Perspectivas e cenários no setor aéreo durante e pós pandemia da COVID-19

Por Tessaleno Devezas, Professor, pesquisador, Atlântica School of Management Sciences, Health, IT & Engineering, Barcarena, Lisboa e C-MAST (Center for Aerospace Science and Technologies – Fundação de Ciência e Tecnologia, Portugal; Viviane Gonçalves, Mestre em Ciência da Informação, Sorocaba, SP, Brasil

Imagem: Skyler Smith.

Diante da pandemia da COVID-19 que assolou o mundo no fim de 2019, início de 2020, pode-se dizer que todos os setores de atividades humanas foram afetados. A depressão econômica e social que se instalou mudará o curso da história e apresenta diversos desafios para a humanidade. Vive-se um “novo normal” que contabiliza milhares de mortes e incertezas de como sair desta situação.

Com o objetivo de ampliar a discussão sobre os efeitos da pandemia no setor aéreo, entrevistei o professor Tessaleno Devezas, físico, teórico de sistemas e cientista de materiais conhecido por suas contribuições à teoria das ondas longas no desenvolvimento socioeconômico, evolução tecnológica, sistemas energéticos, bem como na análise de sistemas mundiais. No editorial “Aeronautics and COVID-19: a reciprocal cause-and-effect phenomenon”, publicado no periódico Journal of Aerospace Technology and Management (vol. 12), o autor apresenta como o setor aéreo foi afetado pela pandemia de COVID-19 e quais são os possíveis cenários a curto, médio e longo prazo para mudanças e recuperação.

1. Como o setor aéreo esteve envolvido no início da pandemia da COVID-19?

Na minha opinião o “efeito surpresa” se deu devido à ação simultânea de dois agentes: o excesso de conectividade física global devido à todo o cojunto de transportes (mas com destaque para a aviação pela rapidez com que agiliza a deslocação das pessoas pelo planeta), e novas propriedades do vírus SARS-CoV2 (com destaque para seu maior tempo de incubação). Esta ação conjunta dos dois agentes atuou de forma catastrófica sobre o sistema socioeconômico excessivamente globalizado e conectado, revelando a sua já antecipada fragilidade.

2. O setor aéreo foi um dos mais impactados pela pandemia. Qual foi a intensidade da redução neste ramo de negócio?

O fato de que, se por um lado o setor aeronáutico pode ser culpado pela rápida disseminação da pandemia, por outro foi um dos setores de atividade humana mais duramente atingidos pela mesma. A intensidade de tráfego aéreo foi reduzida em 2020 em quase 60% do total de passageiros transportados em 2019 (ver figura abaixo), sem contar o setor de transporte de cargas. É notório o efeito que tem sido verificado de demissões em massa e falências por parte de empresas de transporte aeronáutico, o cancelamento de encomendas no setor de produção aeronáutica, entre outras.

3. O que se esperar do setor aéreo após a passagem da pandemia da COVID-19?

Eu trabalhei com a hipótese de três possíveis cenários, que gosto de chamar de o bom, o mau, e o feio. Explico: o bom seria aquele em que teríamos uma recuperação total até o nível de demanda anterior à crise, o que eu acredito ser muito pouco provável. O mais pessimista, o feio, considera um longo período de depressão, semelhante ao da década de 1930, como está sendo antecipado por alguns economistas, e ainda exacerbado pelas crescentes tensões geopolíticas entre os EUA (com alguns aliados) e a Rússia-China-Irã. Eu não acredito sinceramente em um cenário tão negativo; temos agora medidas econômicas muito diferentes e mais eficientes do que naquela época. A realista, que chamo de mau porque traz em si muitos traços do impacto negativo do choque econômico, mas, por outro lado, é também um pouco otimista em relação à necessária reorganização das instituições e a uma atitude renovada das pessoas em relação a suas atitudes sociais. Trata-se na verdade do que tem sido chamado de o “novo normal”.

 

4. Nesse cenário realista, como você imagina que será o mercado de aeronáutica e o seu tamanho global?

Na minha visão, o período mínimo para a recuperação do setor deve situar-se entre dois e seis anos. Minhas projeções indicam a hipótese de uma recuperação de cerca de 75% do nível de passageiros transportados para 2021. Devemos levar em consideração ainda alguns aspectos importantes do “novo normal” que afetarão o setor aeronáutico: as preocupações com a saúde e propagação de epidemias certamente poderão agir como um mecanismo de abrandamento na movimentação de pessoas em voos. Mais ainda, muitas empresas e homens de negócios estão agora conscientes de que o trabalho remoto pode ser feito e contribuir para uma otimização dos seus negócios. Acredito que no futuro imediato, deverá também ocorrer algum aumento dos preços dos bilhetes aéreos em consequência da competição entre transportadoras e necessidade de aplicar as necessárias medidas de distanciamento social. As empresas também deverão equacionar a dimensão e tipologia de suas frotas. É muito provável que os aviões do tipo “wide bodies” venham a se tornar obsoletos.

5. Diante do que foi apresentado, pode-se dizer que podemos tirar uma lição disso tudo e se reinventar para enfrentar outras crises?

Para já eu destacaria um aspecto importante, se quiserem tomar medidas efetivas para reprimir futuras epidemias e ajustar o transporte aéreo segundo as exigências do novo normal que se instalou. Meu conselho é: olhem para o oriente!! Vejam que a região do mundo mais afetada pela pandemia foi o ocidente altamente desenvolvido: EUA e Europa. Não souberam lidar com a pandemia. Agora olhem para o oriente e pensem bem nos casos de Singapura, Vietnan, Coreia do Sul, Camboja, Japão, para não falar da China. Se quiserem mesmo trabalhar nos ajustes necessários para o transporte aeronáutico procurem ver o que está sendo feito naquele lado do mundo: estão saindo da crise e estão a voar!

Referências

DEVEZAS, T. From my perspective: The Struggle SARS-CoV-2 vs. Homo Sapiens – Why the Earth Stood Still, and How Will It Keep Moving On?. Technological Forecasting & Social Change [online], 2020. In press.

DEVEZAS, T. Tends in aviation: Rebound effect and the struggle composites vs aluminum. Technological Forecasting & Social Change [online], 2020. In press.

Para ler o artigo, acesse

DEVEZAS, T. Aeronautics and COVID-19: a reciprocal cause-and-effect phenomenon. J. Aerosp. Technol. Manag. [online]. 2020, vol. 12, e3420. ISSN: 2175-9146 [viewed 11 August 2020]. DOI: 10.5028/jatm.v12.1183. Available from: http://ref.scielo.org/4vfms7

Links externos

Journal of Aerospace Technology and Management – JATM: <http://www.scielo.br/jatm>

 

Sobre Tessaleno Devezas

Doutor em Engenharia de Materiais pelo Institut für Werkstoffwissenschaften der Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg, Erlangen, Alemanha. Professor associado da Atlântica, Escola de Ciências de Gestão, Saúde, TI & Engenharia e membro da unidade de pesquisa nº 151 C-MAST (Centro de Ciência e Tecnologias Mecânicas e Aeroespaciais – Fundação Portuguesa de Ciência e Tecnologia – FCT). Principais interesses de pesquisa: engenharia de materiais, previsão tecnológica, estudos futuros, ondas longas socioeconômicas, economia evolutiva, evolução tecnológica, teoria e dinâmica da inovação, sistemas adaptativos complexos e novos materiais.

 

Sobre Viviane Gonçalves

mestre em Ciência, Gestão e Tecnologia da Informação pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (2011). Tem experiência em produção editorial e na área de Ciência da Informação/ Educação, atuando nas seguintes áreas: coordenação de Editora Universitária, bases de dados bibliográficas, periódicos científicos, técnicas de recuperação da informação, produção editorial, normalização de originais para publicação. Atualmente presta consultoria em serviços editoriais.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

DEVEZAS, T., and GONÇALVES, V. Perspectivas e cenários no setor aéreo durante e pós pandemia da COVID-19 [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2020 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2020/08/28/perspectivas-e-cenarios-no-setor-aereo-durante-e-pos-pandemia-da-covid-19/

 

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