Saúde da Mulher: dor crônica e funcionalidade de sobreviventes de câncer de mama

Rubia Carolina Farias Santos, Assistente Editorial, Fisioterapia em Movimento, PUCPR, Curitiba, PR, Brasil.

Logo do periódico Fisioterapia em Movimento.Importante problema de saúde pública, o câncer de mama foi um dos mais incidentes mundialmente em 2020 (GLOBOCON), sendo previstos para o Brasil 66.280 novos casos no biênio 2020/2022 (DENIG, L.A. et al.). Segundo o Instituto Nacional de Câncer, os tratamentos podem ser divididos em local (cirurgia e radioterapia, além de reconstrução mamária) e sistêmico (quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica). A abordagem terapêutica, contudo, varia de caso a caso. Atualmente, busca-se pela individualização do tratamento (SLEDGE, G.W. et al.).

Apesar dos bons índices de cura quando diagnosticado precocemente (SOUZA, D), os tratamentos para o câncer de mama podem causar efeitos colaterais adversos. Além de implicações significativas em relação à imagem corporal e sexualidade (SHEPPARD, L.A., ELY, S.), os tratamentos podem causar várias complicações que, isoladas ou em conjunto, mudam os padrões de movimento dos membros superiores e podem levar à dor crônica e redução da funcionalidade, afetando a qualidade de vida e atividades de vida diária.

Sabe-se que o exercício físico traz benefícios importantes para pacientes com câncer de mama, principalmente no que concerne a limitação de movimentos da cintura escapular e dos membros superiores (PRADO, M.A.S. et al.). O tipo, a frequência, a intensidade e a duração ideal dos exercícios ainda não estão suficientemente claros, bem como seus efeitos em combinação com outras modalidades (MÖLLER, U.O. et al.; MONTAÑO-ROJAS,  L.F. et al.), mas acredita-se que a associação de duas técnicas possa levar a maiores benefícios.

Técnicas como a cinesioterapia, alongamento, fortalecimento e exercício de controle neuromuscular podem aumentar a mobilidade e reduzir a dor no ombro (MÖLLER, U.O. et al.).  Além disso, a cinesioterapia tem mostrado efeitos positivos na redução da dor crônica e na melhora da funcionalidade dos membros superiores (MÖLLER, U.O. et al.; GIACALONE, A et al.).

Já a reorganização miofascial é uma terapia manual que tem como objetivo influenciar os receptores na fáscia, restaurando a integridade dos tecidos (SINHORIM, L. et al.). Desta forma, pode aumentar a amplitude e a qualidade dos movimentos e reduzir a dor (LEWIT, K., OLSANKA, S.; DE GROEF, A. et al.; CASTRO-MARTÍN, E., et al.).

Ilustração vetorizada. Fundo em tom bege bem claro. Duas figuras humanas, uma de costas e outra de frente, elas estão com o braço erguido como se estivessem se cumprimentando. As duas estão dispostas vericalmente na imagem e têm a mesma aparência: cabelo azul, pele rosa, blusa de manga comprida amarela e calça bege. No centro uma flor vermelha que tem a altura das pessoas e folhas verdes no caule.

Imagem: United Nations COVID-19 Response Creative Content Hub / Daniel Barreto.

Levando em consideração estes achados, autores da Universidade do Estado de Santa Catarina, Universidade do Sul de Santa Catarina e Ulm University (CUNHA, N.S. et al.) desenvolveram um protocolo de estudo para verificar se a reorganização miofascial associada à cinesioterapia é mais eficaz do que a cinesioterapia isolada no tratamento da dor crônica e disfunção do membro superior em sobreviventes de câncer de mama.

O protocolo propõe que as participantes sejam divididas em grupo intervenção (reorganização miofascial + cinesioterapia) e grupo sham (massagem tradicional + cinesioterapia) e que sejam  realizadas seis sessões de tratamento, sendo uma por semana com duração de 40 minutos cada. Para o grupo intervenção, o protocolo de reorganização miofascial, de 20 minutos, será realizado usando uma abordagem adaptada (SINHORIM, L. et al.) com técnicas que enfatizem a carga de cisalhamento, tração e compressão. Logo em seguida, as participantes devem ser submetidas a um protocolo de cinesioterapia de 20 minutos, consistindo de exercícios de alongamento, fortalecimento, controle e estabilização do complexo do ombro.

Os autores acreditam que a associação da reorganização miofascial com a cinesioterapia possa gerar uma melhora na dor crônica e funcionalidade de sobreviventes que tenham passado por cirurgia de câncer de mama, que tenham completado o ciclo de quimioterapia e/ou radioterapia, que apresentem dor no quadrante superior afetado pela cirurgia por, pelo menos, três meses e que apresentem uma pontuação de 30 no questionário DASH (Deficiências do braço, ombro e mão). Da mesma forma, acreditam que a técnica de reorganização miofascial possa ser rotineiramente incluída na prática clínica desde as estapas iniciais do processo de reabilitação.

Este artigo faz parte da Edição Especial em Saúde da Mulher, publicada pela revista Fisioterapia em Movimento, que contém estudos vinculados à uroginecologia, obstetrícia e oncologia (mamária e ginecológica).

A pesquisa em saúde da mulher é imprescindível para entender o impacto que sexo e gênero têm em várias doenças e na saúde em geral (OCRC, 2022). Segundo o National Institutes of Health, devido as suas diferenças cromossômicas e hormonais, as mulheres são mais propensas a sofrer de depressão como resultado da puberdade, gravidez e menopausa. Da mesma forma, a osteoporose é mais comum em mulheres por apresentarem menos tecido ósseo do que os homens e experimentarem uma rápida fase de perda óssea devido a alterações hormonais na menopausa.

Sabe-se também que as mulheres são culturalmente mais propensas a procurar tratamento para problemas de saúde. Apesar das diferenças significativas entre os sexos, as mulheres não foram incluídas adequadamente na pesquisa em saúde por anos. Felizmente, este cenário tem mudado e cada mez mais pesquisas têm sido realizadas tendo este público como foco.

Referências

CASTRO-MARTÍN, E., et al. Myofascial induction effects on neck-shoulder pain in breast cancer survivors: randomized, single-blind, placebo-controlled crossover design. Arch Phys Med Rehabil [online]. 2017, vol. 98, no. 5, pp. 832-40 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.1016/j.apmr.2016.11.019. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0003999316313132

DE GROEF, A., et al. Effect of myofascial techniques for treatment of persistent arm pain after breast cancer treatment: randomized controlled trial. Clin Rehabil [online]. 2018, vol. 32, no. 4, pp. 451-61 [viewed 10 October 2022].  https://doi.org/10.1177%2F0269215517730863. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0269215517730863

DENIG, L.A., et al. Effects of belly dancing intervention on sexual function and body image in breast cancer patients undergoing hormone therapy – randomized clinical trial.  Fisioter. Mov. [online]. 2022, vol. 35, Ed Esp, e35602 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.1590/fm.2022.35602. Available from: https://www.scielo.br/j/fm/a/QHm3cVt4ZJNphP95ZJqXLpx/

GIACALONE, A., et al. The physiotherapy intervention for shoulder pain in patients treated for breast cancer: systematic review. Cureus [online]. 2019, vol. 11, no. 12, e6416 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.7759/cureus.6416. Available from: https://www.cureus.com/articles/24255-the-physiotherapy-intervention-for-shoulder-pain-in-patients-treated-for-breast-cancer-systematic-revie

GLOBOCAN. Cancer Facts Sheets: Breast Cancer. Lyon, França: International Agency for Reseacrh on Cancer; 2020 [viewed 10 October 2022]. Available from: https://gco.iarc.fr/today/data/factsheets/cancers/20-Breast-fact-sheet.pdf

INCA. Ações de controle do câncer de mama: tratamento. 2021 [viewed 9 September 2022]. Available from: https://www.inca.gov.br/controle-do-cancer-de-mama/acoes-de-controle/tratamento

LEWIT, K. and OLSANSKA, S. Clinical importance of active scars: abnormal scars as a cause of myofascial pain. J Manipulative Physiol Ther [online]. 2004, vol. 27, no. 6, pp. 399-402 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.1016/j.jmpt.2004.05.004. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0161475404000995

MÖLLER, U.O., et al. A comprehensive approach to rehabilitation interventions following breast cancer treatment – a systematic review of systematic reviews. BMC Cancer [online]. 2019, vol. 19, no. 1, pp. 472 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.1186/s12885-019-5648-7. Available from: https://bmccancer.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12885-019-5648-7

MONTAÑO-ROJAS, L.S., et al. Resistance training in breast cancer survivors: A systematic review of exercise programs. Int J Environ Res Public Health [online]. 2020, vol. 17, no. 18, pp. 6511 [viewed 10 October 2022].  https://doi.org/10.3390/ijerph17186511. Available from: https://www.mdpi.com/1660-4601/17/18/6511

NIH National Institutes of Health. How SEX and GENDER Influence Health and Disease. [viewed 10 October 2022]. Available from: https://orwh.od.nih.gov/sites/orwh/files/docs/SexGenderInfographic11x17_508_Final_2.pdf

OCRC Orlando Clinical Research Center. Understanding the Importance of Women’s Health Research. 2022 [viewed 10 October 2022]. Available from: https://ocrc.net/understanding-the-importance-of-womens-health-research/

PRADO, M.A.S., et al. A prática da atividade física em mulheres submetidas à cirurgia por câncer de mama: percepção de barreiras e benefícios. Rev Latino-Am Enfermagem [online]. 2004, vol. 12, no. 3, pp. 494-502 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.1590/S0104-11692004000300007. Available from: https://www.scielo.br/j/rlae/a/tLtXsZscZ4DMjctz9ZwkcZQ/

SHEPPARD, L.A. and ELY, S. Breast cancer and sexuality. Breast J [online]. 2008, vol. 14, no. 2, pp. 176-181 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.1111/j.1524-4741.2007.00550.x. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1524-4741.2007.00550.x

SINHORIM, L., et al. Acute effect of myofascial reorganization of the trapezius muscle in peripheral muscle oxygenation in asymptomatic subjects – a case series. Man Ther Posturology Rehabil J [online]. 2019, vol. 17, pp. 739 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.17784/mtprehabjournal.2019.17.739. Available from: https://submission-mtprehabjournal.com/revista/article/view/852

SLEDGE, G. W., et al.  Past, present, and future challenges in breast cancer treatment. J Clin Oncol [online]. 2014, vol. 32, no. 19, pp. 1979–1986 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.1200/jco.2014.55.4139. Available from: https://ascopubs.org/doi/10.1200/JCO.2014.55.4139

SOUZA, D. Câncer de mama tem 90% de taxa de cura quando diagnosticado precocemente. Correio Braziliente, 2021 [viewed 10 October 2022]. Available from:  https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/10/4957204-cancer-de-mama-tem-90-de-taxa-de-cura-quando-diagnosticado-precocemente.html

Para ler o artigo, acesse

CUNHA, N.S., et al. Effects of myofascial reorganization associated with kinesiotherapy on chronic pain and functionality of breast cancer survivors: development of a study protocol. Fisioter. mov. [online]. 2022, vol. 35, Spec Iss, e35609 [viewed 10 October 2022]. https://doi.org/10.1590/fm.2022.35609. Available from: https://www.scielo.br/j/fm/a/yqDC4gJbvDWCK45tcmBBmDw/

Links externos

Fisioterapia em Movimento: https://periodicos.pucpr.br/index.php/fisio/index

Fisioterapia em Movimento – FM: https://www.scielo.br/fm/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SANTOS, R.C.F. Saúde da Mulher: dor crônica e funcionalidade de sobreviventes de câncer de mama [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2022 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2022/10/10/saude-da-mulher-dor-cronica-e-funcionalidade-de-sobreviventes-de-cancer-de-mama/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation