Volta para Casa: 18 anos da regulamentação da Reforma Psiquiátrica Brasileira

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Logo do periódico Ciência & Saúde ColetivaO artigo de Lima e colegas Avanços e Desafios do Programa de Volta para Casa como Estratégia de Desinstitucionalização, publicado na Edição 27.1.2022 da Revista Ciência & Saúde Coletiva traz uma revisão da complexa dinâmica da Reforma Psiquiátrica brasileira com foco na desinstitucionalização. Iniciada na década de 1970 (AMARANTE et al, 2018) com denúncias sistemáticas das violências praticadas contra os doentes mentais e a mercantilização do sofrimento psíquico nos hospitais psiquiátricos, ela é fruto da participação social de trabalhadores da saúde, usuários, familiares, pesquisadores, imprensa e outros atores sociais. Ao Volta Pra Casa, associou-se o Programa de Redução de Leitos Hospitalares destinados a doentes mentais, e os Serviços Residenciais Terapêuticos como alternativa à institucionalização. A Lei Federal nº 10.708/2003 (BRASIL, 2003) consagrou esse movimento como marco legal que assegura os direitos civis e humanos das pessoas em sofrimento mental e preconiza os cuidados de que precisam: desinstitucionalização, reinserção na família, na sociedade e apoio financeiro e psicossocial que lhes garantam a vida em liberdade (GULJOR et al, 2022).

Os autores mostram que após 18 anos de regulamentação da Reforma Psiquiátrica, a desinstitucionalização trouxe resultados positivos. O programa representa inegável conquista social e avanço civilizatório e contribui para os direitos humanos das pessoas com transtornos mentais. Proporciona mudanças na vida do beneficiário, com destaque para a ocupação concreta de outro lugar na sociedade e a prescindibilidade do hospital psiquiátrico. Dentre as principais conquistas assinalam: aumento da capacidade de tomada de decisão pela pessoa com transtorno mental que passa a ter um local de moradia, com sua própria rotina, privacidade, capacidade de ir e vir, comprar, consumir, estabelecer relações afetivas, autocuidar-se e desfrutar da vida comunitária e social (LIMA, BRASIL, 2014; LIMA et al, 2022; NUNES et al, 2019; 2022).

No entanto, vários estudos ressaltam que o nível de autonomia de muitos beneficiários do Volta pra Casa é restrito. Os anos ininterruptos em hospitais psiquiátricos internalizaram nas pessoas com transtornos mentais o estigma da loucura e da exclusão. Muitos foram reduzidos a um lugar zero de troca e silenciados. Há uma cronificação dos transtornos, com consequente perda de habilidades essenciais para a vida comunitária. Por parte da sociedade, os egressos dos manicômios costumam ser estigmatizados, sofrem preconceitos e têm que lidar com perdas de vínculos familiares e sociais, abandono, condições insalubres de vida, desrespeito e são vítimas de violência. Alguns passam a viver na rua ou acabam no sistema prisional.

Resultados do estudo sugerem que apenas uma minoria dos que saíram dos manicômios possui uma rede que ultrapassa os contatos mantidos nos serviços de saúde mental. Uma pesquisa indicou a participação dos egressos em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ou centros de convivência. Mas os achados reforçam a ideia de que os beneficiários do Volta Pra Casa têm dificuldades em expandir suas relações e romper com a dependência da instituição total onde viveram (SALLES, MIRANDA, 2016).

Infelizmente, apesar das conquistas e dos sérios problemas que precisam ser enfrentados para atender aos egressos dos hospícios, as estratégias de desinstitucionalização não figuram, atualmente, entre as prioridades da agenda política no país. Isso significa que o programa Volta pra Casa continua mais importante do que nunca e convoca as forças vivas do setor saúde a não abrir mão de seu papel primordial: salvar vidas e atuar por esse direito humano indeclinável, particularmente quando a pessoa tem sérias fragilidades.

Leia mais

AMARANTE, P. and NUNES, M.O. A reforma psiquiátrica no SUS e a luta por uma sociedade sem manicômios. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2018, vol. 23, no. 6, pp. 2067-2074 [viewed 26 January 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/tDnNtj6kYPQyvtXt4JfLvDF/abstract/?lang=pt

BRASIL. Lei nº 10.708 de 31 de julho de 2003. Institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações. 2003 [viewed 26 January 2022]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.708.htm

GULJOR, A.P.F., et al. Ser, estar e habitar a desinstitucionalização da saúde mental brasileira. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 1, pp. 4 [viewed 26 January 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-81232027271.20912021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/FKCrqwKBs7NdJkJCh9dVBQJ/?lang=pt

LIMA S.S. and BRASIL, S.A. Do Programa de Volta para Casa à conquista da autonomia: percursos necessários para o real processo de desinstitucionalização. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online]. 2014, vol. 24, no. 1, pp.67-88 [viewed 26 January 2022]. https://doi.org/10.1590/S0103-73312014000100005. Available from: https://www.scielo.br/j/physis/a/kdMsk44XNwtnv3mVNqmcVJM/abstract/?lang=pt

MASSA, P.A., BESSONI, E.A. and MOREIRA, M.I.B. Entre o passado e o futuro: o que o presente dos beneficiários do Programa de Volta para Casa ensina sobre o programa. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 1, pp. 79-88 [viewed 26 January 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-81232022271.19732021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/JXmZWdqy9pgXh4y3PrY9jqx/abstract/?lang=pt

NUNES, F.C., et al. Fatores impulsores e restritivos da prática com grupos em serviços comunitários de atenção psicossocial. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 1, pp. 183-192 [viewed 26 January 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-81232022271.19992021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/FHCLtK6DXjgHWqP3ZZWBTZg/

NUNES, M.O., et al. Reforma e contrarreforma psiquiátrica: análise de uma crise sociopolítica e sanitária a nível nacional e regional. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2019, vol. 24, no. 12, pp. 4489-4498 [viewed 26 January 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.25252019. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/GtLPLYmY8tsPLWjNk9nhQKw/?lang=pt

SALLES, A.C.R.R. and MIRANDA, L. Desvincular-se do manicômio, apropriar-se da vida: persistentes desafios da desinstitucionalização. Psicologia & Sociedade [online]. 2016, vol.28, no. 2, pp. 369-379 [viewed 26 January 2022]. https://doi.org/10.1590/1807-03102016v28n2p369. Available from: https://www.scielo.br/j/psoc/a/GTWBLgnW4zqP3FZGtWXdKYJ/abstract/?lang=pt

Para ler o artigo, acesse

LIMA, H.P., et al. Avanços e desafios do Programa de Volta para Casa como estratégia de desinstitucionalização: revisão integrativa. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 1, pp. 89-100 [viewed 26 January 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-81232022271.19862021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/DZ6xR9CtYN9gdk7qVTY4nkH/?lang=pt

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MINAYO, M.C.S. and GUALHANO, L Volta para Casa: 18 anos da regulamentação da Reforma Psiquiátrica Brasileira [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2022 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2022/02/02/volta-para-casa-18-anos-da-regulamentacao-da-reforma-psiquiatrica-brasileira/

 

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