Mesmo em queda, o aborto ainda é um problema de saúde pública no Brasil

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Logo do periódico Ciência & Saúde ColetivaA Revista Ciência & Saúde Coletiva, em sua edição 28.6.2023 apresenta, em destaque, o artigo National Abortion Survey – Brazil, 2021, de Debora Diniz e colaboradores sobre a situação do aborto no Brasil. Esse texto reúne dados de uma Pesquisa Nacional (PNA 2021), coordenada por ela e realizada com uma amostra representativa de 2.000 mulheres de 18 a 39 anos, residentes em áreas urbanas e selecionadas aleatoriamente. O estudo foi feito por meio de dois tipos de questionários estruturados: o primeiro realizado face-a-face, e o segundo, autoadministrado e os resultados foram depositados numa urna.

O aborto continua a ser considerado um tabu e um crime em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, que permite o procedimento apenas em determinadas circunstâncias estabelecidas em lei. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2012; GANATRA et al, 2014), aproximadamente 55 milhões de casos de aborto ocorreram entre 2010 e 2014 no mundo, sendo 45% deles considerados inseguros.

A Organização Mundial de Saúde considera “aborto inseguro” o procedimento realizado para dar fim à gestação, realizado por pessoas sem a habilidade necessária ou em ambiente inadequado para se fazerem os procedimentos médicos, ou a conjunção das duas situações. É exatamente onde as leis sobre o tema são mais restritivas, ou seja, em países da África, Ásia e América Latina que concentram 97% dos abortos em condições inseguras.

A ilegalidade não impede a prática, ao contrário, quando feito de forma clandestina e por meios indevidos, o aborto é responsável pela perda de vidas e de lesões principalmente nas mulheres mais pobres e por aumento nos custos do sistema de saúde.

Diniz e sua equipe realizaram três pesquisas sobre esse tema no Brasil, todas publicadas na Ciência & Saúde Coletiva (DINIZ, MEDEIROS, 2010; DINIZ et al 2016; 2023). Foi possível, aos autores, comparar alguns dados das três investigações. Por exemplo, constatou-se na atual pesquisa que o aborto está em declínio.

Cerca de 10% das mulheres em 2021 disseram ter feito ao menos um aborto na vida, eram 15% em 2010 e 13% em 2016. Houve declínio também na proporção de mulheres hospitalizadas para finalizar o processo de abortamento (55% em 2010; 43% em 2021) e na proporção de mulheres que usaram medicamentos para abortar (48% em 2010). Essa queda refletida nos dados se deve ao declínio global da gravidez indesejada, inclusive nos países em desenvolvimento (BEARAK et al, 2018).

Em geral, o aborto é um evento que ocorre no início na vida reprodutiva das mulheres: a PNA 2021 constatou que 52% delas tinham 19 anos ou menos quando fizeram o primeiro. Estima-se que aproximadamente uma em cada sete mulheres (13%) teve um aborto aos 40 anos. Constatou também que 21% das mulheres haviam passado por dois ou três abortos. E apesar do maior acesso aos meios de contracepção, a PNA 2021 (DINIZ et al, 2023) encontrou que cada duas entre três grávidas (66%) que abortaram não haviam planejado a gravidez.

Além disso, não houve mudanças substanciais no perfil das mulheres que abortam. Ele abrange pessoas de todas as religiões, nível educacional, raça/etnia, classes sociais e regiões geográficas (Table 1). No entanto, os percentuais mais elevados desse evento, nas três pesquisas, foram encontrados entre as entrevistadas com menor escolaridade, negras, indígenas e residentes em regiões e locais mais pobres do país (CARDOSO et al, 2020). A conclusão é que, embora os dados indiquem queda, o aborto continua a ser um grave problema de saúde pública.

Referências

BEARAK J, et al. Global, regional, and subregional trends in unintended pregnancy and its outcomes from 1990 to 2014: estimates from a Bayesian hierarchical model. Lancet Global Health [online]. 2018, vol. 6, no. 4, e380-e389 [viewed 6 July 2023]. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30029-9. Available from: https://www.thelancet.com/journals/langlo/article/PIIS2214-109X(18)30029-9/

CARDOSO, B.B., VIEIRA, F.M.S.B. and SARACENI, V. Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? Cad. Saúde Pública [online]. 2020, vol. 36, suppl. 1, e00188718 [viewed 6 July 2023]. https://doi.org/10.1590/01002-311X00188718. Available from: https://www.scielo.br/j/csp/a/8vBCLC5xDY9yhTx5qHk5RrL/

DINIZ, D. and MEDEIROS, M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2010, vol. 15, suppl. 1, pp. 959-966 [viewed 6 July 2023]. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700002. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/pYSRDGw6B3zPsVJfDJSzwNt/

DINIZ, D., MEDEIROS, M. and MADEIRO, A. National Abortion Survey 2016. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2017, vol. 22, no. 2, pp. 653-660 [viewed 6 July 2023]. https://doi.org/10.1590/1413-81232017222.23812016. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/8LRYdgSMzMW4SDDQ65zzFHx/

GANATRA, B., et al. From concept to measurement: operationalizing WHO’s definition of unsafe abortion. Bull World Health Organization [online]. 2014, vol. 92, no. 3, pp. 155 [viewed 6 July 2023]. https://doi.org/10.2471%2FBLT.14.136333. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3949603/

Para ler o artigo, acesse

DINIZ, D., MEDEIROS, M. and MADEIRO, A. National Abortion Survey – Brazil, 2021. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2023, vol. 28, no. 6, pp. 1601-1606 [viewed 6 July 2023]. https://doi.org/10.1590/1413-81232023286.01892023. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/mDCFKkqkyPbXtHXY9qcpMqD/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

MINAYO, M.C.S. and GUALHANO, L. Mesmo em queda, o aborto ainda é um problema de saúde pública no Brasil [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2023 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2023/07/06/mesmo-em-queda-o-aborto-ainda-e-um-problema-de-saude-publica-no-brasil/

 

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