30 anos do SUS. Como avaliar sua atuação?

Por Laeticia Jensen Eble, Secretaria executiva do periódico Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, Brasil

Criado pela Constituição Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) completa 30 anos de existência em 2018. Considerando que cerca de 80% da população brasileira hoje é dependente dos serviços do SUS, a crise econômica atual é preocupante. A combinação de contextos restritivos e políticas de austeridade e contenção da despesa pública, inclusive com a saúde, podem colocar em risco os avanços conquistados e o direito à saúde para a maioria da população brasileira (DONIEC; DALL’ALBA; KING, 2016). Ao difundir o conhecimento epidemiológico aplicável às ações de vigilância, de prevenção e de controle de doenças e agravos de interesse da Saúde Pública, oferecendo análises e avaliações dos serviços oferecidos pelo SUS, o periódico Epidemiologia e Serviços de Saúde (RESS) desempenha um importante papel em prol do aprimoramento e do fortalecimento do sistema de saúde brasileiro. A RESS segue em sua missão e apresenta uma mostra do que vem sendo produzido pelas pesquisas no campo da epidemiologia no Brasil.

O artigo de opinião de autoria de Draurio Barreira, pesquisador da Unitaid (Fundo Internacional para a Compra de Medicamentos), intitulado “Os desafios para a eliminação da tuberculose no Brasil”, versa sobre esta que é considerada a doença infecciosa mais letal da atualidade. Barreira comenta a proposta ousada da estratégia da Organização Mundial da Saúde sob o título “End TB”, que tem como meta a eliminação da epidemia global de tuberculose até 2035. A “End TB” implica que os governos assumam a responsabilidade de garantir o acesso universal aos serviços de saúde, bem como de investir em inovação e pesquisa para aperfeiçoar e introduzir novos instrumentos capazes de acelerar o diagnóstico e tratamento dos casos da doença. Graças à articulação de políticas públicas de proteção social, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Programa Bolsa Família (PBF), o Brasil atingiu as metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) antes do prazo estabelecido.

Entre os artigos originais, Ribeiro e colaboradores em “Microcefalia no Piauí, Brasil: estudo descritivo durante a epidemia do vírus Zika, 2015-2016”, descrevem a ocorrência e as características de um surto de microcefalia em nascidos vivos no Piauí, a partir de setembro de 2015. Os achados fortalecem a hipótese de possível vínculo entre a doença do vírus Zika e os casos de microcefalia. Os casos foram detectados via diagnóstico clínico e de imagem, com registro nos sistemas de informações em saúde oficiais, a despeito das dificuldades para se fechar um diagnóstico via exames laboratoriais. Observou-se aumento da ocorrência de casos de microcefalia a partir de setembro de 2015, com pico em dezembro de 2015, em que a prevalência chegou a 91,6/10 mil nascidos vivos, segundo dados do Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP). O estudo faz um alerta sobre a baixa qualidade do atendimento pré-natal realizado atualmente no Brasil, em particular no Nordeste, sugerindo a inclusão da pesquisa de infecção pelo vírus Zika no pré-natal.

No artigo “Concordância da causa básica e da evitabilidade dos óbitos infantis antes e após a investigação no Recife, Pernambuco, 2014”, Marques e outros autores realizaram a investigação e a reclassificação dos óbitos infantis, de acordo com os critérios de evitabilidade. Constatou-se que nove em cada dez óbitos foram considerados evitáveis por intervenções do SUS, e aproximadamente, 70% dos óbitos poderiam ter sido prevenidos se houvesse adequada atenção à mulher na gestação. Os autores afirmam que a vigilância do óbito infantil contribuiu para uma melhor especificação das causas básicas, redirecionando as causas intermediárias registradas nas declarações de óbito e classificando corretamente a evitabilidade das mortes infantis. Assim, o artigo ressalta a importância das ações de vigilância a adoção de uma estratégia de monitoramento com vistas à evitabilidade de óbitos redução da mortalidade infantil.

Este número conta, ainda, com um estudo de Cascaes, Dotto e Bomfim sobre as “Tendências da força de trabalho de cirurgiões-dentistas no Brasil, no período de 2007 a 2014”, que de maneira oportuna, preenche uma lacuna importante na produção científica sobre o tema na atualidade. Outro artigo que trata sobre o campo da saúde bucal é de Lemos, et al. e trata da “Cárie dentária em povos do Parque Indígena do Xingu, Brasil, 2007 e 2013”. Diferentemente do que ocorre com os indicadores de cárie dentária de abrangência nacional, que vêm apresentando declínio, a prevalência da cárie dentária não tratada em crianças e adolescentes do Parque Indígena do Xingu manteve-se elevada entre 2007 e 2013. Os autores afirmam que, para melhorar essa situação, são imprescindíveis programas de atenção à saúde bucal que promovam uma atenção odontológica oportuna às comunidades indígenas.

Observa-se que uma parcela expressiva dos artigos publicados na RESS aponta as desigualdades sociais e regionais com importantes entraves para o alcance das metas de integralidade da atenção e da assistência à saúde no Brasil.

Nesse sentido, Silva e colaboradores em “Mensuração de desigualdades sociais em saúde: conceitos e abordagens metodológicas no contexto brasileiro”, discorrem sobre integra a série “Aplicações da epidemiologia”, apresentando os principais métodos de mensuração e monitoramento das desigualdades sociais em saúde, a fim de identificar os grupos mais vulneráveis (ou menos favorecidos), que deveriam receber prioridade em intervenções de saúde pública.

A partir da coletânea de artigos apresentada neste número da RESS, percebe-se a relevância da produção científica no suporte e direcionamento das políticas públicas de saúde, ao oferecer dados, informações e análises, além de propor soluções para melhorar o acesso a ações e serviços do SUS. Contudo, esse objetivo só será plenamente alcançado com empenho da ação governamental, tanto para fomentar esses estudos quanto para implementar as inovações.

Referências

BARREIRA, D. Os desafios para a eliminação da tuberculose no Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2018, vol. 27, no. 1, e00100009, ISSN: 2237-9622 [viewed in 05 March 2018]. DOI: 10.5123/s1679-49742018000100009. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222018000100900&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

CASCAES, A.M., DOTTO L. and BOMFIM, R.A. Tendências da força de trabalho de cirurgiões-dentistas no Brasil, no período de 2007 a 2014: estudo de séries temporais com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2018, vol. 27, no. 1, e201723615, ISSN: 2237-9622 [viewed in 05 March 2018]. DOI: 10.5123/s1679-49742018000100015. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222018000100313&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

DONIE, K., DALL’ALBA, R. and KING, L. Austerity threatens universal health coverage in Brazil. The Lancet [online]. 2016, vol. 388, no. 10047, pp. 867-868, [viewed in 05 March 2018]. DOI: 10.1016/S0140-6736(16)31428-3. Available from: http://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(16)31428-3.pdf

LEMOS, P.N., et al. Cárie dentária em povos do Parque Indígena do Xingu, Brasil, 2007 e 2013. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2018, vol. 27, no. 1, e20171725, ISSN: 2237-9622 [viewed in 05 March 2018]. DOI: 10.5123/s1679-49742018000100005. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222018000100302&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

MARQUES, L.J.P., et al. Concordância da causa básica e da evitabilidade dos óbitos infantis antes e após a investigação no Recife, Pernambuco, 2014. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2018, vol. 27, no. 1, e20170557, ISSN: 2237-9622 [viewed in 05 March 2018]. DOI: 10.5123/s1679-49742018000100007. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222018000100305&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

RIBEIRO, I.G., et al. Microcefalia no Piauí, Brasil: estudo descritivo durante a epidemia do vírus Zika, 2015-2016. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2018, vol. 27, no. 1, e20163692, ISSN: 2237-9622 [viewed in 05 March 2018]. DOI: 10.5123/s1679-49742018000100002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222018000100300&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

SILVA, I.C.M, et al. Mensuração de desigualdades sociais em saúde: conceitos e abordagens metodológicas no contexto brasileiro. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2018, vol. 27, no. 1, e000100017, ISSN: 2237-9622 [viewed in 05 March 2018]. DOI: 10.5123/s1679-49742018000100017. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222018000101000&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

Para ler os artigos, acesse

Epidemiol. Serv. Saúde vol.27 no.1 Brasília 2018

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

EBLE, L.J. 30 anos do SUS. Como avaliar sua atuação? [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2018 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2018/03/08/30-anos-do-sus-como-avaliar-sua-atuacao/

 

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