Hidrólise do milho com fungos é alternativa ao processo de malteação tradicional na produção de cerveja

Fabiana Sabadini Rezende Niglio, Coordenadora de Comunicação do Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, SP, Brasil. 

Silvia Pimentel Marconi Germer, Editora adjunta do Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, SP, Brasil.

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O artigo Evaluation of a process for producing fermentable sugars from porva corn by Rhizopus oryzae, publicado no volume 27 (2024) do Brazilian Journal of Food Technology, apresenta uma abordagem para a produção de açúcares fermentáveis a partir do milho Porva (Zea mays), utilizando o fungo Rhizopus oryzae. Este estudo visa propor uma metodologia alternativa para a fabricação de cerveja, eliminando a tradicional fase de malteação dos grãos, o que pode representar uma inovação na indústria de bebidas alcoólicas. Além disso, o milho serve como um elemento fundamental em diversas indústrias, incluindo energia, cosméticos, medicina e vários outros setores (Chakraborty et al., 2022).

A pesquisa empregou o método fermentativo em estado sólido (FES), que envolve uma fermentação trifásica heterogênea (sólido-líquido-gás), em que microrganismos crescem na superfície de um substrato sólido poroso, com umidade suficiente para sustentar o crescimento e o metabolismo microbiano. As partículas sólidas representam a fase principal, e o processo ocorre praticamente na ausência de água (Borrás et al., 2020).

O objetivo foi analisar o crescimento fúngico no cereal cozido em diferentes intervalos de tempo (0 min, 30 min e 60 min) ao longo de 72 horas, mantendo uma temperatura de incubação de 32 ºC. Os resultados mostraram que o pré-tratamento de cozimento de 60 minutos proporcionou uma concentração celular significativamente maior de R. oryzae, resultando em maior formação de glicose.

Na fase subsequente, a hidrólise enzimática foi realizada na fase líquida a diferentes temperaturas (32 ºC, 44 ºC e 56 ºC), por 5 horas, com o objetivo de maximizar a extração de açúcares fermentáveis. A temperatura de 56 ºC se mostrou a mais eficaz, alcançando uma concentração de glicose de até 307 mg/g de milho, o que corresponde a 51,23% do amido hidrolisado. Esses resultados são promissores para a produção de açúcares fermentáveis em larga escala.

Além disso, amostras sólidas obtidas em cada estágio do processo foram analisadas pela técnica de espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR), identificando mudanças na composição. Essa análise permitiu uma compreensão detalhada das transformações químicas ocorridas durante cada fase do processo, contribuindo para a otimização das condições de fermentação e hidrólise.

Por fim, o hidrolisado obtido foi fermentado por 84 horas, utilizando levedura comercial (Saccharomyces cerevisiae), resultando em um teor alcoólico de 12% (TAV). Este resultado demonstra o potencial da tecnologia para a fabricação de bebidas alcoólicas, oferecendo uma alternativa eficiente ao processo de malteação tradicional. A pesquisa abre novas possibilidades para a indústria, promovendo a sustentabilidade e a inovação tecnológica.

Imagem digital de um copo de cerveja cercado de trigo e espigas de milho

Imagem: Bing Creator I.A.

A seguir, leia a entrevista com os autores:

O tema do estudo é sempre uma escolha estratégica. Quais fatores os motivaram a escolher este assunto específico? Houve alguma tendência de mercado, demanda da indústria ou uma lacuna no conhecimento que orientou essa decisão?

Em nossas pesquisas sobre bioprocessos com microrganismos, verificamos que tem surgido um grande interesse nos processos fermentativos utilizados amplamente na Ásia. Alguns microrganismos comerciais, tais como Rhizopus oryzae, estudado no nosso trabalho, assim como Aspergillus oryzae e Bacillus subtilis, são empregados na produção de alimentos e bebidas naquela região, atuando como verdadeiras “biofábricas”, com um imenso potencial para a produção de diversos metabólitos de interesse. Isso é particularmente relevante quando cultivados em substratos ou biomas específicos, ou disponíveis em cada região, tal como no caso de meu país, Colômbia.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, quais foram os principais desafios enfrentados? Isso incluiu dificuldades experimentais, acesso a tecnologias ou mesmo barreiras durante a coleta de dados?

Mais do que um desafio, surgiu um interesse, que está em descobrir novas aplicações do bioprocesso estudado, em comparação com o que foi investigado nos últimos anos. A revisão contínua da bibliografia, tanto por meus estudantes, quanto por mim, junto com a colaboração interdisciplinar com pesquisadores em Biocatálise, Nutrição Animal e Humana e Química Orgânica, permitiu identificar um grande potencial para aplicar essas pesquisas em minha região.

Embora a pesquisa não tenha apresentado dificuldades na fase experimental, vários aspectos foram identificados, e que devem ser observados na análise de parâmetros físico-químicos em outros projetos semelhantes, tais como o controle de crescimento, através das atividades amilásica e proteásica, e o monitoramento de variáveis como umidade e temperatura. Esses controles são essenciais para padronizar protocolos de cultivo em diferentes substratos.

Um possível obstáculo é a falta de acesso a técnicas como Ressonância Magnética Nuclear (RMN), ou espectrometria de massas, para a identificação específica de certos metabólitos produzidos. Entretanto, considerando os recursos disponíveis e os objetivos que foram traçados, pode-se dizer que foram alcançados avanços importantes na área.

A pesquisa científica muitas vezes demanda um cronograma extenso. Quanto tempo foi necessário para que o projeto fosse concluído, desde a definição do tema até a publicação dos resultados?

O tema foi desenvolvido como parte de uma tese de graduação em Química. Minha aluna (coautora do artigo) completou a fase experimental em 4 meses, incluindo tanto o aprendizado dos bioprocessos, como a execução das atividades previstas para atingir os objetivos do projeto. Paralelamente, ela analisou os dados e escreveu o documento, enquanto eu a orientei em todas as fases, tanto práticas quanto teóricas. Em relação à publicação do artigo, o manuscrito foi submetido em alguns meses após a conclusão da tese. A revista foi eficiente na atribuição de revisores e nos prazos para a publicação.

Sabemos que o financiamento é um dos pilares para a concretização de um projeto de pesquisa. Como vocês conseguiram o suporte financeiro necessário? Contaram com parcerias institucionais, patrocínios ou financiamento público?

Neste caso, grande parte dos materiais e reagentes foi financiada por mim, motivado pelo interesse mencionado anteriormente e pelo entusiasmo dos alunos do curso de Química, que compartilham o interesse por Bioprocessos. Este projeto foi pioneiro nesta área no meu grupo de pesquisa.

No entanto, é importante destacar que contamos com alguns recursos, como laboratório próprio, vidraria e reagentes provenientes de outros projetos financiados pela Direção de Pesquisa da Universidade (Universidad Pedagógica y Tecnológica de Colombia, Escuela de Ciencias Químicas, Tunja/Boyacá), o que permitiu a realização das análises. Além disso, contamos com o apoio dos laboratórios da Escola de Ciências Químicas da instituição, que nos permitiram utilizar alguns de seus equipamentos.

Com base nos resultados obtidos e na experiência do projeto, quais seriam as suas principais recomendações para outros cientistas que desejam explorar esse campo de estudo? Há novas áreas promissoras que vocês sugerem?

Este trabalho abriu novas possibilidades em minhas pesquisas, fomentando a realização de projetos e teses de graduação, mestrado e doutorado. Por isso, recomendo a outros pesquisadores explorar o uso de microrganismos como “biofábricas”, especialmente cultivados em substratos típicos de suas regiões, para a produção de alimentos probióticos ou parabióticos, metabólitos orgânicos e inorgânicos como antioxidantes, ou em aplicações ambientais e biomateriais, entre outros. Embora o uso desses microrganismos remonte a centenas ou milhares de anos, sua versatilidade continua a oferecer múltiplas alternativas. As publicações de vários autores dos últimos cinco anos comprovam isso.

Para ler o artigo, acesse

ALBA, D.M.R. and PINEDA, G.A.C. Evaluation of a process for producing fermentable sugars from porva corn by Rhizopus oryzae. Braz. J. Food Technol. [online]. 2024, vol. 27, e2023137 [viewed 6 November 2024]. https://doi.org/10.1590/1981-6723.13723. Available from: https://www.scielo.br/j/bjft/a/P5GWKzpJthFK4nnbYdTHRnD

Referências

BORRÁS, L. M., et al. Fermentación en estado sólido de residuos poscosecha deSolanum tuberosumy un preparado microbiano. Canadian Journal of Agricultural Science [online]. 2020, vol. 54, no. 4, pp. 525-533 [viewed 6 November 2024]. Retrieved in 2023, November 6, from: http://scielo.sld.cu/pdf/cjas/v54n4/2079-3480-cjas-54-04-525.pdf

CHAKRABORTY, I., et al. Insight into the gelatinization properties influencing the modified starches used in food Industry: A review. Food and Bioprocess Technology [online]. 2022, vol. 15, no. 6, pp. 1195-1223 [viewed 6 November 2024]. http://doi.org/10.1007/s11947-022-02761-z. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/s11947-022-02761-z

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

GERMER, S.P.M. and NIGLIO, F.S.R. Hidrólise do milho com fungos é alternativa ao processo de malteação tradicional na produção de cerveja [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2024 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2024/11/06/hidrolise-do-milho-com-fungos-alternativa-malteacao/

 

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