Por Maria Carolina Witkowski, Doutoranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação Saúde da Criança e do Adolescente, Porto Alegre, RS, Brasil
O processo da desospitalização de crianças e adolescentes com nutrição parenteral (NP) pode ser viável, seguro e efetivo por meio da capacitação quanto aos cuidados com NP domiciliar dirigido aos familiares cuidadores desses pacientes.
Esta foi a conclusão dos pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS), que buscaram avaliar a experiência de capacitação de familiares de crianças e adolescentes para os cuidados com a NP domiciliar de pacientes participantes do Programa de Reabilitação Intestinal de Crianças e Adolescentes de um hospital público universitário no Sul do Brasil entre julho de 2014 e janeiro de 2017. O estudo “Capacitação dos familiares de crianças e adolescentes para os cuidados com nutrição parenteral domiciliar”, publicado na Revista Paulista de Pediatria (vol. 37, no. 3), avaliou 27 familiares cuidadores de 17 pacientes em uso de NP e teve como critérios de inclusão familiares de crianças com idade entre 30 dias e 17 anos e previsão de uso de NP ≥ 8 semanas e familiares que demonstrassem motivação para os cuidados da criança. A capacitação contemplou: lavagem e higienização das mãos; manuseio da bomba de infusão; cuidados com cateter venoso central (CVC) e com solução de NP. Os desfechos avaliados foram: taxa de infecção de corrente sanguínea relacionada ao CVC, saída acidental do CVC, término da infusão da NP com atraso ou adiantamento maior que 60 minutos em relação ao previsto, obstrução mecânica, sangramento do sítio de inserção do CVC e óbito.
A falência intestinal é uma condição de má-absorção grave com demanda de nutrição artificial por via parenteral (EMEDO; GODFREY; HILL, 2010) e a primeira opção de tratamento para os pacientes que necessitam de NP por tempo prolongado é a NP domiciliar (BIELAWSKA; ALLARD, 2017).
A capacitação dos familiares de crianças durante um período de pelo menos duas a três semanas antes da alta hospitalar mostrou bons resultados nos países da Europa (EUROPEAN SOCIETY FOR PAEDIATRIC GASTROENTEROLOGY HEPATOLOGY AND NUTRITION, 2005; FRIEDMAN-GRUSZCZYŃSKA, et al., 2013 HUGHES, et al., 2015) e também proporcionou uma melhor transição dos cuidados hospitalares para os domiciliares (GRIFFIN; PICKLER, 2011). Em nosso estudo, os familiares das crianças e adolescentes com NP domiciliar realizaram a capacitação por período de pelo menos duas semanas de duração e receberam as bolsas para a infusão de NP prontas para o uso no paciente, não sendo necessário nenhum preparo ou administração de outras soluções na bolsa antes da infusão.
Os pesquisadores apontam duas limitações do estudo: a falta de avaliação da qualidade de vida como indicador de bem-estar dos pacientes e familiares e o número de participantes. No entanto, este estudo apresentou, pela primeira vez no Brasil, a formalização da capacitação dos familiares cuidadores e sua participação ativa nos cuidados da NP no domicílio e fornece subsídios para o desenvolvimento de uma linha de cuidados da NP no domicílio no País em pacientes usuários do sistema público de saúde. Há necessidade de mudanças, visto que a legislação atual vigente indica que esta prática é de responsabilidade exclusiva do enfermeiro (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2014). Nesse sentido, os resultados da realização da NP no domicílio sem ocorrência de eventos adversos graves, com participação ativa das famílias capacitadas pelos enfermeiros e com a supervisão dos mesmos, demonstraram que o processo da desospitalização de crianças e adolescentes com NP pode ser viável, seguro e efetivo.
Referências
BIELAWSKA, B. and ALLARD, J.P. Parenteral Nutrition and Intestinal Failure. Nutrients [online]. 2017, vol. 9, no. 5, pp. 466, ISSN: 2072-6643 [viewed 10 September 2019]. DOI: 10.3390/nu9050466. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5452196/
CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN N° 0453/2014. Norma Técnica que dispõe sobre a Atuação da Equipe de Enfermagem em Terapia Nutricional. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-04532014_23430.html
EMEDO, M.J., GODFREY, E.I. and HILL, S.M. A qualitative study of the quality of life of children receiving intravenous nutrition at home. J Pediatr Gastroenterol Nutr. [online]. 2010, vol. 50, no. 4, pp. 431-40, e-ISSN: 1536-4801 [viewed 10 September 2019]. DOI: 10.1097/MPG.0b013e3181afd541. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20179643
EUROPEAN SOCIETY FOR PAEDIATRIC GASTROENTEROLOGY HEPATOLOGY AND NUTRITION. Home parenteral nutrition in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr. [online]. 2005, no. 41, pp. S70-S75, DOI: 10.1097/01.mpg.0000181851.24123.85. e-ISSN: 1536-4801 [viewed 10 September 2019]. Available from: https://journals.lww.com/jpgn/Fulltext/2005/11002/11__Home_Parenteral_Nutrition_in_Children.11.aspx
FRIEDMAN-GRUSZCZYŃSKA, J., et al. Parenteral nutrition mixtures prepared at home by trained parents are as safe as pharmacy-made mixtures: a 3-y prospective study. Nutrition [online]. 2013, vol. 29, no. 7/8, pp. 988-992, ISSN: 0899-9007 [viewed 10 September 2019]. DOI: 10.1016/j.nut.2013.01.014. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23644008
GRIFFIN, J.B. and PICKLER, R.H. Hospital-to-home transition of mothers of preterm infants. MCN Am J Matern Child Nurs. [online]. 2011, vol. 36, no. 4, pp. 252-257, e-ISSN: 1539-0683. [viewed 10 September 2019]. DOI: 10.1097/NMC.0b013e31821770b8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21709523
HUGHES, A., et al. Burden of care at night when living with a child on parenteral nutrition at home. Clin Nutr ESPEN. [online]. 2015, vol. 10, no. 5, e180, ISSN: 2405-4577 [viewed 10 September 2019]. DOI: 10.1016/j.clnesp.2015.03.011. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28531479
Para ler o artigo, acesse
WITKOWSKI, M.C., et al. Capacitação dos familiares de crianças e adolescentes para os cuidados com nutrição parenteral domiciliar. Rev. paul. Pediatr [online]. 2019, ahead of print, ISSN: 0103-0582 [viewed 10 September 2019]. DOI: 10.1590/1984-0462/;2019;37;3;00002. Available from: http://ref.scielo.org/vnhc3y
Links externos
Revista Paulista de Pediatria – RPP <http://www.scielo.br/rpp>
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