Comemorações do bicentenário: mais do que um coração em formol…

Alexander W. A. Kellner, Editor-Chefe, Anais da Academia Brasileira de Ciências, Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Existem momentos e datas que despertam muitas expectativas, convidando para reflexões e discussões sobre o passado, presente e futuro de um país. Com certeza, a passagem do bicentenário de independência do Brasil é uma destas. Porém, infelizmente, parece que não houve essa mesma percepção dos nossos governantes, em especial do Governo Federal, a quem cabia tomar a iniciativa e incentivar ações por todo o país. Ao que parece, para esse 7 de setembro de 2022, os dois principais atrativos são o empréstimo do coração do primeiro imperador brasileiro, D. Pedro I e a reabertura do importante Museu do Ipiranga.

E o empréstimo do coração, por mais ilustre que possa parecer para alguns, está causando polêmica nos dois lados do oceano Atlântico. Essa relíquia é guardada desde a morte do imperador – que governou o Brasil como D. Pedro I e Portugal, como D. Pedro IV – na igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, no Porto, em Portugal. Além de frágil, muitos acreditam que a vontade do imperador em deixar o seu coração no Porto deveria ser respeitada. Importante frisar que, segundo a imprensa, a relíquia será devolvida já no dia 8 de setembro.

A reabertura do Museu do Ipiranga, no entanto, é certamente um motivo de muita felicidade. Vinculado à Universidade de São Paulo (USP), o museu foi aberto em 7 de setembro de 1895. Em 2013, a instituição foi fechada devido às condições precárias, que há muito necessitavam de reformas. Sobre financiamento, tem que ser destacado que foi o engajamento efetivo do Governo de São Paulo quem levou o projeto a cabo com grande incentivo de empresários. Naturalmente, não se pode deixar de mencionar o Governo Federal, já que muitos dos recursos vieram via Lei Rouanet.

Aproveitamos a oportunidade para também salientar a entrega de parte da fachada do Palácio de São Cristóvão, sede do Museu Nacional/UFRJ, que foi parcialmente destruído em 2 de setembro de 2018, uma data que deveria entrar no calendário nacional para reflexão sobre a necessidade do país em cuidar do seu patrimônio histórico e cultural. Graças ao Projeto Museu Nacional Vive, os visitantes poderão vislumbrar a fachada histórica e ter um gostinho de como os trabalhos têm prosseguido.

Fachada do Fachada do Museu Nacional/UFRJ, no Rio de Janeiro, com materiais de construção na frente dispostos no chão. Há também pessoas trabalhando na obra e um caminhão. É um prédio de três andares em tom amarelo pastel. Elementos da arquitetura imperial: arco, alto relevo, janelas retangulares, janelas com arcos, topo triangular.

Imagem: Alexander W. A. Kellner.

Figura 1. Fachada do Museu Nacional/UFRJ, perto da finalização da reforma, antes da entrega no dia 2 de setembro de 2022, passagem dos quatro anos do incêndio.

De quebra, graças a Prefeitura do Rio de Janeiro, também será aberta a visitação ao jardim do terraço, localizado à frente do Museu. Novamente, os esforços vieram de empresas como BNDES, Bradesco, Instituto Cultural Vale, MCTI, MEC, Ministério do Turismo e bancada dos deputados federais do Rio de Janeiro – para citar alguns. Também cabe destaque para a UNESCO e o Governo da Alemanha, este último tendo doado recursos para a recuperação de exemplares que se encontravam nos escombros do palácio.

Por último, vale a pena mencionar que o Governo Federal cogitou em mudar o tradicional desfile militar que todos os anos acontece no Rio de Janeiro, capital na época da independência. A proposta é transferir esse evento cívico da Avenida Presidente Vargas, no centro, para a orla de Copacabana. Aparentemente, essa ideia foi posta de lado, mas existem informações que a marinha, a aeronáutica e algumas tropas do exército deverão fazer ações festivas perto do forte de Copacabana. Naturalmente existe um certo desconforto em imaginar tropas e tanques (talvez com pouco menos de fumaça) no principal cartão de visitas do Brasil.

Seja como for, infelizmente, uma conclusão não muito animadora se impõe: não há muito o que comemorar. Os impactos com a redução de financiamento na pesquisa não parecem terminar! Agora mesmo, após a aprovação da Emenda da Sucata (Medida Provisória (MP 1.112/2022), mais uma vez levou a certeza que até as migalhas que sobravam para a ciência estão sendo retiradas.

Mesmo com as diferentes organizações científicas brasileiras chamando atenção, pois sem ciência não existe um futuro para o país, políticos e governo não se sensibilizaram, nem mesmo nessa data da efeméride que é a celebração de dois séculos de independência. Não há como negar que o gosto amargo vem de uma percepção geral que, mais uma vez, o Brasil perde uma excepcional oportunidade de realizar uma intensa reflexão sobre o passado do país e uma análise do seu presente para construir um futuro melhor… Uma pena.

Para ler o artigo, acesse

KELLNER, A.W.A. The bicentennial of the independence of Brazil- what now? An Acad Bras Ciênc. [online]. 2022, vol. 94, no. 2, e2022942 [viewed 6 September 2022]. https://doi.org/10.1590/0001-376520222022942. Available from: https://www.scielo.br/j/aabc/a/nk4WyDNKNx6CvjNRPWn3tSv/

Links externos

LAPUG – Laboratório de Sistemática e Tafonomia de Vertebrados Fósseis: https://www.facebook.com/LaPugMN/

Anais da Academia Brasileira de Ciências – AABC: www.scielo.br/j/aabc/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

KELLNER, A.W.A. Comemorações do bicentenário: mais do que um coração em formol… [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2022 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2022/09/06/comemoracoes-do-bicentenario-mais-do-que-um-coracao-em-formol/

 

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