Fabiana Sabadini Rezende Niglio, Coordenadora de Comunicação do Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, SP, Brasil.
Silvia Pimentel Marconi Germer, Editora adjunta do Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, SP, Brasil.
A pasta de chocolate (spread) é uma dispersão de cacau em pó e açúcar em uma fase lipídica (gordura). O produto se comporta como um sólido estável, sem separação de fases, porém com propriedade de espalhamento. Trata-se de um alimento muito popular, que apresenta sabor peculiar, e cujo consumo está associado à sensação de prazer (Macht & Dettmer, 2006). No entanto, sua formulação emprega gorduras semi-sólidas, tais como óleo de palma, com altos teores de ácidos graxos saturados (AGS), associados ao aumento do colesterol no sangue, e, consequente, maior risco de doenças cardiovasculares.
Nesse contexto, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), ambos de Campinas, SP, desenvolveram um estudo com o objetivo de avaliar o uso de organogéis à base de óleo de girassol com alto teor de ácido oleico (OGAAO).
Esse óleo é considerado uma matéria-prima premium, utilizada em aplicações alimentícias que requerem o uso de um óleo líquido com estabilidade oxidativa. Por sua vez, os organogéis são estruturas diminutas formadas por um óleo vegetal, um agente estruturante, com as propriedades nutricionais dos óleos, e a textura das gorduras. Parte dos resultados da pesquisa foi apresentada no artigo Lipid phase characterization and reformulation of chocolate spreads to reduce saturated fatty acids, publicado no periódico Brazilian Journal of Food Technology (vol. 27, 2024).
Três diferentes organogéis foram preparados sob aquecimento e agitação, empregando misturas da fase imobilizada, o OGAAO, com um agente estruturante à base de cera de candelila (Rocha et al., 2013; Stahl et al., 2018). As formulações das pastas foram preparadas na quantidade de 3 kg, empregando os diferentes organogéis, com uma formulação composta de açúcar refinado (39,50%), cacau em pó (25,00%), organogel (35,03%), lecitina de soja (0,40%) e aroma de chocolate (0,07%). Na formulação padrão empregou-se óleo de palma no lugar do organogel. A caracterização dos produtos incluiu análises da consistência, distribuição granulométrica, propriedades reológicas e técnica de turbidimetria dinâmica.
Os resultados mostraram, dentre outras propriedades, que as pastas de chocolate obtidas com os diferentes organogéis apresentaram boa estabilidade por 36 dias a 25 °C, sem exsudação de óleo líquido. O comportamento foi associado às demais propriedades obtidas, tais como tamanho de partícula e distribuição, morfologia, densidade média dos cristais e comportamento do material sólido. O diâmetro médio dos organogéis foi inferior a 30 μm, minimizando a percepção de granulação, resultante da fase lipídica, na boca.
O estudo demonstrou que os organogéis desenvolvidos podem ser utilizados na formulação de pastas de chocolate, nas concentrações de 3 e 6%, minimizando o emprego de gorduras saturadas semi-sólidas e resultando em um alimento mais saudável. A pesquisa aponta, também, para a possibilidade do uso dessas estruturas altamente tecnológicas em produtos de panificação, recheios e produtos cárneos.
A seguir, assista ao vídeo com Valdecir Lucas e leia a entrevista com os autores:
O tema do estudo é sempre uma escolha estratégica. Quais fatores motivaram vocês a escolherem esse assunto específico? Houve alguma tendência de mercado, demanda da indústria ou lacuna no conhecimento que orientou essa decisão?
A escolha deste tema foi motivada principalmente pela crescente demanda por alimentos mais saudáveis, impulsionada pela preocupação dos consumidores em reduzir a ingestão de ácidos graxos saturados, que estão diretamente associados a riscos cardiovasculares. Além disso, as indústrias alimentícias têm buscado atender a essa demanda e as exigências das legislações, adotando tendências como a eliminação de ácidos graxos trans e a redução de saturados em produtos de consumo em massa, como os spreads de chocolate. O uso de organogéis apresentou-se como uma solução inovadora e promissora, capaz de alinhar a melhoria nutricional com a manutenção das propriedades sensoriais dos produtos, como textura e estabilidade.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, quais foram os principais desafios enfrentados? Isso incluiu dificuldades experimentais, acesso a tecnologias ou mesmo barreiras durante a coleta de dados?
Um dos maiores desafios enfrentados foi a obtenção de uma estrutura de organogel adequada para que o produto final se assemelhasse com as propriedades dos spreads de chocolate tradicionais, que dependem da microestrutura cristalina dos lipídios. Outro obstáculo foi controlar o comportamento reológico e a estabilidade do produto final para evitar a exsudação do óleo, um problema comum quando se trabalha com gorduras modificadas. Esses fatores exigiram um cuidadoso ajuste das formulações e controle rigoroso durante o processo de produção.
A pesquisa científica muitas vezes demanda um cronograma extenso. Quanto tempo foi necessário para que o projeto fosse concluído, desde a definição do tema até a publicação dos resultados?
O desenvolvimento da tecnologia de organogéis foi iniciado pela pesquisadora Kamila Ferreira Chaves em 2012, durante seu mestrado na UNICAMP. Ao longo de cinco anos, foram realizados estudos contínuos, culminando na conclusão do projeto de doutorado em 2020. Assim, o tempo total até a publicação dos resultados foi de aproximadamente cinco anos, considerando a fase de planejamento, experimentação e análise dos dados.
Sabemos que o financiamento é um dos pilares para a concretização de um projeto de pesquisa. Como vocês conseguiram o suporte financeiro necessário? Contaram com parcerias institucionais, patrocínios ou financiamento público?
O projeto foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o que demonstra a importância do apoio de instituições públicas para o desenvolvimento de pesquisas na área de tecnologia de alimentos. Além disso, contamos com a infraestrutura da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP, a infraestrutura e o suporte técnico do Centro de Tecnologia de Cereal e Chocolate do ITAL, que foram fundamentais para o desenvolvimento e execução da pesquisa.
Com base nos resultados obtidos e na experiência do projeto, quais seriam as suas principais recomendações para outros cientistas que desejam explorar esse campo de estudo? Há novas áreas promissoras que vocês sugerem?
Há um grande potencial para continuar explorando a aplicação de organogéis em diferentes tipos de alimentos, especialmente como substitutos de gorduras saturadas e trans em produtos como pães, laticínios, sorvetes e carnes processadas. Uma área promissora é a escalabilidade da produção de organogéis, uma vez que muitos estudos ainda se encontram em fases experimentais, e são necessárias mais pesquisas para viabilizar a produção em larga escala. Outra recomendação seria investigar mais a fundo a digestibilidade dos organogéis, especialmente seu impacto na saúde humana, contribuindo para a prevenção de doenças cardiovasculares. Além disso, manter o foco em inovação sensorial e funcional é essencial para garantir a aceitação do consumidor, garantindo que os produtos finais mantenham suas qualidades de textura, sabor e aparência.
Para ler o artigo, acesse
CHAVES, K.F., et al. Lipid phase characterization and reformulation of chocolate spreads to reduce saturated fatty acids. Braz. J. Food Technol. [online]. 2024, vol. 27, e2023085 [viewed 5 November 2024]. https://doi.org/10.1590/1981-6723.08523. Available from: https://www.scielo.br/j/bjft/a/D7mKSt9hSZB4bpCzKrDMMGD
Referências
MACHT, M and DETTMER, D. Everyday mood and emotions after eating a chocolate bar or an apple. Appetite [online]. 2006, vol. 46, no. 3, pp. 332-336 [viewed 5 November 2024]. http://doi.org/10.1016/j.appet.2006.01.014. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S019566630600016X
ROCHA, J.C.B, et al. Thermal and rheological properties of organogels formed by sugarcane or candelilla wax in soybean oil. Food Research International [online]. 2013, vol. 50, no. 1, pp. 318-323 [viewed 5 November 2024]. http://doi.org/10.1016/j.foodres.2012.10.043. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0963996912004541?via%3Dihub
STAHL, M.A., et al. Structuration of lipid bases with fully hydrogenated crambe oil and sorbitan monostearate for obtaining zero-trans/low sat fats. Food Research International [online]. 2018, vol. 107, pp. 61-72 [viewed 5 November 2024]. http://doi.org/10.1016/j.foodres.2018.02.012. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0963996918301054
Links externos
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