Epidemia de Zika ainda existe? Seus efeitos permanecem?

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Logo do periódico Ciência & Saúde ColetivaNa edição 27.3 da Revista Ciência & Saúde Coletiva vários artigos se dedicam a refletir sobre as doenças infecciosas presentes no Brasil neste século XXI. Todos mostram que elas são persistentes e trazem consigo profundos dramas humanos. Mais, evidenciam, do ponto de vista social, que as vítimas principais são as pessoas pobres, sem instrução e moradoras de locais sem saneamento. Nesse momento, o mundo vivencia a pandemia da COVID-19 que causa tanto medo e mobiliza como nunca a ciência a favor da vida coletiva, com a particularidade de atingir e matar ricos e pobres, reis e plebeus.

No entanto, nem todas as enfermidades infecciosas têm o mesmo palco de exposição e recebem suficientes investimentos para sua eliminação, controle ou erradicação. É o caso da Zika, tratada nesta edição em dois textos que devem ser lidos em complementariedade: Atenção Primária no contexto da epidemia Zika e síndrome congênita da Zika em Pernambuco: contexto, vínculo e cuidado (COÊLHO et al, 2022); e Serviços de atenção especializada para crianças com Síndrome Congênita pelo Vírus Zika no Rio de Janeiro, a partir da Análise de Rede Social (GOUVÊA et al, 2022). Os dois textos trazem reflexões locais, porém, as questões que levantam, com certeza, podem ser extrapoladas para o âmbito nacional.

Isolado pela primeira vez em macacos na floresta ZiKa em Uganda, em 1947, o vírus que recebeu o nome dessa floresta, é transmitido por mosquitos Aedes, semelhantes aos que causam dengue e febre amarela. Eles provocam uma infecção que se espalha em nível epidêmico e pode causar febre, exantema, dores articulares e conjuntivite. Mas, seu maior dano ocorre com mulheres grávidas que, quando infectadas, correm o risco de ter crianças com microcefalia, grave defeito congênito que produz alterações oculares e uma série de deficiências no desenvolvimento humano, a denominada síndrome congênita de Zika vírus. Em adulto, esse agente também pode provocar problemas neurológicos graves.

Figura 1. Vetores e suas transmissões de Arboviroses no Brasil

O artigo de Coêlho et al (2022) sobre o papel da Atenção Primária para prevenir e tratar a referida síndrome congênita, em palavras dos próprios autores, mostra insuficiência de coordenação do cuidado, de continuidade nos tratamentos e de capacidade para orientar as famílias e as comunidades. O texto evidencia esses pontos, realçando que a Atenção Primária não tem condições de responder sozinha pelos cuidados adequados para diminuir os agravos e aumentar o desenvolvimento das crianças atingidas, embora cumpra papel importante na prevenção e na vinculação das populações atingidas.

Por sua vez, o artigo de Gouvêa et al (2022) faz um contraponto com o primeiro, mostrando a importância das redes de assistência e de apoio, em especial para as crianças com a mencionada síndrome. No entanto, o estudo apresenta uma rede fragmentada e centralizada em alguns serviços públicos da atenção secundária e terciária. Embora os autores tenham analisado apenas o caso do Rio de Janeiro, eles destacam a ausência dos serviços privados na rede de atenção às vítimas da síndrome e a escassa interlocução dos serviços filantrópicos entre si e com os serviços públicos. As informações hoje oferecidas pela rede virtual, dizem os autores, são insuficientes e superficiais e há grandes lacunas na rede formal de reabilitação.

Por que trazer esse tema ao foco deste artigo? Primeiro porque o mosquito transmissor e os casos de infecção, embora em baixa intensidade, continuam presentes em todos os estados da federação e no distrito federal. Em segundo lugar, porque essa infecção é uma doença dos pobres, padece de pouca atenção, constituindo-se numa epidemia silenciosa. Em terceiro lugar, porque, como diz Barreto (2022) no editorial deste mesmo número temático (Glórias e percalços na história do conhecimento e do controle das doenças infecciosas: urge redirecionar o futuro), ações humanas predatórias sobre a natureza estimulam a presença de novos e a permanência de antigos patógenos. Portanto, o estudo das doenças infecciosas e seus agentes deve se pautar por amplo referencial, para que sejam entendidas em suas complexas relações com as condições de vida e o respeito à natureza, e não apenas como domínio exclusivo das ciências biomédicas e clínicas.

Para ler os artigos, acesse

BARRETO, M.L. Glórias e percalços na história do conhecimento e do controle das doenças infecciosas: urge redirecionar o futuro. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 3, pp. 822 [viewed 12 April 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-81232027273.22092021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/5wckBHCMTvSyJFJpcnhdwWH/?lang=pt

COÊLHO, B.P., et al. Atenção primária no contexto da epidemia zika e da síndrome congênita da zika em Pernambuco, Brasil: contexto, vínculo e cuidado. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 3, pp. 861-870 [viewed 12 April 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-81232022273.44782020. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/qCtHVVXbNSBNn6xsZRMmPLJ/abstract/?lang=pt

GOUVÊA, D.L.S., LOVISI, G.M. and MELLO, M.G.S. Serviços da atenção especializada para crianças com síndrome congênita pelo vírus zika no Rio de Janeiro, Brasil, a partir da análise de rede social. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, vol. 27, no. 3, pp. 881-894 [viewed 12 April 2022]. https://doi.org/10.1590/1413-81232022273.03342021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/DdPtDwFpR5TTW3N839jJBqr/?lang=pt

Link(s)

Para ler a edição temática completa acesse: https://www.scielo.br/j/csc/i/2022.v27n3/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

MINAYO, M.C.S. and GUALHANO, L. Epidemia de Zika ainda existe? Seus efeitos permanecem? [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2022 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2022/04/13/epidemia-de-zika-ainda-existe-seus-efeitos-permanecem/

 

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