Fabiana Sabadini Rezende Niglio, Coordenadora de Comunicação do Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, SP, Brasil.
Silvia Pimentel Marconi Germer, Editora adjunta do Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, SP, Brasil.
Por definição, aguardente de cana é a bebida com graduação alcoólica de 38 a 54% (v/v), obtida do destilado alcoólico simples, ou pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar. A aguardente é o destilado mais vendido no Brasil, e deixou de ser uma bebida apenas de botequins para ser consumida também em bares e espaços sofisticados.
A legislação brasileira estabelece, com o objetivo de proteger o consumidor, bem como padronizar a bebida, limites para compostos não alcoólicos e contaminantes. Nesse contexto, um estudo avaliou o efeito de diferentes processos de destilação (simples, dupla e redestilação) na qualidade química do produto final.
O processo tradicional para produção de aguardente de cana-de-açúcar é a monodestilação, no qual o mosto fermentado é processado uma única vez em alambiques ou colunas contínuas. Entretanto, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), obtiveram aguardentes de melhor qualidade química por outros processos, relatando os resultados no artigo “Composição química de aguardente de cana obtida por diferentes métodos de destilação”, publicado no volume 23 da revista Brazilian Journal of Food Technology. A pesquisa avaliou a composição das aguardentes de cana produzidas por diferentes métodos de destilação, mediante análises de componentes voláteis (aldeídos, ésteres, metanol, álcoois superiores, ácido acético e furfural), denominados de congêneres, e de contaminantes (álcoois n-butílico e sec-butílico, cobre e carbamato de etila).
O estudo mostrou uma boa concordância entre os processos de bidestilação e de redestilação que proporcionaram redução da concentração dos congêneres voláteis e dos compostos contaminantes. Os dois métodos empregam a dupla destilação, sendo que a redestilação faz uso de um destilado pré-preparado no processo. A aguardente monodestilada apresentou concentrações superiores de contaminantes e congêneres. De grande relevância, os pesquisadores identificaram, também, que a bidestilação proporcionou redução significativa (> 90%) na concentração de carbamato de etila, composto potencialmente carcinogênico normalmente presente em bebidas destiladas.
Outros estudos da literatura reportam a redução da concentração de carbamato de etila com o duplo processo de destilação. Riffkin et al. (1989) observaram que apenas 1% da concentração de carbamato de etila formado na primeira destilação foi detectada no whisky produzido pela segunda destilação. A fração “cauda” acumulou 15% do carbamato de etila e a vinhaça reteve 84% do composto presente na segunda destilação. Nagato et al. (2000) encontraram uma concentração média de 317 µg/L de carbamato de etila em 13 amostras de aguardentes comerciais, sendo que menores concentrações (38 a 48 µg/L) foram verificadas em aguardentes duplamente destiladas. Galinaro & Franco (2011) observaram que a redestilação proporcionou redução de até 92,5% dos níveis do contaminante em 15 amostras de aguardentes comerciais. Além de um problema de saúde pública, concentrações de carbamato de etila superiores a 150 µg/L em cachaças e aguardentes representam uma barreira à exportação da bebida.
Levando-se em conta que as concentrações dos compostos contaminantes devem ser as menores possíveis, e que o ácido acético, o aldeído acético e o furfural são compostos prejudiciais à qualidade sensorial de aguardentes, o estudo concluiu que os processos de bidestilação e de redestilação produziram aguardentes de melhor qualidade que o processo tradicional de monodestilação.
Os resultados do estudo contribuem com o estado da técnica para a obtenção de um produto mais seguro, e de maior valor agregado, beneficiando consumidores, fabricantes, cadeia produtiva e o agronegócio no geral.
Referências
GALINARO, C. A. and FRANCO, D. W. Formação de carbamato de etila em aguardentes recém-destiladas: proposta para seu controle. Química Nova [online]. 2011, vol. 34, no. 06, pp. 996-1000 [viewed 25 March 2020]. https://doi.org/10.1590/S0100-40422011000600016. Available from: http://ref.scielo.org/6tw73d
NAGATO, L. A. F. et al. Quantitation of ethyl carbamate (EC) by gas chromatography and mass spectrometric detection in distilled spirits. Alimentaria [online]. 2000, vol. 37, no. 311, pp. 31-36 [viewed 25 March 2020]. Available from: https://www.cabdirect.org/cabdirect/abstract/20000311315
RIFFKIN, H. L. et al. 1989) Ethyl carbamate formation in the production of pot still whisky. Journal of the Institute of Brewing [online]. 1989, vol. 95, no. 02, pp. 115-119 [viewed 25 March 2020]. https://doi.org/10.1002/j.2050-0416.1989.tb04618.x. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/j.2050-0416.1989.tb04618.x
Para ler o artigo, acesse
SILVA, A. P. et al. Composição química de aguardente de cana obtida por diferentes métodos de destilação. Braz. J. Food Technol. [online]. 2020, vol.23, e2018308 [viewed 22 March 2021]. https://doi.org/10.1590/1981-6723.30818. Available from: http://ref.scielo.org/x4n76f
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