Assimetrias na comunicação de entidades da sociedade civil da saúde impõem desafios à democracia

Bruno Cesar S. Dias, doutorando em Saúde Pública, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (PPGSP/ENSP/Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Assis Mafort Ouverney, pesquisador e docente permanente, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Logo do periódico Ciência & Saúde ColetivaA emergência e a consolidação da internet vivenciadas na sociedade brasileira contemporânea nos últimos 40 anos imprimem importantes marcas na construção do direito à saúde e na atuação dos movimentos sociais. Utilizada por cerca de 74% da população brasileira1 e devidamente ocupada pelos movimentos sociais e entidades da sociedade civil, a internet ganha cada vez mais relevância, em especial nos temas da saúde nas redes sociais. O fenômeno das fake news e a mobilização pela defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) na pandemia de covid-19 são bons exemplos. Grosso modo, as entidades ocupam as redes e falam e cada vez mais de saúde, políticas públicas e direitos humanos e sociais. Contudo, em que condições falam?

No artigo Capacidade de comunicação das entidades do CNS nos meios digitais: há assimetrias expressivas entre os segmentos?, publicado na Ciência & Saúde Coletiva (vol. 28, no. 3, março de 2023), os pesquisadores Bruno Cesar Dias e Assis Mafort Ouverney discutem o papel da comunicação das entidades da sociedade civil do setor saúde a partir de instrumentos teóricos e práticos. Ao final de dois anos de pesquisa, os autores concluíram que, apesar de atuante, diversa e com vasta produção, a comunicação desenvolvida por tais organizações apresenta assimetrias marcantes. Tal cenário reforçou o entendimento sobre o papel da comunicação alternativa no atual estágio da democracia em nosso país: apesar de ser elemento fundamental para a pluralidade de visões e ampliação do debate social para além da mídia comercial e hegemônica, a produção comunicativa da sociedade civil, por si só, é insuficiente para assegurar a capilaridade e a prática democrática na sociedade brasileira.

O referencial da pesquisa teve como ponto inicial o conceito de poliarquia2, de Robert Dahl. Três dos sete elementos constituintes dessa ideia central na obra do decano da Ciência Política norte-americana serviram de lentes para a análise da estrutura e da organização da participação social na saúde no Brasil por meio do Conselho Nacional de Saúde (CNS)3. As principais transformações vividas nas formas de comunicar e atuar na sociedade contemporânea em rede4 também trouxeram contribuições à análise.

Foto ou montagem de um notebook sobre mesa de madeira. Na tela, uma página do Word e um site de câmeras. No lado esquerdo do computador, um copo descartável de café. No lado direito, uma câmera e um cilindro preto com a tampa aberta.

Imagem: Unsplash.

A articulação desses e outros conceitos conformaram as bases para a elaboração de um instrumento de pesquisa qualitativo no formato de questionário eletrônico. Este foi enviado aos responsáveis pela comunicação das 42 entidades nacionais que fizeram parte do CNS no triênio 2018 – 2021 em setembro de 2019. Após 6 meses de diálogo e negociações, 34 entidades foram qualificadas como respondentes.

A análise e discussão dos dados coletados apresentou um cenário rico e pujante da atividade de comunicação dessas entidades. São movimentos populares ligados às pautas identitárias, como entidades da população negra e população LGBTQIA+, passando por organizações de pessoas com doenças e agravos, centrais sindicais, conselhos profissionais, organizações científicas, de classe e empresariais, com relação difusa e indireta frente à segmentação constituinte do CNS e outras categorizações institucionais.

Quatro categorias emergentes do processo da pesquisa permitiram uma melhor compreensão da realidade técnica e político-comunicativa dessas entidades, sendo possível estabelecer uma gradação das capacidades comunicativas do universo pesquisado, indo do nível de desenvolvimento do trabalho de comunicação básico (10 entidades), passando pelo nível intermediário (16 entidades), até o nível avançado (8 entidades). Um quadro final detalha as particularidades dos níveis propostos na perspectiva desses 2 grupos categóricos e da eficácia ou não alcançada pelo uso das ferramentas digitais. Ao final da dessa jornada, acreditamos que a metodologia desenvolvida sirva às entidades como um guia para sua construção e aperfeiçoamento autônomos de seus processos, estratégias e políticas de comunicação a partir do nível em que se encontram.

Contudo, os desafios postos ao atual modelo de participação social precisam ir além de caminhos autônomos para a superação de suas barreiras. O estudo fornece evidências concretas para a necessidade de construção de uma política nacional de apoio às entidades no campo da participação social no SUS, visando reduzir as assimetrias observadas e ampliar sua capacidade de atuação na defesa dos direitos de cidadania em saúde. São formas possíveis de preencher essas lacunas: programas e/ou ações de incentivo e capacitação dos comunicadores populares e qualificação das entidades com menos recursos por meio de editais para aquisição de equipamentos e articulação em rede para troca de materiais e produções conjuntas acerca do direito à saúde e à comunicação. Os autores não têm dúvidas de que o fortalecimento do controle social da saúde passa, necessariamente, pela expansão qualitativa da capacidade comunicativa e técnica dessas organizações, que abrangem uma parcela significativa da sociedade civil brasileira.

Referências

1. TIC Domicílios 2017 – Principais Resultados [online]. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). 2018 [viewed 6 April 2023]. Available from: https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2017_coletiva_de_imprensa.pdf

2. DAHL, R. A Democracia e seus críticos. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

3. CORTES, S.V., et al, Conselho Nacional de Saúde: histórico, papel institucional e atores estatais e societais, In: CORTES, S.V. (org.) Participação e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

4. CASTELLS, M. A Sociedade em Rede, São Paulo: Paz e Terra, 2003.

Para ler o artigo, acesse

DIAS, B.C. and OUVERNEY, A.M. Capacidade de comunicação das entidades do CNS nos meios digitais: há assimetrias expressivas entre os segmentos? Ciênc. saúde coletiva [online]. 2023, vol. 28, no. 3, pp. 935-946 [viewed 6 April 2023]. https://doi.org/10.1590/1413-81232023283.02892022 Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/yfwP9hjnnVjKwGYT8yZZnPz/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

DIAS, B.C.S. AND OUVERNEY, A.M. Assimetrias na comunicação de entidades da sociedade civil da saúde impõem desafios à democracia [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2023 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2023/04/06/assimetrias-na-comunicacao-de-entidades-da-sociedade-civil-da-saude-impoem-desafios-a-democracia/

 

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