Acesso a medicamentos como um bem comum do SUS

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Logo do periódico Ciência & Saúde ColetivaNuma matéria anterior (MINAYO e GUALHANO, 2021) discorreram sobre o soft power do SUS, mostrando como nos 30 anos de sua existência esse sistema foi se organizando e, apesar de todas suas falhas exaustivamente discutidas, foi capaz de demonstrar resultados impressionantes na melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Do conjunto dos arranjos que o configuram faz parte a política de medicamentos. E é sobre esse tema o artigo analítico de Rover et al (2021) aqui resenhado Acesso a medicamentos de alto preço: desigualdades na organização e resultados entre estados brasileiros.

Os autores caracterizaram a organização do chamado “Componente Especializado da Assistência Farmacêutica” (CEAF) como uma estratégia do SUS para ampliar o acesso visando à integralidade dos tratamentos, pois é no CEAF que são disponibilizados os medicamentos de uso ambulatorial de maior preço médio no SUS. Para embasar sua análise, Rover et al (2021) ouviram gestores desse componente em quatro estados brasileiros, a respeito de sua abrangência, organização, financiamento, barreiras e facilitadores. O artigo mostra resultados positivos do CEAF relativos à ampliação do elenco de medicamentos na pauta do SUS, à construção de linhas de cuidado e ao aumento do número de usuários atendidos, tudo precedido por políticas propositivas do setor (BRASIL, 2004; 2010; 2014).

Porém, os autores encontraram grande heterogeneidade na forma de organização do atendimento aos usuários, no número de pessoas atendidas, nos contextos socioculturais e na capacidade de gestão. E concluíram que o acesso aos medicamentos é altamente dependente da organização e funcionamento dos sistemas de saúde locais:

  • Os estados do Sul e do Sudeste apresentam uma proporção maior de pessoas atendidas, mostrando concomitância de vantagens econômicas, de existência de serviços públicos e de maior cobertura de planos privados de saúde;
  • embora o Brasil tenha apresentado avanços importantes em relação ao acesso aos serviços de atenção básica, as limitações são muito evidentes na oferta de serviços de alta e média complexidade, níveis de atendimento que constituem grande desafio: pelos longos tempos de espera para atendimento, por conseguir atender apenas a parte da demanda, e pela judicialização, estratégia usada por usuários mas também pela indústria farmacêutica para pressionar a incorporação de novas tecnologias no SUS (CAETANO et al, 2021);
  • existe um acesso diferenciado aos medicamentos do CEAF entre os que têm e os que não têm condições de pagar consultas e exames (LUZ, et al, 2009);
  • e, por fim, há muita carência de formação de pessoal e problemas de gestão nos processos de descentralização e de articulação entre as três esferas de comando do SUS.

Os resultados deste estudo chamam a atenção para várias questões: as desigualdades regionais, estaduais e locais que persistem na sociedade se encontram presentes também no acesso aos serviços farmacêuticos. Existe necessidade crescente de que, na coordenação dos serviços de saúde, a assistência farmacêutica seja considerada parte inequívoca do sistema e não tratada como um setor isolado. É preciso fortalecer a vigilância sobre o mercado de medicamentos, pois nesse complexo industrial reside uma das maiores fontes e sede de lucro no mundo e também no Brasil.

Os autores do artigo e outros (RECH et al, 2021) fazem algumas sugestões que subescrevemos: implantação de um banco nacional de registro de preços e de fornecedores; geração de estratégias para compra conjunta entre os estados; mecanismos que possam contribuir para a regulação dos preços e sistemas informatizados interligados de disponibilização dos medicamentos, de forma a diminuir os vazios e atender às necessidades de todos os brasileiros. Concluindo, entre o SUS que temos e o SUS que queremos faltam muitos quilômetros!

Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução no 338 de 6 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Brasília, Ministério da Saúde: 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. Da Excepcionalidade às Linhas de Cuidado: O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

BRASIL. Ministério da Saúde. Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação para a garantia do acesso a medicamentos no SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

CAETANO, C.R.; MATHEUS F.M. and DIEHL, E.E. Organização dos entes públicos para atender a judicialização do acesso a medicamentos no estado de Santa Catarina, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, v. 26 no. 11, p. 5561-5575 [viewed 9 December 2021]. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.32092020. Available from: https://www.scielosp.org/article/csc/2021.v26n11/5561-5575/

LUZ T.C.B.; LOYOLA FILHO, A.I. and LIMA-COSTA, M.F. Estudo de base populacional da subutilização de medicamentos por motivos financeiros entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2009, v. 25, no. 7, p:1578–86 [viewed 9 December 2021]. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000700016. Available from: https://www.scielo.br/j/csp/a/74rcMtq7nDtryrCpB57LxTK/?lang=pt

MINAYO, M.C.S. and GUALHANO, L. Importância intangível do SUS [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2021 [viewed 09 December 2021]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2021/11/08/importancia-intangivel-do-sus/

RECH, N. and FARIAS, M.R. Regulação sanitária e desenvolvimento tecnológico: estratégias inovadoras para o acesso a medicamentos no SUS. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, v. 26, n. 11, p. 5427-5440 [viewed 9 December 2021]. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.03512021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/Gzyn8fv9gJPPYzcwRJJWKLL/?lang=pt

Link(s)

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Agenda 2030 (ONU):  https://brasil.un.org/pt-br/sdgs

Para ler a edição temática completa acesse: https://www.scielo.br/j/csc/i/2021.v26n11/

Site Ciência & Saúde Coletiva: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br

Periódico Ciência & Saúde Coletiva: http://www.scielo.br/csc

Facebook Ciência & Saúde Coletiva: https://www.facebook.com/revistacienciaesaudecoletiva/

Twitter Ciência & Saúde Coletiva: https://twitter.com/RevistaCSC

Instagram Ciência & Saúde Coletiva: https://www.instagram.com/revistacienciaesaudecoletiva/

Para ler o artigo, acesse:

ROVER, M.R.M, et al. Acesso a medicamentos de alto preço: desigualdades na organização e resultados entre estados brasileiros. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, v. 26, n. 11, p: 5499-5508 [viewed 9 December 2021]. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.27402020. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/VDv9JVTKCvnHVSyg49r5QLn/?lang=pt

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MINAYO, M.C.S. Acesso a medicamentos como um bem comum do SUS [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2021 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2021/12/15/acesso-a-medicamentos-como-um-bem-comum-do-sus/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation