Logística reversa de medicamentos vencidos como uma meta civilizatória para o Brasil

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe, Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Luiza Gualhano, Editora assistente, Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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Visando à mitigação dos problemas ambientais e de saúde pública que podem ocorrer pela presença de fármacos no meio ambiente, o Brasil instituiu um Sistema de Logística Reversa de medicamentos domiciliares vencidos ou em desuso, de uso humano, industrializados e manipulados e de suas embalagens, após o descarte pelos consumidores (logística reversa de medicamentos, LRM) (Brasil, 2020). A logística reversa busca viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial de origem para que este promova o seu reaproveitamento, reciclagem ou descarte adequado.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei Federal nº 12.305/2010, não previa inicialmente a obrigatoriedade desse sistema. Mas em 2013, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicou um Edital de Chamamento Público (MMA, 2013), com o objetivo de estimular o setor farmacêutico a estruturar e a implantar o seu sistema de LRM.

Em paralelo, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) elaborou e publicou em 2016 a primeira norma que estabeleceu os requisitos e diretrizes para a implementação da logística reversa de medicamentos domiciliares pós-consumo (ABNT, 2016) e a ANVISA também se envolveu (2018). Em 5 de junho de 2020, o Decreto Federal n.º 10.388/2020 instituiu a LRM (Brasil, 2020).

A aplicação de um Sistema de Logística Reversa de Medicamentos em São Paulo em 2021 é o tema do artigo Implantação da logística reversa de medicamentos e de suas embalagens em São Paulo, Brasil: avanços no primeiro ano (2021) de Paludetti, et al., publicado pela Ciência & Saúde Coletiva (vol. 30, no. 6, 2025), aqui resenhado. Trata-se de um texto inédito e que acompanha o ritmo de implantação do Sistema no estado, o que, com certeza permite contribuir para o aprimoramento e correção de rumos do processo enquanto ele se realiza.

O Brasil acompanha um movimento internacional que considera os estoques domiciliares de medicamentos como um problema global de saúde pública provocado pela compra indiscriminada de drogas legais não controladas e destinadas à automedicação, ou as não consumidas integralmente ou guardadas pela não-adesão aos esquemas terapêuticos propostos por médicos. O hábito de descartar remédios vencidos inapropriadamente tem impacto direto na saúde, nos serviços de saúde e no meio ambiente.

As fontes de contaminação ambiental por fármacos de uso humano já são bem conhecidas: lançamento em esgotos domésticos tratados ou não, sobretudo os provenientes de excreção; emissões industriais; e descarte dos não utilizados diretamente no sistema de esgoto urbano ou junto com resíduos sólidos domiciliares.

Enquanto isso, ocorre em profusão, internacionalmente e aqui no país, a indústria farmacêutica só aumenta em quantidade, inovações e lucro, concomitante às transições demográficas, epidemiológicas e de estilo de vida, à inversão da pirâmide etária, ao aumento da ocorrência de doenças crônicas e ao maior acesso da população aos serviços de saúde. Por exemplo, estimativas indicam que o mercado farmacêutico brasileiro alcançará proximamente a marca de 40 bilhões de dólares, valor exclusivamente relacionado à comercialização de medicamentos prescritos, isentos de prescrição, genéricos e similares (Freitas, et al., 2021).

O decreto federal de 2020 distribui responsabilidades: a do gerador doméstico de resíduos sólidos é a colocação dos medicamentos descartáveis no local apropriado; e a responsabilidade compartilhada dos titulares de serviços públicos de limpeza e manejo de resíduos sólidos, consumidores, empresários, comércio e de todos os corresponsáveis pelo ciclo de vida dos produtos (Santaella, et al., 2014).

Particularmente em relação ao sistema de LRM, os resíduos devem ser entregues pela população em coletores próprios instalados nos pontos fixos de recebimento (drogarias e farmácias cadastradas), em seguida devem ser retirados de cada ponto de coleta por distribuidores de medicamentos. Por fim, a destinação ambientalmente adequada deve ser realizada pelas indústrias farmacêuticas.

Conta o estudo Palludetti, et al. (2025) que a implantação do Sistema de Logística Reversa no estado de São Paulo se iniciou em 2021, envolvendo inicialmente as 40 cidades com 200 mil habitantes ou mais. O trabalho avaliativo desses autores acompanhou a implantação desde o seu nascedouro, permitindo pari passu correção de rumos no acontecer dos fatos, e traz informações importantes: no seu primeiro ano o Sistema abrangeu 64% da população e 29.896.369,00 habitantes.

Ao todo, nos 40 municípios onde foi implantado o sistema de LRM, foram coletados 35.514,61 kg de resíduos de medicamento e embalagens. Embora o destino final dado aos produtos, globalmente costume ser a incineração, o estudo não permitiu aferir esse dado. Um ponto assinalado pelos autores do artigo é a necessidade de conscientização da população. Eles citam Quadra, et al. (2009) que numa pesquisa online com 540 pessoas, sendo a maioria da região Sudeste (88,3%), sobre o padrão de consumo e as formas de descarte de medicamentos, 71,9% delas afirmaram que nunca receberam informações sobre o descarte correto de medicamentos; 66% disseram que descartam medicamentos no lixo comum. Porém, 95,2% disseram acreditar que os medicamentos descartados podem causar danos ao meio ambiente.

Pinto, et al. (2014) entrevistaram 613 estudantes do município de Paulínia. Os autores verificaram que 91% dos participantes descartavam seus resíduos de medicamentos no lixo comum, junto ao lixo reciclável e na água corrente. Apenas 4% deles devolviam seus resíduos de medicamentos em postos de saúde, farmácias ou centros comunitários. Outro resultado importante é que 92% dos entrevistados disseram não ter conhecimento sobre os locais de recebimento dos resíduos de medicamentos.

A implantação do sistema brasileiro de LRM representa um grande avanço no gerenciamento de resíduos de medicamentos domiciliares vencidos ou em desuso. E o estudo do caso de São Paulo apresenta perspectivas para seu aperfeiçoamento, consolidação e conscientização da população.

Para ler a edição temática completa acesse

Ciência & Saúde Coletiva, vol. 30, no. 6, 2025

Para ler o artigo completo, acesse

PALUDETTI, D.X., et al. Implantação da logística reversa de medicamentos e de suas embalagens em São Paulo, Brasil: avanços no primeiro ano (2021). Ciênc. saúde coletiva [online]. 2025, vol. 30, no. 6, e00462024, ISSN: 1413-8123 [viewed 22 July 2025]. https://doi.org/10.1590/1413-81232025306.00462024. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/m3PTDFZBGMhgSTPvHCXqKXd

Referências

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16457:2016 — Logística reversa de medicamentos de uso humano vencidos e/ou em desuso — Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT; 2016.

BRASIL. Decreto nº 10.388 de 5 de junho de 2020. Diário Oficial da União. 2020 [viewed 22 July 2025]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10388.htm

FREITAS, L.A.A. and RADIS-BAPTISTA, G. Pharmaceutical pollution and disposal of expired, unused, and unwanted medicines in the Brazilian context. Journal of Xenobiotics [online]. 2021, vol. 11, no. 2, pp. 61–76 [viewed 22 July 2025]. https://doi.org/10.3390/jox11020005. Available from: https://www.mdpi.com/2039-4713/11/2/5

KÜMMERER K. The presence of pharmaceuticals in the environment due to human use — present knowledge and future challenges. Journal of Environmental Management [online]. 2009, vol. 90, no. 8, pp. 2354–2366 [viewed 22 July 2025]. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2009.01.023. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S030147970900022X?via%3Dihub

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Edital nº 02 — Chamamento para a elaboração de acordo setorial para a implementação de sistema de logística reversa de medicamentos [online]. Diário Oficial da União. 2013 [viewed 22 July 2025]. Available from: https://www.abras.com.br/pdf/medicamento_edital.pdf

PINTO, G.M.F., et al. Estudo do descarte residencial de medicamentos vencidos na região de Paulínia (SP), Brasil. Engenharia Sanitária e Ambiental [online]. 2014, vol. 19, no. 3, pp. 219–224 [viewed 22 July 2025]. https://doi.org/10.1590/S1413-41522014019000000472. Available from: https://www.scielo.br/j/esa/a/5qp6ZpKMcywyMqkW8sGRx3w/

QUADRA, G.R., et al. Investigation of medicines consumption and disposal in Brazil: A study case in a developing country. Science of Total Environment [online]. 2019, vol. 671, pp. 505–509. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2019.03.334. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969719313324?via%3Dihub

SANTAELLA, S.T., et al. Resíduos sólidos e a atual política ambiental brasileira. Fortaleza: UFC/LABOMAR/NAVE, 2014.

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

MINAYO, M.C.S. and GUALHANO, L. Logística reversa de medicamentos vencidos como uma meta civilizatória para o Brasil [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2025 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2025/07/22/logistica-reversa-de-medicamentos-vencidos-como-uma-meta-civilizatoria-para-o-brasil/

 

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