Design or Science, essa é a questão

Daniel Pacheco Lacerda, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas – PPGEPS/UNISINOS, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS, Brasil.

Logo do periódico Gestão & Produção.Neste press-release, teremos uma entrevista com o pesquisador Daniel Pacheco Lacerda, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas (PPGEPS) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) em São Leopoldo no Rio Grande do Sul. Ele tem atuado em diversas áreas da Engenharia de Produção, incluindo Teoria das Restrições, Estratégia de Operações, Engenharia de Processos e Projeto Organizacional, Gestão e Análise de Eficiência, Design Science Research (DSR) e Modularidade.

O Prof. Lacerda é um dos coautores de Design Science Research: método de pesquisa para a engenharia de produção, artigo mais citado da Gestão & Produção nos últimos 10 anos, sendo também um dos mais acessados no portal SciELO. De acordo com o Google Scholar, este artigo recebeu 371 citações.

Na entrevista, o pesquisador nos conta sobre sua trajetória profissional, o artigo, sua motivação e relevância, além de falar como o tema evoluiu nos últimos anos e como ele acredita que continuará evoluindo.

O que motivou a escrita do artigo e qual foi a relevância dele em 2013?

Inicialmente havia um grupo de colegas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ) liderado pelo Prof. Heitor Caulliraux e os pesquisadores da UNISINOS Prof. Ricardo Cassel e Prof. Junico Antunes realizando um conjunto de leituras e discussões sobre Design Science. Na época não falávamos de Design Science Research. O Prof. Ricardo Cassel atualmente é pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ao participar de ambos os grupos, tive uma posição privilegiada para ampliar minha compreensão a partir dos diferentes pontos de vista.

Em 2011, surge a oportunidade de participar do projeto PRO-ENGENHARIAS, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e que envolvia a COPPE/UFRJ, UNISINOS, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e Universidade de São Paulo (USP). Nesse projeto, incluímos uma linha de pesquisa para o desenvolvimento metodológico para a pesquisa em Gestão de Operações em Organizações Inovadoras. Estive responsável por essa linha de pesquisa e, na ocasião, foi concedida uma bolsa de mestrado para a Dra. Aline Dresch, que aceitou o desafio de aprofundar nosso domínio sobre a Design Science e a Design Science Research. Dra. Aline Dresch foi uma grande parceira, em especial, na produção intelectual, discussões e concepção dos trabalhos em DSR, até 2018.

Paralelamente, eu liderava o Grupo de Pesquisa em Modelagem para Aprendizagem) (GMAP | UNISINOS) (com o Prof. Luis Henrique Rodrigues e a Prof. Maria Isabel Wolf Motta Morandi. Nosso foco, desde 2010, era desenvolver projetos de pesquisa a partir das demandas das organizações. Nesse sentido, por vezes nossas pesquisas não eram consideradas “acadêmicas” ou “científicas”, apesar das publicações e premiações recebidas.

Entendemos que essas críticas ocorriam em função de uma compreensão limitada em termos ontológicos, epistemológicos e, principalmente, metodológicos. A convergência desses dois fatores motivou a pesquisa e a formalização do artigo. Outro motivador importante foi o Prof. Carlos Torres Formoso (do Núcleo Orientado para a Inovação da Construção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – NORIE/UFRGS) e algumas discussões e artigos que compartilhamos.

Assim, a relevância em 2013 consistiu em ampliar a compreensão da comunidade científica de Engenharia de Produção, em particular, e de outras áreas (gestão, saúde, informática, educação), em geral, em termos ontológicos e metodológicos. Por vezes, pesquisas prescritivas eram excessivamente criticadas pela comunidade científica pelo reduzido conhecimento sobre os fenômenos artificiais.

Além disso, ao não dispor de um método de pesquisa apropriado para a construção de artefatos e a proposição de design propositions, as pesquisas que se arriscavam em fazê-las careciam de um rigor metodológico. Entendo que esses aspectos foram relevantes em 2013.

Por fim, a sociedade brasileira tem, apropriadamente, requisitado cada vez mais da comunidade científica respostas aos seus problemas. Nesse sentido, o artigo foi relevante ao disponibilizar uma alternativa metodológica à comunidade científica brasileira. Em 2014, procuramos impactar a comunidade científica internacional publicando o livro Design Science Research: A Method for Science and Technology Advancement pela Springer1 cuja ideias centrais estão presentes no artigo)

Composição: um caderno de desenho com ilustrações, um lápis sobre o caderno e uma xícara de café ao lado. Fundo branco. As ilustrações são: uma régua triangular, uma lâmpada com engrenagem no centro, engrenagens, uma chave inglesa, uma plataforma rolante de produção entre outras similares.

Imagem: Freepik.

A que você atribui o alto número de citações do artigo?

Acredito que o elevado volume de citações deriva de alguns fatores. Primeiro, há uma evolução natural na comunidade científica em busca de novas formas de produzir um conhecimento científico relevante. Segundo, a sociedade e os agentes públicos têm pressionado a comunidade de pesquisadores a trazerem respostas aos seus desafios. Terceiro, as melhores empresas brasileiras e internacionais compreenderam as oportunidades de gerar tecnologia e inovação com as Universidades e Institutos de Pesquisa.

Cada vez menos os conhecimentos superficiais presentes em outras organizações satisfazem os gestores, que estão cada vez mais qualificados. Os gestores buscam resultados cientificamente fundamentados, enquanto que a tentativa e erro nas organizações tem menos espaço nas decisões, na gestão e nas operações. Por fim, as Universidades brasileiras perceberam a importância de estabelecer relações profícuas com os diversos atores da sociedade no que tange ao desenvolvimento científico e tecnológica. Esses fatores motivaram a busca de novos caminhos metodológicos e impactou na leitura e citação do artigo.

Como o tema abordado evoluiu desde a publicação do artigo e qual o estado-da-arte?

Foram realizados diversos progressos. Entendemos melhor como revisar sistematicamente e organizar a literatura técnico-científica para avaliar os artefatos existentes e melhor abduzir soluções. Adicionalmente estamos em um processo de melhor compreensão do método científico abdutivo e do conceito de mecanismos, cuja compreensão ainda é superficial. Também avançamos em termos ontológicos e epistemológicos no conhecimento em Design Science.  Além disso, percebemos que o conhecimento gerado sob o paradigma da Design Science por vezes não é considerado conhecimento científico.

Por vezes, a compreensão é de que os artefatos são meios para alcançar o conhecimento científico, outros  entendem que são de natureza distinta e que podem se complementar. Nesse sentido, atualmente, a busca é conectar o Design a Ciência. Estamos avançando, também, em adotar cada vez mais métodos de pesquisas experimentais para a real avaliação dos artefatos. Por fim, precisamos avançar na validade externa dos artefatos aplicando-os em diferentes contextos para incrementar a confiabilidade nos resultados.

Como você vê a evolução e usabilidade do tema nos próximos anos?

Os movimentos perceptíveis indicam um avanço consistente. Há diversos trabalhos sendo publicados em diferentes áreas de conhecimento que perpassam pela educação, saúde, engenharia, gestão, dentre outras. Por um lado, tanto a necessidade quanto os incentivos para interação e a geração de respostas para a sociedade a partir da comunidade científica reforçam a usabilidade da Design Science e da Design Science Research.

Por outro lado, a pandemia tornou mais palpável para as empresas e para a sociedade o valor e a segurança do conhecimento científico. As discussões nas organizações estão mais profundas e as “máximas” gerenciais sem um lastro científico são cada vez mais questionadas nas empresas de classe mundial.

A revolução tecnológica e a compreensão cada vez mais ampla da importância da tecnologia e da ciência tendem a ampliar a usabilidade pelas Instituições de Pesquisa e pelos Centros de Pesquisa das empresas. Além disso, outros excelentes pesquisadores no Brasil têm procurado avançar as pesquisas em DSR, a saber: Prof. André Ribeiro (Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – ESDI/UERJ), Profa. Cristiane Pedron (Universidade Nove de Julho – UNINOVE), Profa. Amarolinda Saccol (UNISINOS), Prof. Édison Silva (COPPE/UFRJ), Prof. Carlos Torres Formoso (NORIE/UFRGS), dentre outros.

Você continua atuando no tema? Qual enfoque você pretende dar na sua pesquisa nos próximos anos?

Sim, definitivamente. Temos atuado orientando pesquisas que buscam aprofundar os conhecimentos da Design Science e da Design Science Research, avançando na sua divulgação e por meio do ensino em nível de graduação, mestrado e doutorado.

Atualmente há muito mais parceiros de pesquisa com visões complementares, em relação a 2011. Isso é motivante e enriquecedor. Estamos interessados em conectar o Design com a Ciência e temos desenvolvido essa pesquisa em colaboração com o Prof. Georges Romme, da Eindhoven Universtiy of Technology (TU/E), localizada nos Países Baixos. Além disso, o Prof. Raymond Opendenakker, da mesma Universidade, tem sido um parceiro importante.

Apesar de compreender que a Design Science e a Design Science Research consistem em ontologias e epstemologias distintas e complementares, entendo que é necessário explorar esse caminho para refutar, ou não, essa compreensão. Paralelamente, estamos avançando no acúmulo de experiência na aplicação da Design Science Research para impactar positivamente as organizações e explorando novos métodos, técnicas e ferramentas para avaliação dos artefatos, desenvolvimento de design propositions e na transposição desse conhecimento para a sociedade.

Temos obtido resultados estimulantes que tem gerado valor, empregos e desenvolvimento para as empresas com as quais temos conduzido pesquisas conjuntas. A relevância é um valor do GMAP | UNISINOS desde sua origem e continuará sendo pelos próximos anos.

1. Design Science Research: A Method for Science and Technology Advancement. SpringerLink

Para ler o artigo, acesse

LACERDA, D.P., et al. Design Science Research: método de pesquisa para a engenharia de produção. Gest. Prod. [online]. 2013, vol. 20, no. 4,  pp. 741-761 [viewed 10 April 2023]. https://doi.org/10.1590/S0104-530X2013005000014. Available from: https://www.scielo.br/j/gp/a/3CZmL4JJxLmxCv6b3pnQ8pq/

Links externos

Gestão & Produção – GP: https://www.scielo.br/gp/

Gestão & Produção – Site: https://www.gestaoeproducao.com/

Foto de Daniel Pacheco LacerdaSobre Daniel Pacheco Lacerda

Daniel Pacheco Lacerda atua como pesquisador na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). É Doutor em Engenharia de Produção – COPPE/UFRJ e pesquisa nas áreas de Engenharia de Produção e Gestão de Operações. Seus temas de interesse em pesquisa são: Teoria das Restrições Estratégia de Operações, Engenharia de Processos e Projeto Organizacional, Gestão e Análise de Eficiência (Data Envelopment Analysis), Design Science Research e Modularidade. Lattes | Orcid | LinkedIn

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

LACERDA, D.P. Design or Science, essa é a questão [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2023 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2023/04/10/design-or-science-essa-e-a-questao/

 

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