Bruna Scanavachi Lourenço, pesquisadora no Núcleo de Estudos em Sociologia Econômica e das Finanças, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, Brasil.
Muitos telespectadores atentos aos comerciais cervejeiros veiculados entre 2012 e 2017 devem ter notado uma transformação significativa na forma como as mulheres foram representadas nessas propagandas. Nos primeiros anos, havia uma tendência de objetificação das mulheres em peças publicitárias.
A personagem Verão dos comerciais Itaipava é um símbolo do machismo incutido nessas representações e gerou indignação de muitas mulheres. Nos últimos anos, entretanto, as mulheres passaram a aparecer em maior pé de igualdade com os homens, consumindo a cerveja junto aos seus pares masculinos em muitas propagandas desse período, por exemplo.
O estudo foi orientado pelo professor Silvio Eduardo Alvarez Candido e desenvolvido em conjunto com as pesquisadoras Bruna Scanavachi Lourenço e Débora Mayumi Viol Sakoda. Ele tomou como ponto de partida o Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Engenharia de Produção na UFSCar de Sakoda. Os resultados confirmam e detalham como as críticas feministas foram cruciais na transformação das convenções publicitárias no setor cervejeiro no período analisado.
Foram consideradas as cinco marcas de cerveja mais consumidas no Brasil: Skol, Brahma, Antarctica, Schin e Itaipava. A pesquisa descritiva, qualitativa e longitudinal permitiu abordar as mudanças nas práticas publicitárias, suas relações com a atuação da governança interna do setor publicitário e a repercussão das críticas.
Diferentemente das análises existentes, o objeto de estudo foi concebido como um conjunto de campos econômicos e não econômicos interconectados, e o papel das unidades de governança na dinâmica da mudança social foi enfatizado.
Os anúncios das marcas de cerveja disponíveis no YouTube foram analisados a partir de indicativas de sexismo nas peças audiovisuais, incluindo cenário publicitário, sexualização das personagens, papel e foco da mulher (isto é, se a mulher está servindo e/ou bebendo a cerveja), se tem espaço de fala e outros traços machistas.
Além de 213 propagandas de cerveja no YouTube, também foram analisadas reportagens da mídia e 99 ações abertas contra a indústria cervejeira no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), órgão responsável por avaliar denúncias e reclamações sobre o conteúdo publicitário. O período analisado entre 2012 e 2017 foi marcado por uma tendência de perda de legitimidade de práticas sexistas que passaram a ser fortemente contestadas.
Os resultados indicam que a perda de eficácia simbólica de práticas publicitárias sexistas foi impulsionada por episódios de conflito que tiveram ampla repercussão midiática e que afetaram as empresas dominantes do setor cervejeiro. As transformações foram condicionadas pela repercussão das críticas e pela sua capacidade de mobilizar apoiadores não diretamente envolvidos nas disputas para afetar a imagem das empresas mais poderosas e a legitimidade de práticas de propaganda sexista.
A análise indicou que o CONAR tendia a canalizar as críticas e absorvê-las de forma conservadora, favorecendo os interesses das empresas dominantes no setor. A “blindagem” das elites setoriais promovida por essas associações pode ser contornada a partir de ações inovadoras e estratégicas de movimentos que geram ampla repercussão.
O estudo traz contribuições significativas para as práticas de gestores e ativistas sociais. A formação convencional de administradores é fortemente influenciada por teorias racionalistas, funcionalistas e gerenciais que subestimam a importância da cultura e da história na configuração dos mercados. A abordagem desenvolvida contribui para combater esses vieses e sensibilizar os gestores para melhor compreender e lidar com a dinâmica política dos mercados, principalmente com os movimentos sociais que exercem cada vez mais influência sobre o desempenho das empresas.
Além disso, o estudo detalhado, fundamentado teoricamente e empiricamente informado de um caso de relativo sucesso pode trazer lições valiosas e influenciar estratégias a serem adotadas pelos ativistas na promoção de mudanças sociais.
Referências
BOLTANSKI, L. and CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo São Paulo: Martins Fontes, 2009.
LOURENÇO, B.S. O papel das mulheres nas propagandas de cerveja e a importância da crítica feminista [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2023 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2023/04/12/o-papel-das-mulheres-nas-propagandas-de-cerveja-e-a-importancia-da-critica-feminista/
Muitos telespectadores atentos aos comerciais cervejeiros veiculados entre 2012 e 2017 devem ter notado uma transformação significativa na forma como as mulheres foram representadas nessas propagandas. Nos primeiros anos, havia uma tendência de objetificação das mulheres em peças publicitárias.
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