Crianças expostas à inalação de agrotóxicos têm mais chances de desenvolver câncer

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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O artigo Exposição a agrotóxicos e o risco de tumores do Sistema Nervoso Central em crianças: revisão sistemática com metanálise de Mota et al. escrito na edição 28.9.2023 da Ciência & Saúde Coletiva conduz o leitor ao triste mundo do adoecimento e morte de crianças por câncer, num tempo em que os índices de mortalidade infantil no Brasil vão cada vez mais diminuindo.

O texto trata de tumores malignos ou não malignos do sistema nervoso central associados à inalação de agrotóxicos. No Brasil, esse tipo de adoecimento representa 20% de todas as neoplasias da infância, com um pico de incidência entre 1 e 4 anos de idade (Brasil, 2010), sendo os tipos mais frequentes: leucemia, linfomas e outros tumores com grande capacidade de metástase.

A identificação da exposição a agrotóxicos de forma direta (uso para controle de pragas na residência) ou indireta (relacionada à atividade profissional dos pais) vem sendo investigada e alguns estudos mostram uma possível relação com o desenvolvimento de tumores do sistema nervoso central em crianças (Koob et al, 2014).

São considerados agrotóxicos os herbicidas usados contra ervas daninhas; os inseticidas e larvicidas para matar insetos; os formicidas para eliminar formigas; os acaricidas para acabar com as pragas nas plantas; os carrapaticidas para eliminar os carrapatos de animais; os fungicidas para acabar com os fungos; os raticidas para combater os ratos e os avicidas para controle de algumas aves comedoras de sementes, dentre outros (Wijingaarden et al., 2003). 

No caso da exposição ocupacional dos pais, o Instituto Nacional do Câncer (Brasil, 2018) tem alertado que os agrotóxicos oferecem risco não apenas para os trabalhadores, mas também para os familiares e vizinhos que moram próximos aos locais de sua aplicação. Além de haver outras vias de exposição como ingestão de água e alimentos contaminados. A investigação dos referidos fatores de risco ambientais tornou-se relevante para consolidar e reconhecer a veracidade dos conhecimentos que há muito vêm sugerindo a possível relação do desenvolvimento de tumores do sistema nervoso central com o uso de agrotóxicos. 

Realizada por meio de rigorosa revisão sistemática, a pesquisa de Mota et al. (2023) mostra evidência da associação entre o desenvolvimento de astrocitomas e a exposição a todas as classes de pesticidas. Importante esclarecer que o local de exposição principal detectado foi a residência das crianças com tumor, em 71% dos casos. A exposição a pesticidas durante a gravidez apresentou uma chance aumentada em 28% das pesquisas. Um dos estudos apontou uma chance maior de desenvolvimento de tumores em crianças quando a mãe e o pai estão expostos (Maele-Fabry, 2013).

Os dois tipos mais comuns de câncer associado a agrotóxicos são os astrocitomas e os neoroendócrinos neuropáticos. Astrocitomas são tumores cerebrais e da medula espinhal que se desenvolvem a partir de células em forma de estrela. Podem ou não ser cancerígenos.

Em geral essa doença provoca convulsão, problemas cognitivos, fraqueza em braços ou pernas, alteração visual e problemas de fala. Os tumores neuroendócrinos são formados a partir de células que produzem substâncias que atuam no controle hormonal e na regulação das funções vegetativas (digestão, pressão arterial, glicemia e outras), reguladas principalmente pelo sistema nervoso autônomo do corpo.

A síntese das evidências deste estudo sugere uma chance maior para o desenvolvimento de astrocitomas em crianças expostas a todas as classes de pesticidas, sobretudo quando a exposição ocorre antes e durante a gravidez. O carbamato e o organofosfato são inseticidas que têm a capacidade de passar pela barreira transplacentária e expor o feto (Ostrea et al., 2009; Almeida et al., 2021). Embora seja necessário levar em conta também que fatores genéticos e ambientais representam um papel importante na etiologia do câncer.

De qualquer forma, o estudo conclui que é preciso diminuir a utilização desenfreada de agrotóxicos seja no uso ambiental seja dentro das residências.

Referências

ALMEIDA, W., et al. Agrotóxicos. Cad. Saúde Pública [online]. 1985, vol. 1, no. 2, pp. 220-249 [viewed 25 October 2023]. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1985000200008. Available from: https://www.scielo.br/j/csp/a/fqHFphQtcS6JYcNmjYjhvzq/

BRASIL. Instituto Nacional de Câncer. Vigilância do câncer relacionado ao trabalho e ao ambiente. Rio de Janeiro: INCA, 2010.

BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Tumores do Sistema Nervoso Central em crianças. Rio de Janeiro: INCA, 2018.

KOOB, M. and GIRARD, N. Cerebral tumors: specific features in children. Diagn Interv Imaging [online]. 2014, vol. 95, no. 10, pp. 965-983 [viewed 25 October 2023]. https://doi.org/10.1016/j.diii.2014.06.017. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25150727/

MAELE-FABRY, G.V., HOET, P. and LISON, D. Parental occupational exposure to pesticides as risk factor for childhood and young adults brain tumors: a systematic review and meta-analysis. Environ Int [online]. 2013, vol. 56, pp. 19-31 [viewed 25 October 2023]. https://doi.org/10.1016/j.envint.2013.02.011. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23567326/

OSTREA, E.M., et al. Combined analysis of prenatal (maternal hair and blood) and neonatal (infant hair, cord blood and meconium) matrices to detect fetal exposure to environmental pesticides. Environ Res. [online]. 2009, vol. 109, no. 1, pp. 116-122 [viewed 25 October 2023]. https://doi.org/10.1016%2Fj.envres.2008.09.004. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2675278/

WIJINGAARDEN, E.V., et al. Parental Occupational Exposure to Pesticides and Childhood Brain Cancer. Am J Epidemiol [online]. 2003, vol. 157, no. 11, pp. 989-997 [viewed 25 October 2023]. https://doi.org/10.1093/aje/kwg082. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12777362/

Para ler o artigo, acesse

MOTA, A.L.C., et al. Exposição a agrotóxicos e risco de tumores do Sistema Nervoso Central em crianças: revisão sistemática com metanálise. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2023, vol. 28, no. 9 [viewed 25 October 2023]. https://doi.org/10.1590/1413-81232023289.00262023. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/pgMjxmJ435HZ8RGG4Fn8DSR/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

MINAYO, M.C.S. and GUALHANHO, L. Crianças expostas à inalação de agrotóxicos têm mais chances de desenvolver câncer [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2023 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2023/10/25/criancas-expostas-a-inalacao-de-agrotoxicos-tem-mais-chances-de-desenvolver-cancer/

 

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