Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe, Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Luiza Gualhano, Editora assistente, Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
O Brasil tem uma das maiores produções de commodities agrícolas no mundo e ocupa, desde 2008, em volume de produto, o primeiro lugar no consumo de agrotóxicos. Esse uso, considerado por ambientalistas e profissionais de saúde como excessivo, traz consequências para a saúde humana e animal, o ambiente e os ecossistemas como um todo (MENDES, et al, 2019). É sobre esse assunto que trata o artigo Exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil: revisão de escopo (vol. 30, no. 5, 2025), publicado pelo periódico Cienência & Saúde Coletiva e escrito por Moraes e Gouveia.
A avaliação da exposição humana aos agentes tóxicos é um tema controverso no Brasil e no mundo, que costuma encobrir muitos interesses (OGA, CAMARGO and BATISTUZZO, 2014). O problema é que não há um método único e universal que seja capaz de indicar se a exposição a todo e qualquer um dos elementos químicos usados para controlar e eliminar pragas é inofensivo, efetivo e eficaz (BRASIL, 2017; 2018).
Na agricultura brasileira, os agrotóxicos mais utilizados são os que possuem maiores doses de cloro (organoclorados), de fósforo (organofosforados), carbamatos, que envolvem a inibição de uma enzima importante no sistema nervoso, e os piretróides, uma classe de inseticidas sintéticos desenvolvidos para imitar as características das piretrinas naturais extraídas de flores de piretro.

Imagem: Arjun MJ via Unsplash
De alguma forma, todos possuem combinações químicas que contaminam o ambiente, as terras, as águas, os animais e os seres humanos. Essas combinações incluem arsênio, cádmio, cromo, manganês, níquel e chumbo, todos metais pesados. Apesar de todos esses elementos serem encontrados na natureza, eles produzem efeitos nocivos quando quimicamente são associados e transformados nos chamados defensivos agrícolas, e, em menor escala, industriais (OGA, CAMARGO and BATISTUZZO, 2014).
De acordo com seus componentes, os agrotóxicos podem causar efeitos agudos e crônicos na saúde humana, como alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, cardiovasculares, geniturinários, endócrinos, reprodutivos, neurológicos, musculares, de pele e olhos, neoplasias, alterações hematológicas, transtornos mentais, malformações físicas e problemas funcionais, cognitivos ou genéticos em fetos e bebês (CARNEIRO, et al, 2015).
Para saber se uma pessoa está contaminada, as avaliações são feitas por meio de exames de urina, sangue e cabelo, sendo o exame de cabelo o mais simples e de maior eficácia por reter os efeitos de toxicidade por mais tempo (OLIVEIRA-SILVA, 2003).
De acordo com estudos do Ministério da Saúde, no ano de 2017 foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos no Brasil, quase — 11 por dia —, 164 pessoas morreram em decorrência do contato, 157 ficaram incapacitadas para o trabalho e várias delas evoluíram para algum tipo de doenças crônicas como o câncer (BRASIL, 2018).
Além dos trabalhadores que manipulam diretamente tais produtos tóxicos, as pessoas mais vulneráveis são crianças de 0 a 14 anos e gestantes. Em gestantes, pode haver contaminação do feto pela placenta e, posteriormente, pela amamentação. A exposição por agrotóxicos pode também acarretar alterações bioquímicas no organismo humano, tais como variações nas atividades hormonais, nos parâmetros oxidativos, na ativação ou inibição enzimática e ocasionar danos ao DNA (CASTRO-CORREIA and FONTOURA, 2014).
Entre 2010 e 2019, foram notificados 3.750 casos de crianças de 0 a 14 anos intoxicadas com agrotóxicos no Brasil. Dentre elas, 542 eram bebês de 0 a 12 meses. Estudos com adolescentes de 10 a 11 anos de idade demonstraram maior efeito de exposição dos que nos de 12 a 18 anos numa mesma localidade. Os ambientes, os animais, as crianças e os trabalhadores mais afetados estão, predominantemente, em zonas rurais, onde os referidos agrotóxicos são utilizados em larga escala para cultivo de alimentos (BOMBARDI, 2021).
Uma observação final sobre a situação das crianças: precisamos levar a sério os efeitos maléficos dos agrotóxicos, para não termos uma geração de doentes crônicos ou de mortes precoces por razões econômicas e políticas evitáveis nas áreas agrícolas, seja por ignorância, má fé, sede de lucro ou de poder. O ambiente, as águas, os animais, os peixes, as crianças e os trabalhadores agradecem!
Para ler a edição temática completa acesse
Ciência & Saúde Coletiva, vol. 30, no. 5, 2025
Para ler o artigo completo, acesse
MORAES, G.C. and GOUVEIA, N. Exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil: revisão de escopo. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2025, vol. 30, no. 5, e15052023, ISSN: 1413-8123 [viewed 26 June 2025]. https://doi.org/10.1590/1413-81232025305.15052023. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/KwfTRDCwvtP8cVyWXMYjSTB
Referências
BOMBARDI, L.M. Geography of Asymmetry: the vicious cycle of pesticides and colonialism in the commercial relationship between Mercosur and the European Union. Belgique: The Left in the European Parliament; 2021
Carneiro F.F., et al. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO Livros 2015
CASTRO-CORREIA, C. and FONTOURA, M. A influência da exposição ambiental a disruptores endócrinos no crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes. Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo [online]. 2015, vol. 10, no. 2, pp. 186-192 [viewed 26 June 2025]. https://doi.org/10.1016/j.rpedm.2014.10.002. Available from: https://www.elsevier.es/es-revista-revista-portuguesa-endocrinologia-diabetes-e-356-articulo-a-influencia-da-exposicao-ambiental-S1646343914000674
Diretrizes nacionais para a vigilância em saúde de populações expostas a agrotóxicos [online]. Bvsms. 2017 [viewed 26 June 2025]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_vigilancia_populacoes_expostas_agrotoxicos.pdf
MENDES, C.R.A., et al. Agrotóxicos: principais classificações utilizadas na agricultura brasileira – uma revisão de literatura. Revista Maestria. 2019, vol. 17, pp. 95-107
OGA, S., CAMARGO, M.M.A. and BATISTUZZO, J.A.O. Fundamentos de toxicologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2014
OLIVEIRA-SILVA, J.J., ALVES, S.R. and ROSA, H.V.D. Avaliação da exposição humana a agrotóxicos. In: PERES, F. and MOREIRA, J.C. (ed.) É veneno ou é remédio? agrotóxicos, saúde e ambiente. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003
Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos [online]. Gov. 2018 [viewed 26 June 2025]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/agrotoxicos/agrotoxicos_otica_sistema_unico_saude_v1_t-1.pdf/view
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