Por Pablo Rodrigues Costa Alves, Editor de Mídias Sociais, Brazilian Journal of Nephrology, São Paulo, SP, Brasil
Neves e colaboradores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no artigo “Resultados cirúrgicos iniciais de 500 paratireoidectomias por hiperparatireoidismo relacionado a distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica”, publicado no Brazilian Jounal of Nephrology, (vol. 40, no. 4) demonstraram que, mesmo na ausência de técnicas adjuvantes cirúrgicas, como criopreservação, monitorização neurofisiológica intraoperatória, dosagem de paratormônio durante a cirurgia e imagens pré-operatórias com sestamibi, a paratireoidectomia pôde ser realizada de maneira segura, com altas taxas de sucesso cirúrgico e baixa incidência de complicações.
A paratireoidectomia é o tratamento cirúrgico de escolha para pacientes com hiperparatireoidismo (HPT) relacionado a doença mineral e óssea da doença renal crônica (DMO-DRC), uma complicação clínica comum que se manifesta com dor óssea, aumento da incidência de fraturas e deformidades ósseas, calcificação vascular e de tecidos moles, além do aumento do risco cardiovascular e mortalidade. Geralmente, a DMO-DRC é tratada clinicamente. Todavia, nos casos de falha do tratamento clínico, a terapia cirúrgica encontra-se indicada por sua associação com melhora clínica e redução da mortalidade. Como a paratireoidectomia não é isenta de riscos, Neves e colaboradores relatam que muitos centros utilizam o argumento da falta de tecnologias adjuvantes para justificar a não realização da cirurgia, gerando um atraso de 20 anos no tratamento desses pacientes e, por isso, decidiram verificar a eficácia da cirurgia, sem técnicas adjuvantes, para tratamento do HPT relacionado a DRC.
Os autores avaliaram, retrospectivamente, os dados de 518 pacientes com HPT secundário ou terciário, acompanhados por um grupo de nefrologistas especializados em DMO-DRC, que foram submetidos à paratireoidectomia num hospital terciário, devido à falha no tratamento clínico, no período entre 2010-2016. O procedimento de escolha, na maioria dos casos, foi a paratireoidectomia total com transplante autólogo intramuscular de tecido paratireoideo e foi realizado pelo mesmo cirurgião. Após o procedimento, os pacientes foram seguidos por um mínimo de seis meses. Os resultados revelaram que houve falha cirúrgica em 32 casos (6,17%) e, destes, apenas 7 (21,8%) necessitaram de uma segunda cirurgia. Hematoma cervical ocorreu em 10 pacientes (1,9%), havendo necessidade de drenagem cirúrgica em cinco. Oito pacientes (1,5%) evoluíram com paralisia unilateral de prega vocal, dos quais: três transitórias e cinco definitivas. Houve dois (0,4%) óbitos relacionados à cirurgia: um associado a sepse pulmonar e outro a morte súbita.
Com uma taxa de sucesso cirúrgico de 94% (e 98,6% considerando que apenas sete pacientes necessitaram de uma segunda cirurgia), Neves e colaboradores demonstram que, mesmo com recursos técnicos limitados, é possível realizar a paratireoidectomia com elevada taxa de sucesso. Taxa, inclusive, semelhante (1,4% e 1,85% de insucesso) a de estudos com grande casuística como os de Tominaga, et al. (2016) e Yamamoto, et al. (2016) com 1.053 e 8.000 pacientes, respectivamente. O número de complicações encontrado foi, também, comparável aos da literatura. Os achados, todavia, devem ser interpretados com cautela, pois, como descrito por Sosa, et al. (1998) e Mittendorf e McHENRY (2004) o sucesso da cirurgia e o risco de complicações encontra-se, intimamente, relacionados à experiência do cirurgião que a realiza, havendo maior taxa de sucesso e menor risco de complicações naqueles que realizaram a cirurgia mais de 100 vezes. Nesse sentido, os resultados encontrados estão, também, neste estudo com cirurgião único, relacionados a experiência deste profissional e podem não ser reproduzidos por indivíduos menos experientes.
Ao atestarem a segurança da paratireoidectomia no tratamento do HPT associado a DRC, sem tecnologias adjuvantes, realizada por profissionais experientes, os autores desmistificam a ideia de que a segurança desta cirurgia está relacionada com tecnologias, o que pode incentivar equipes cirúrgicas a realizar tais procedimentos em seus centros, algo extremamente importante, em termos de saúde pública em países em desenvolvimento, como o Brasil, uma vez que há uma grande demanda de paratireoidectomias no país (9.800 em estimativa da Sociedade Brasileira de Nefrologia em 2011) e um número reduzido de procedimentos realizados anualmente (<500/ano), o que impõe um atraso de 20 anos no tratamento destes pacientes, contribuindo para o aumento da mortalidade desta população.
Referências
MITTENDORF, E.A. and McHENRY, C.R. Complications and sequelae of thyroidectomy and an analysis of surgeon experience and outcome. Surg Technol Int. 2004, no. 12, pp. 152-157, ISSN:1090-3941 [viewed 8 March 2019]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15455320
SOSA, J.A., et al. Thresholds for surgery and surgical outcomes for patients with primary hyperparathyroidism: a national survey of endocrine surgeons. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism [online]. 1998, vol. 83, no. 8, pp. 2658-2665, ISSN 1945-7197 [viewed 8 March 2019]. DOI: 10.1210/jcem.83.8.5006. Available from: https://academic.oup.com/jcem/article/83/8/2658/2660444
TOMINAGA, Y., et al. Evaluation of parathyroidectomy for secondary and tertiary hyperparathyroidism by the parathyroid surgeons’ society of Japan. Ther Apher Dial [online]. 2016, vol. 20, no. 1, pp. 6-11, e-ISSN: 1744-9987 [viewed 8 March 2019]. DOI: 10.1111/1744-9987.12352. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26879490
YAMAMOTO, T., et al. Characteristics of persistent hyperparathyroidism after renal transplantation. World J Surg [online]. 2016, vol. 40, no. 3, pp. 600-606, ISSN: 0364-2313 [viewed 8 March 2019]. DOI: 10.1007/s00268-015-3314-z. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26546189
Para ler o artigo, acesse
NEVES, M.C., et al. Resultados cirúrgicos iniciais de 500 Paratireoidectomias por Hiperparatireoidismo relacionado a distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica. J. Bras. Nefrol. [online]. 2018, vol. 40, no. 4, pp. 319-325, ISSN: 2175-8239. DOI: 10.1590/2175-8239-jbn-3924. Available from: http://ref.scielo.org/qj39qr
Link externo
Jornal Brasileiro de Nefrologia – JBN: <www.scielo.br/jbn>
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