Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Segundo orientação da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2020) as respostas dos países à pandemia da covid-19 deveriam ser guiadas por um plano nacional com medidas de contenção; medidas socioeconômicas e de apoio às pessoas mais vulneráveis; e medidas sanitárias que levassem a reorganizar os serviços e os sistemas de saúde.
O artigo de Prado et al (2023) Respostas governamentais heterogêneas no enfrentamento da pandemia da covid-19 por países da América Latina, escrito para a edição temática 28.3.2023 da Ciência & Saúde Coletiva, faz um balanço dessas ações. Por meio de um estudo descritivo, os autores analisam o que foi proposto e feito por 14 países: Costa Rica, Guatemala, Cuba, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e México.
O artigo mostra que a atuação dos países foi heterogênea, embora todos tenham aplicado ações multisetoriais. A complexidade e a diversidade decisória frente à pandemia refletiu nas taxas de incidência, calculadas conforme o número de casos novos em uma população de 100.000 habitantes: Colômbia (227,03/100.000 hab), Argentina (193,11/100.000 hab), Costa Rica (171,57/100.000 hab), Brasil (168,25/100.000 hab), Chile (119,23/100.000 hab) e Paraguai (113,85/100.000 hab). Os menores números identificados foram na Venezuela (10,44/100.000 hab), Cuba (14,47/100.000 hab) e Guatemala (22,78/100.000 hab).
Em geral, as nações do mundo que melhor reagiram à pandemia se apoiaram em comitês de tomada de decisão que incluíram especialistas e não apenas representantes do governo. Contudo, nos países analisados observaram-se, prioritariamente, normas e ações centralizadas em núcleos governamentais.
Figura 1. Testagem para covid-19.
Há ainda muito a refletir sobre as medidas de enfrentamento à covid-19. Por exemplo, Brian et al (2021), testando a eficácia da agilidade das políticas governamentais, descobriram que políticas restritivas como bloqueios domésticos, proibições de viagens internacionais e fechamentos de restaurantes não tiveram impacto óbvio na redução das taxas de infecção e mortalidade. Já Makki et al (2020) demonstraram que os países que introduziram medidas rigorosas rapidamente e com aplicação extensiva conseguiram respostas mais eficazes.
Na verdade, o maior desafio da pandemia para os governos ocorreu nos arranjos institucionais e na capacidade operacional das instâncias de vigilância em saúde e de atenção primária na elaboração das respostas por meio de um trabalho de proximidade e prevenção (Wisner et al, 2002). Problemas nesses dois níveis levaram a maiores gastos e investimentos em recursos materiais, estruturais, organizacionais e humanos na rede hospitalar (Giovanella, et al, 2021).
Aqui são dados dois exemplos positivos. A experiência em Cuba merece destaque por suas medidas preventivas, de contenção e sanitárias alinhadas ao timing das decisões entre os entes federados. Entre os feitos do governo cubano, podemos citar a utilização de estruturas pré-existentes de governança em saúde e a priorização da atenção primária à saúde como linha de frente, por meio da qual foi possível o desenvolvimento de ações de vigilância ativa e o rastreamento rigoroso de casos e contatos, o que foi feito com o envolvimento da comunidade. Além disso, os consultórios de bairro disponibilizaram testes laboratoriais e outros recursos igualmente acessíveis aos residentes de áreas urbanas e rurais.
No Uruguai, o governo formou um conselho de cientistas liderado por médicos de prestígio e coordenou ações alinhadas com o setor privado. Além das testagens e uso de máscara, foram utilizados aplicativos móveis, chatbots e redes sociais envolvendo a população nas estratégias de comunicação de risco (Prado, et al, 2023).
Por fim, faltou no artigo um olhar para o papel da sociedade civil no convencimento pessoal e social. O comportamento errático de muitos governos, a exemplo do Brasil, gerou como resposta muita insegurança quanto aos testes e à vacinação. Esse fator evidenciou, mais do que nunca, que a saúde coletiva exige responsabilidade individual e de todos nos cuidados preventivos e assistenciais.
Referências
AN, B.Y., et al. Policy Design for COVID-19: Worldwide evidence on the efficacies of early mask mandates and other policy interventions. Policy Interventions. Public Admin Rev [online]. 2021, vol. 81, no. 6, pp. 1157-1182 [viewed 24 March 2023]. https://doi.org/10.1111/puar.13426. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/puar.13426
GIOVANELLA, L., et al. ¿Es la atención primaria de salud integral parte de la respuesta a la pandemia de Covid-19 en Latinoamérica? Trab. educ. saúde [online]. 2021, vol. 19, e00310142 [viewed 24 March 2023]. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00310. Available from: https://www.scielo.br/j/tes/a/CJX9Rs5gSBJmsMrfwhkdJrL
MAKKI, F., et al. Compliance and stringency measures in response to COVID-19: A regional study. Journal of Behavioral Economics for Policy [online]. 2020. vol. 4, S2, pp. 15-24 [viewed 24 March 2023]. Available from: https://ideas.repec.org/a/beh/jbepv1/v4y2020is2p15-24.html
WISNER, B. and ADAMS, J. Environmental health in emergencies and disasters: a practical guide. Génève: WHO, 2002.
WHO World Health Organization. COVID-19 Strategic Preparedness and Response Plan Operational Planning Guideline. Génève: WHO, 2020.
WHO World Health Organization. Independent Panel for Pandemic Preparedness and Response. Covid-19: make it the last pandemic. Génève: WHO, 2021
Para ler o artigo, acesse
PRADO, N.M.B.L., et al. Respostas governamentais heterogêneas no enfrentamento da pandemia da COVID-19 por países da América Latina. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2023, vol. 28, no. 3, pp. 665-683 [viewed 24 March 2023]. https://doi.org/10.1590/1413-81232023283.11582022. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/pJ5mqvWjcC8Yw5dMmy9QnbT/
Links externos
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Para ler a edição temática completa acesse: https://www.scielo.br/j/csc/i/2023.v28n
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