Inquéritos nacionais de saúde: é possível comparar Brasil e Inglaterra?

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Logo do periódico Ciência & Saúde Coletiva

Apresenta-se uma resenha do artigo “Saúde e pesquisas domiciliares no Brasil e Inglaterra: a Pesquisa Nacional de Saúde e a Health Survey for England” que faz parte de uma edição especial sobre a Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2019 no país. Os autores, Marques e Johansen (2021) fazem um estudo comparativo, o que não é casual, porque ambos têm sistemas de saúde robustos, gratuitos e de cobertura universal. E, a despeito das particularidades do National Health Service (NHS) inglês e do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, ambos vivem um contexto de crise de financiamento cada vez mais aguda, o que repercute na qualidade dos serviços oferecidos à população.

A realização de inquéritos nacionais de saúde ocorre desde ao menos a década de 1960 em países de alta renda, sendo mais recente em países de renda média e baixa. Visando a subsidiar o planejamento, o monitoramento e a avaliação de políticas públicas em saúde (PINTO et al, 2021), essas pesquisas abordam a percepção do estado de saúde, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, consumo de frutas, medidas antropométricas, hipertensão arterial, colesterol alto, problemas renais e problemas respiratórios. Na Inglaterra, recentemente foram incluídas questões como posse de planos de saúde e orientação sexual. O Brasil também inseriu os temas da orientação sexual e da violência interpessoal, além de manter perguntas que abarcam fenômenos importantes como saúde materna.

A transição demográfica, em que prevalecem baixas taxas de mortalidade e de natalidade, é um dos fenômenos centrais da mudança populacional na sociedade moderna. No Brasil, esse processo ocorreu ao longo do século XX, acelerando-se a partir dos anos 1950 em conjunção com a rápida urbanização e apresentando resultados impressionantes. Entre 1950 e 2010, a taxa de fecundidade total (TFT) – que compreende o número médio de filhos que uma mulher terá ao longo de sua vida reprodutiva – declinou rapidamente, passando de 6,2 para 1,9. A taxa de mortalidade infantil, importante indicador de desenvolvimento, caiu de 135 para 16,2 por 1.000 nascidos vivos e a expectativa de vida passou de 45,5 para 73,5 anos no período. A razão de dependência – quociente entre a população de menores de 15 anos de idade e os de 60 anos e mais – mais que dobrou entre 1950 e 2019, indo de 8,0% para 16,6%, pressionando o sistema previdenciário e de saúde com demandas relacionadas a doenças crônicas, mais presentes no envelhecimento.

Imagem: Luiz Felipe Pinto. Acervo pessoal.

Na Inglaterra, a transição demográfica se iniciou no final do século XIX, com quedas paulatinas de mortalidade e fecundidade. Os dados mostram que a média de filhos por mulher passaram de 6,0 filhos na década de 1870, ao nível de reposição (2,1) na década de 1930. Entre 1930 e 1970 as taxas de fertilidade oscilaram em decorrência de mudanças sociais e econômicas vivenciadas no período entre a 2ª Guerra Mundial e a recuperação dos países nela envolvidos. A fecundidade apresentou, a partir de então, uma queda significativa, tendo oscilado entre 1,6 e 1,9 durante as décadas de 1980 e 2010. A mortalidade no país também apresentou quedas a partir da segunda metade do século XIX, de modo que a expectativa de vida ao nascer, de 41 anos em 1841, passou para 50 anos no início do século XX, e chega hoje a 81 anos.

Embora ambos os países se encontrem em estágios avançados de transição da fecundidade, suas estruturas etárias indicam importantes diferenças na velocidade e tempo da transição demográfica. A Inglaterra tem uma população envelhecida, com menor número de crianças em relação ao Brasil e seus dados de saúde tendem hoje à estagnação. Aumentou a mortalidade de pessoas com 90 anos e mais, em função de doenças mentais e comportamentais; cresceu a pobreza infantil e há uma reversão na queda de mortalidade infantil em áreas mais pobres; reduziu-se a queda nas taxas de mortalidade por doenças circulatórias; aumentaram as mortes por overdoses de drogas e álcool e por enfermidades relacionadas a alcoolismo, suicídios. E há um incremento da diferença de expectativa de vida entre os ricos e os pobres.

O Brasil, ao longo do século XX passou por uma transição epidemiológica considerada como incompleta. Araújo (2012) aponta a concomitância do crescimento de doenças crônico-degenerativas, de enfermidades infecciosas e parasitárias como dengue e malária e excesso de óbitos por homicídio e acidentes de trânsito. Analisando o período entre 2012 e 2017, Hone et al. (2019) concluíram que, considerando gastos em saúde e programas de proteção social, houve aumento da mortalidade por neoplasias e doenças cardiovasculares, e de forma mais expressiva na população negra e nos homens entre 30 e 59 anos.

Dados sobre acesso aos serviços de saúde mostram que em 2019 a proporção de mulheres que realizou consultas médicas foi de 78,3% no país europeu e 82,3% no Brasil, e de homens, respectivamente 57,3% e 69,4%. No entanto, neste país, enquanto 67,6% dos que vivem com até ¼ de salário mínimo per capita buscaram atendimento médico, 89,6% dos que recebem cinco salários mínimos se consultaram no período. Os diferenciais de renda também repercutem na autoavaliação de saúde boa ou muito boa no Brasil: 55,5% entre os mais pobres e 86,4%, entre os mais ricos. Na Inglaterra, os dados de autoavaliação da saúde em 2019 não estão disponíveis por nível de privação, sendo que 74,6% da população teve autoavaliação boa e muito boa.

Em resumo, é importante dizer que a estruturação de sistemas de informação é fundamental para o acompanhamento das condições de vida e bem-estar da população, contanto que se levem em conta as especificidades dos contextos e das trajetórias históricas e socioeconômicas dos países.

Referências

ARAÚJO, J.D. Polarização epidemiológica no Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2012, vol. 21, no. 4, pp. 533-538.

HONE, T., et al. Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality: a longitudinal analysis of 5565 Brazilian municipalities. Lancet Global Health [online]. 2019, vol. 7, pp. 1575-1583 [viewed in 20 October 2021]. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30409-7. Available from: https://www.thelancet.com/journals/langlo/article/PIIS2214-109X(19)30409-7/fulltext

MARQUES, C. and JOHANSEN, I.C. Saúde e pesquisas domiciliares no Brasil e Inglaterra: a Pesquisa Nacional de Saúde e a Health Survey for England. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, vol. 26, no. 9, pp. 3943-3954 [viewed in 20 October 2021]. https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.02942021. Available from: http://ref.scielo.org/k6ptxn

PINTO, L.F., MEIRA, K.C. and CARVALHO, A.A. Pesquisa Nacional de Saúde (PNS-2019): resgate da atenção primária à saúde. Ciência & Saúde Coletiva [online].2021, vol. 26, no. 9, pp. 3940 [viewed in 20 October 2021]. https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.10232021. Available from: http://ref.scielo.org/h44kzm

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MARQUES, C. and JOHANSEN, I.C. Saúde e pesquisas domiciliares no Brasil e Inglaterra: a Pesquisa Nacional de Saúde e a Health Survey for England. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, vol. 26, no. 9, pp. 3943-3954 [viewed in 20 October 2021]. https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.02942021. Available from: http://ref.scielo.org/k6ptxn

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MINAYO, M. C. S. and GUALHANO, L. Inquéritos nacionais de saúde: é possível comparar Brasil e Inglaterra? [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2021 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2021/10/20/inqueritos-nacionais-de-saude-e-possivel-comparar-brasil-e-inglaterra/

 

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