Fabiana Sabadini Rezende Niglio, Coordenadora de Comunicação do Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, SP, Brasil.
Silvia Pimentel Marconi Germer, Editora adjunta do Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, SP, Brasil.
A preocupação com a qualidade de vida e a longevidade vem influenciando parte da população, que busca uma alimentação mais saudável, associada a mudanças no estilo de vida. Nesse sentido, os alimentos funcionais vêm ganhando destaque, pois prometem promover ações metabólicas benéficas, além de suas qualidades nutricionais. São exemplos dessa categoria os cereais matinais fortificados, os sucos de frutas enriquecidos com vitaminas e minerais, as bebidas lácteas com probióticos, os pães enriquecidos com fibras e ômega-3, dentre outros. Pesquisas recentes têm demonstrado um crescimento na demanda mundial por produtos com essa proposta (Plasek et al., 2020; Altun et al., 2021).
Os alimentos funcionais foram regulamentados no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), na década de 1990. A presença desses produtos no mercado, portanto, é recente. Parte da população ainda não aderiu ao consumo, possivelmente por falta de conhecimento e de confiança, ou mesmo devido aos preços mais elevados em comparação aos similares. Além disso, a faixa etária pode influenciar essa percepção.
Nesse contexto, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul (RS), em parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, conduziu um estudo para compreender a percepção de adultos, jovens e pessoas de meia-idade, sobre os alimentos funcionais. Avaliou-se, também, a influência de fatores como as condições de saúde e as situações socioeconômicas envolvidas. Os resultados foram apresentados no artigo intitulado Perception of functional food consumption by adults: is there any difference between generations?, publicado no volume 27 (2024) do Brazilian Journal of Food Technology.
Participaram da pesquisa 568 indivíduos, de ambos os sexos, com idades entre 18 e 65 anos, selecionados aleatoriamente nas cidades de Palmeira das Missões e Santa Maria, RS, Brasil. Foram aplicados dois questionários: o primeiro, abordando aspectos socioeconômicos e de saúde; o segundo, validado por Oliveira et al. (2016), para avaliar a percepção sobre alimentos funcionais, abordando o entendimento quanto aos benefícios, à confiança, à segurança e à necessidade do uso.
Os resultados mostraram uma percepção positiva geral, com algumas diferenças entre as gerações. Os adultos de meia-idade (mais de 45 anos) apresentam uma maior confiança nas alegações dos alimentos funcionais, porém os associam a remédios, consumindo-os apenas em casos de doenças. Por sua vez, os adultos jovens (menos de 45 anos) acreditam que os alimentos funcionais podem melhorar o bem-estar geral e, portanto, devem compor uma dieta saudável.
O nível de escolaridade interferiu na percepção de ambas as gerações, com 53% de avaliação favorável entre os indivíduos com mais de 9 anos de ensino formal. A renda, dentre os fatores socioeconômicos, foi a que apresentou maior influência. A situação favorável de percepção é diretamente proporcional aos vencimentos, principalmente no grupo de meia-idade.
O estudo demonstrou, então, que há familiaridade e conhecimento suficiente sobre os alimentos funcionais por parte dos respondentes, que reconhecem, com algumas diferenças entre as faixas etárias, os benefícios à saúde. Portanto, o mercado é promissor para a categoria de produtos. No entanto, ações mais efetivas devem ser tomadas por parte das indústrias, tendo em vista estimular uma maior confiança entre os consumidores.
A seguir, assista ao vídeo com Giovana Safraid e leia a entrevista com os autores:
O tema do estudo é sempre uma escolha estratégica. Quais fatores motivaram vocês a escolherem esse assunto específico? Houve alguma tendência de mercado, demanda da indústria ou lacuna no conhecimento que orientou essa decisão?
As preocupações com a saúde, e o avanço de doenças crônicas motivam mais estudos da ciência da nutrição e tecnologia de alimentos. A população busca por alimentos mais saudáveis, almejando uma maior longevidade e qualidade de vida e os alimentos funcionais podem desempenhar um papel importante nessa nova construção de hábitos que tragam estes benefícios. Assim, o maior motivador deste estudo foi entender os fatores que influenciam a percepção e o consumo de alimentos funcionais para que intervenções que estimulem seu consumo sejam feitas. Durante a pandemia da COVID-19, presenciamos a disseminação de muitos alimentos que poderiam prevenir e controlar doenças. Entendendo que existe uma geração que cresceu sem o conceito de que estes alimentos podem fazer parte do cotidiano como parte de hábitos saudáveis, nós buscamos avaliar as diferenças da percepção do consumo de alimentos funcionais em diferentes idades, dentro da faixa etária adulta. Assim notamos que os adultos jovens (18 a 45 anos) reconhecem a necessidade de consumo deste alimentos como parte da dieta saudável enquanto adultos de meia-idade (45 a 65 anos) consideram o consumo deste quando enfrentam problemas de saúde.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, quais foram os principais desafios enfrentados? Isso incluiu dificuldades experimentais, acesso a tecnologias ou mesmo barreiras durante a coleta de dados?
Para a realização da pesquisa, nós utilizamos um questionário e coletamos as respostas presencialmente. É desafiador encontrar voluntários que possam dedicar um pouco do seu tempo para pesquisas. Um segundo desafio é conseguir que todos preencham os questionários de forma satisfatória para uso na pesquisa.
O financiamento é sempre um fator importante e desafiador para o pesquisador brasileiro. Para esta pesquisa não conseguimos financiamentos externos à nossa instituição. As taxas pagas por esta publicação foram provenientes de financiamento do próprio autor, por exemplo.
A pesquisa científica muitas vezes demanda um cronograma extenso. Quanto tempo foi necessário para que o projeto fosse concluído, desde a definição do tema até a publicação dos resultados?
A pesquisa teve inicio em março de 2018 e foi publicada em março de 2024. Foram 2 anos para a coleta de dados e 2 anos para a análise de dados escrita e submissão/aceite do artigo. Devido a pandemia da COVID-19 tivemos um tempo de espera em meio tempo, devido a atividades extras na força-tarefa das universidades contra a COVID-19, assumidas pelo pesquisador principal.
Sabemos que o financiamento é um dos pilares para a concretização de um projeto de pesquisa. Como vocês conseguiram o suporte financeiro necessário? Contaram com parcerias institucionais, patrocínios ou financiamento público?
Durante o período da realização do projeto contamos com o financiamento de uma bolsa de iniciação cinetífica FIPE (institucional) em 2019 especifica para este projeto. Em 2021, o pesquisador recebeu financiamentos da mesma instituição (FIPE-UFSM) para suas pesquisas, nas quais alguns “braços” da presente pesquisa foram inclusos.
Com base nos resultados obtidos e na experiência do projeto, quais seriam as suas principais recomendações para outros cientistas que desejam explorar esse campo de estudo? Há novas áreas promissoras que vocês sugerem?
Nosso estudo provou que:
- Adultos de meia-idade perceberam alimentos funcionais como mais benéficios ao lidar com problemas de saúde.
- Os adultos jovens consideraram a necessidade de alimentos funcionais em comparação aos adultos de meia-idade
- Maior renda foi associada a melhor percepção de alimentos funcionais por adultos de meia-idade
- Maior nível de escolaridade foi associado a melhor percepção de alimentos funcionais por adultos jovens e de meia-idade
- Ambas as faixas etárias neste estudo pontuaram baixo em confiança em alimentos funcionais
Dessa forma acreditamos que os alimentos funcionais devem ser mais difundidos com parte de uma alimentação saudável e não somente para controle de doenças, mas também para a prevenção delas. Essa intervenção deve ser feita principalmente para a geração adulta de meia-idade. Outras gerações precisam ser estudadas para compreender quais intervenções devem ser feitas.
Concluímos também que a indústria de alimentos funcionais pode se beneficiar do trabalho em conjunto com as universidades em pesquisas que contribuam para o estimulo de maior confiança nos alimentos funcionais. A elaboração e adoção de selos de segurança, a forma de utilização das alegações funcionais que despertem a confiança dos alimentos funcionais carece de mais estudos científicos.
Com relação as interferências da renda e escolaridade sobre a percepção destes alimentos: medidas políticas precisam ser adotadas para melhorar tanto o acesso a alimentação saudável para os consumidores de baixa renda, quanto a conhecimento da população de baixa escolaridade sobre a alimentação saudável.
Para ler o artigo, acesse
SAFRAID, G.F., et al. Perception of functional food consumption by adults: Is there any difference between generations? Braz. J. Food Technol. [online]. 2024, vol. 27, e2023095 [viewed 4 November 2024]. https://doi.org/10.1590/1981-6723.09523. Available from: https://www.scielo.br/j/bjft/a/GGcyLWTMvdXZcBW6KCKqLfQ/
Referências
ALTUN, H.K., ERMUMCU, M.S.K. and KURKLU, N.S. Evaluation of dietary supplement, functional food and herbal medicine use by dietitians during the COVID-19 pandemic. Public Health Nutrition [online]. 2021, vol. 24, no. 5, pp. 861-869 [viewed 4 November 2024]. https://doi.org/10.1017/S1368980020005297. Available from: https://www.cambridge.org/core/journals/public-health-nutrition/article/evaluation-of- dietary-supplement-functional-food-and-herbal-medicine- use-by-dietitians-during-the-covid19-pandemic/C41991F90EAC270C4F127B87BFECC8EF
OLIVEIRA, L., et al. Construção e validação de um questionário para avaliação da perceção sobre alimentos funcionais. Acta Portuguesa de Nutrição [online]. 2016, vol. 7, pp. 14-17 [viewed 4 November 2024]. https://doi.org/10.21011/apn.2016.0704. Available from: https://actaportuguesadenutricao.pt/edicoes/construcao-e-validacao-de-um-questionario-para-avaliacao-da-percecao-sobre-alimentos-funcionais/
PLASEK, B., LAKNER, Z. and TEMESI, Á. Factors that influence the perceived healthiness of food. Nutrients [online]. 2020, vol. 12, no. 6, pp. 1881 [viewed 4 November 2024]. https://doi.org/10.3390/nu12061881. Available from: https://www.mdpi.com/2072-6643/12/6/1881
Links externos
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