. Por localização geográfica, os estados de Roraima (9,1), Ceará (7,2) Mato Grosso (7,1) e Acre (7,1) evidenciaram as maiores taxas de assassinatos de mulheres no período. Os estados de São Paulo (2,0), Rio Grande do Norte (2,4) e Santa Catarina (3,0) apresentaram as menores taxas padronizadas.

Chega a ser impressionante que em pleno século XXI estejamos discutindo o feminicídio como uma investida fatal do homem contra a mulher. É importante dizer que esse tipo de agressão configura o patriarcalismo arraigado, uma cultura de longa duração, como dizia Braudel (1969). Oficialmente o país promulgou várias leis importantes para superar essa chaga: a Lei Maria da Penha, a Lei que condena o feminicídio e, ultimamente, a lei de equiparação de salários entre homens e mulheres. 

O país vem melhorando aos poucos seus indicadores, mas eles ainda são vergonhosos. A violência empreendida contra a mulher constitui uma forte invasão e violação dos direitos humanos, porque ameaça o direito à vida. Além disso, vai de encontro ao direito à saúde, à integridade física, moral, psicológica e sexual. Matar uma mulher frequentemente é dizimar uma família. E quando o crime é cometido por razão de raça/cor, ele constitui uma desumanização da vítima.

Referências

BRAUDEL, F. Escritos sobre a História. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1969.

CERQUEIRA, D.R.C., FERREIRA, H. and BUENO, S. Atlas da Violência 2021. São Paulo: FBSP, 2021.

GARCIA, L.P., et al. Estimativas corrigidas de feminicídios no Brasil, 2009 a 2011. Revista Panamericana de Salud Púlica [online]. 2015, vol. 37, pp. 251–257 [viewed 24 April 2024]. Available from: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v37n4-5/251-257/pt 

HEISE, L. Gender-based abuse: the global epidemic. Cadernos de  Saúde Publica [online]. 1994, vol. 10, Supl. 1, pp.135–45 [viewed 24 April 2024]. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1994000500009. Available from: https://www.scielo.br/j/csp/a/FmhrHwn3RK3RZGMzk6kjtgF/  

MENEGHEL, S.N., et al. Feminicídios: estudo em capitais e municípios brasileiros de grande porte populacional. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2017, vol. 22, pp. 2963–2970 [viewed 24 April 2024]. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.22732015. Available from:  https://www.scielo.br/j/csc/a/mwqvZXLG6vwvchnyt8LTLTB/ 

PINTO, I.V., et al. Fatores associados ao óbito de mulheres com notificação de violência por parceiro íntimo no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, vol. 26, pp. 975–985 [viewed 24 April 2024]. https://doi.org/10.1590/1413-81232021263.00132021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/kqJ68Zy9WLBGW7wfbWPLJkF/  

SAFFIOTI, H.I.B and ALMEIDA, S.S. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro: Revinter, 1995.

SOUZA, E.R., et al. Homicídios de mulheres nas distintas regiões brasileiras nos últimos 35 anos: análise do efeito da idade-período e coorte de nascimento. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2017, vol. 22, no. 9, pp. 2949–2962 [viewed 24 April 2024]. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.12392017. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/3g3mb9HZWpjjTLbQXvjDKsF/  

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence [online]. World Heath Organization. 2013 [viewed 24 April 2024]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241564625 

Para ler o artigo, acesse

NERY, M.G.D., et al. Fatores associados ao homicídio de mulheres no Brasil, segundo raça/cor, 2016-2020. Ciênc saúde coletiva. 2024, vol. 29, no. 3, e10202023 [viewed 24 April 2024]. https://doi.org/10.1590/1413-81232024293.10202023. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/QBMWvMpbsb99kcXmTjkdCzc/  

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

GUALHANO, L. and MINAYO, M.C.S. Desvantagens das mulheres pretas e pardas brasileiras na vida e na morte [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2024 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2024/04/24/desvantagens-das-mulheres-pretas-e-pardas-brasileiras-na-vida-e-na-morte/

 

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