Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe, Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Luiza Gualhano, Editora assistente, Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
O artigo Violência por parceiro íntimo e ideação suicida em gestantes do sul do Brasil escrito por Miranda, et al. (2025) na edição temática vol. 30, no. 8 do periódico Ciência & Saúde Coletiva destaca a situação do sul do país, mas também traz uma ampla bibliografia referendando os dados locais. Por meio do questionário (PHQ-9) os autores avaliaram a situação de 389 gestantes de 20 a 30 anos de idade e descobriram que muitas grávidas ou gestantes queriam desistir de viver por causa da violência continuada que vivenciavam nas relações com seus parceiros íntimos.
Teoricamente, a ideação, a tentativa e consumação do suicídio ocorrem por muitos fatores, dentre os quais, socioculturais, históricos, psicossociais e ambientais, trazendo sofrimento tanto para as vítimas, quanto para as pessoas que convivem com elas (Brasil, 2017). Mas nessa etapa da vida da mulher que representa a gravidez, o parto e o pós-parto, a violência do parceiro íntimo (VPI) contra ela traz muitas e duradouras consequências.
Durante a gravidez, o suicídio é considerado uma das principais causas de morte materna. Segundo Lindahl, et al. (2005), esse triste evento é responsável por até 20% dos óbitos pós-parto, sendo a depressão associada à violência conjugal um fator significativo, responsável por aumentar os episódios de autodestruição tanto na gestação quanto após o nascimento do bebê.
Nessas duas fases, estudos populacionais apontam taxas de ideação de 5% a 14%, avaliadas por uma escala internacionalmente reconhecida. No presente artigo, a prevalência de ideação entre as entrevistadas foi de 7,4%, corroborando com uma pesquisa desenvolvida na China, a qual mostrou que 6,7% das gestantes apresentavam ideação suicida (Zhang, et al., 2022).
Revisão sistemática e meta-análise incluindo estudos em diferentes países encontraram prevalência de 10% de ideação suicida em mulheres durante a gestação (Xiao, et al., 2022). Chama atenção uma pesquisa realizada na Etiópia, segundo a qual, 18,8% das gestantes reportaram ideação suicida, sendo 13,3% delas no último mês anterior à entrevista (Ethiopia, 2021). Essas prevalências são superiores às encontradas na população brasileira de acordo com Faisal-Cury, et al. (2022), que, ao analisar gestantes entrevistadas na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, encontraram um percentual de 3,9%.

Imagem: Andreia Cunha via Unsplash
No estudo que aqui se apresenta (Miranda, et al., 2025), os autores mostram que 13,6% das mulheres sofreram violência provocada por parceiros íntimos antes e depois do parto e 7,4% delas relataram ideação suicida. As que haviam sofrido agressões de parceiros tinham 2,44 vezes mais pensamentos autodestrutivos.
O tema aqui tratado é de uma importância indescritível. O que primeiro se evidencia é que a violência do parceiro intimo contra sua companheira — em que pese todo o esforço de décadas do movimento feminista — continua a fazer parte da mentalidade de boa parte dos homens quando desrespeitam e objetificam a mulher e exercem sua capacidade de destruí-la. A ignorância é tamanha que ao fazê-lo, prejudicam de uma só vez a mãe e o bebê, pois a mulher que traz em seu ventre uma criança, torna-se responsável pelo seu desenvolvimento físico e emocional desde a concepção. Mas essa responsabilidade é compartilhada no ambiente em que ela vive.
O bebê na barriga da mãe participa e sofre do seu sofrimento e traz, ao nascer, marcas de rejeição, dor e desesperança que, frequentemente o acompanham por toda a vida. Claro que não há um determinismo entre os momentos iniciais da vida e sua evolução. No entanto, cada vez mais, os estudiosos encontram traços do sofrimento passado em presentes desalentadores. Também é evidente que muitas mulheres sofrem depressão pós-parto, independentemente das relações conjugais. Mas sabe-se que hoje 35% das doenças físicas e do sofrimento mental que as levam aos consultórios estão associadas às violências que sofrem (Schraiber, et al., 2010).
Essas reflexões nos retornam a uma frase muito simples da Organização Mundial de Saúde (OMS) que assim define o tema de sua missão: saúde como um complexo de bem-estar físico, mental e social. Esse conceito visa pautar a conduta coletiva e dos indivíduos, irmanando-os não só nos cuidados com o corpo biológico, mas também com a sanidade mental e com saudáveis relações sociais entre iguais, diferentes no interior das famílias e entre todos (WHO, 2022).
Para ler a edição temática completa acesse
Ciência & Saúde Coletiva, vol. 30, no. 8, 2025
Para ler o artigo completo, acesse
MIRANDA, V.I.A., et al. Violência por parceiro íntimo e ideação suicida em gestantes do sul do Brasil. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2025, vol. 30, no. 8, e05532024 [viewed 29 September 2025]. https://doi.org/10.1590/1413-81232025308.05532024. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/jxTBrN8ptbZ4g78ZTJkBDDG
Referências
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