Resenhas possibilitam valoração crítica de obras de referência

Ricardo Luiz Lorenzi, Editor-associado da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), Florianópolis, SC, Brazil. 

Mãos às Obras: construir vias para as resenhas

Logo do periódico Revista Brasileira de Saúde OcupacionalAtenção, o tráfego estará impedido para aquele uso habitual (e tipicamente paulistano, ) do termo: bate-papo, reunião, tertúlia. E contramão para aquele outro, também disseminado, mas depreciativo: lereia, blábláblá, bullshit. Pois ainda que — em sentido amplo — “resenha” denote gênero literário que envolve uma descrição pormenorizada, minuciosa, de uma obra (não necessariamente técnico-científica), a semântica aqui utilizada será a da resenha crítica, descartando-se a acepção laudatória ou meramente apologética e acrítica do termo.

“Recensão” é sinônimo do termo, de uso mais difuso em Portugal que no Brasil. Para Lakatos e Marconi (2010), trata-se de um recurso valioso ante a explosão da literatura técnica e científica e a exiguidade de tempo do trabalho intelectual contemporâneo. Nesse sentido, supõe-se que a resenha “encurte distâncias” de parte do trajeto cognitivo em direção ao conhecimento.

No âmbito editorial estrito das Ciências da Saúde, o termo resenha possui definição precisa, que designa: “trabalhos que consistem em análises críticas de livros ou outros trabalhos monográficos” (Opas/Bireme, 2025). Book review, Reseñas de Libros, Compte rendu d’ouvrage, são os termos correspondentes nos idiomas inglês, espanhol e francês, respectivamente.

 

Figura 1. O vocábulo Resenha, em diversos idiomas 

 

Trata-se, portanto, daquele conjunto de textos contributários à difusão de conhecimentos e informação relevante em Saúde, mas sempre tomado sob o prisma crítico. Este é o caso da resenha publicada na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) que abordaremos ao final, como um exemplo da modalidade.

Sim, é preciso admitir que um estigma ronda as resenhas, o de “cidadãos de segunda classe” da literatura científica, mas há também quem enxergue nelas uma virtude hermenêutica própria, no sentido do apreender-se o que é valioso em um campo acadêmico  — ou seja, discernir qual trabalho é digno de nota e quais valores estão em jogo nele (Obeng-Odoom, 2014).

E há quem as veja como um gênero próprio e singular da academia, uma espécie de idiossincrasia que se mostra mais frequente em algumas áreas do conhecimento humano do que em outras (Hartley, 2006). Seja como for, trata-se de uma via de dupla mão, que pode ser percorrida por pesquisadores que apreciam discorrer sobre suas leituras, acrescentando-lhes seu tom crítico pessoal, em favor do que julgam ser enriquecedor para uma leitura maior, a da realidade fenomênica que cerca a obra resenhada.

O letramento (“literacy”) 7 no campo da Saúde Coletiva em geral (como na Saúde do trabalhador, em particular, conforme Porto e Almeida, 2002, e Roquete, et al., 2023) é parte de um processo contínuo de aprendizagem que pode ser amparado — e até emocionalmente motivado — mediante o recurso a resenhas críticas. Especialmente no campo da Saúde do trabalhador (ST) — com seu caleidoscópio de ciências aplicadas e suas politécnicas várias — a resenha ainda perdura e está longe de sucumbir.

Interdisciplinaridade demanda muita leitura em extensão. Familiarizar-se (ou instrumentalizar-se) com o background das diversas Ciências sociais e humanas auxilia a equipe de saúde a interagir de modo eficiente para compreender e intervir no processo saúde-doença, inclusive o seu próprio (Posser, et al., 2013). Cientistas políticos, economistas, psicólogos e administradores de serviços de saúde, por sua vez, deveriam ser estimulados a conhecer os paradigmas gerais e quiçá os referenciais metodológicos mais importantes da Higiene ocupacional e da Epidemiologia para bem compreender o papel determinante do trabalho, neste processo.

Podemos nos reportar à literacy de Nutbeam — “conjunto de habilidades que se desenvolve, no conjunto das práticas sociais, buscando dar sentido ao conhecimento produzido e compartilhado sobre saúde,” a qual pode ser aplicada de modo interativo pelos atores do campo (Peres, 2023). Isso envolve o trabalhador, ele próprio o ator fundamental, individualmente ou como sujeito coletivo. Ou nos reportar, em plano mais teórico, ao modelo de Zarcadoolas e colaboradores (2005): o domínio científico da literacia, relativo ao conhecimento de conceitos e processos próprios da ciência, bem como de seu funcionamento e de sua complexidade técnica.

 

 

Em suma, o mote da resenha é valorizar a pré-leitura e o letramento, colocando em discussão os mais variados temas. Para a RBSO isso é faceta educadora da “techné” editorial, é vista como a atitude salutar e pró-andragógica do estar-no-mundo, o trânsito incessante do “lebenswelt,” à luz das contínuas transformações do mundo do trabalho. Este olhar é parte do que nós estamos nos propondo, com o Projeto “Comunicação acessória como parte da estratégia de qualificação bibliométrica e de aprimoramento editorial de um periódico de ST,” lançado para o biênio 25-26.

Como parte desse projeto figura a resenha de Redonner du Sens au Travail: une aspiration révolutionnaire, dos economistas Thomas Coutrot e Coralie Perez; ele pesquisador do Institut de Recherches Économiques et Sociales (IRES, França) e ela, da Sorbonne.

No livro, Coutrot e Perez enfrentam os desafios da interdisciplinaridade para nos oferecer exame bastante preciso (e precioso) de um valor que parece se esvair rapidamente na contemporaneidade disruptiva: o Sentido do Trabalho. E do que representa esse esvaimento para a saúde coletiva à medida que se agravam riscos psicossociais a ele associados. Os autores vão nos mostrar que existe uma falsa ideia disseminada em torno da questão do sentido do trabalho: a de que só os trabalhadores mais qualificados podem se dar ao luxo de encontrá-lo e significar seu valor. E demonstrarão isso com lastro em estudo econométrico pioneiro, aplicando modelagem estatística desenvolvida por ambos os autores sobre os dados de levantamentos estatísticos franceses. Entre outros resultados obtidos, mostram que o risco de depressão do trabalhador pode duplicar quando da perda de sentido do trabalho.

A resenha foi publicada em português sob o título Restituir o sentido do trabalho – uma aspiração revolucionária, no periódico RBSO, em seu volume 50 (2025).

 

 

Para ler o artigo, acesse

Lorenzi, R.L. Restituir o sentido do trabalho: uma aspiração revolucionária (Resenha de: Coutrot T, Perez C. Redonner du sens au travail: une aspiration révolutionnaire). Rev Bras Saude Ocup [online]. 2025, vol. 50, e2 [viewed 7 November 2025]. https://doi.org/10.1590/2317-6369/19924pt2025v50e2. Available from: https://www.scielo.br/j/rbso/a/cnfKjdf9JTyQZctFPjbPnPc/

Referências

Coutrot, T. and Perez, C. Redonner du sens au travail: une aspiration révolutionnaire. Paris: Seuil, 2022.

Hartley, J. Reading and Writing Book Reviews Across the Disciplines. Journal of the American Society for Information Science and Technology [online]. 2006, vol. 57, no. 9, p. 1194–1207 [viewed 7 November 2025]. https://doi.org/10.1002/asi.20399. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/asi.20399

Lakatos, E. and Marconi, M.A. Fundamentos de Metodologia Científica – 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

Obeng-Odoom, F. Why write book reviews? The Australian Universities’ Review [online]. 2014, vol. 56, no. 1, p. 78-82 [viewed 7 November 2025]. Available from: https://eric.ed.gov/?id=EJ1017964

Peres, F. Alfabetização, letramento ou literacia em saúde? Traduzindo e aplicando o conceito de health literacy no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2023, vol. 28, no. 5, p. 1563-73. https://doi.org/10.1590/1413-81232023285.14562022.  Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/cdmwH5gd66VNCXhVQJXJ3KD/

Porto, M.F. and Almeida G.E.S. Significados e limites das estratégias de integração disciplinar: uma reflexão sobre as contribuições da saúde do trabalhador. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2002, vol. 7, no. 2, p. 335-347 [viewed 7 November 2025]. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000200013. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/PpMFcKTQtxZbBN34nsmXMfF/

Prosser, B., Tuckey, M. and Wendt, S. Affect and the lifeworld: Conceptualising surviving and thriving in the human service professions. Health Sociology Review [online]. 2013, vol. 22, no. 3, p. 318–27 [viewed 7 November 2025]. https://doi.org/10.5172/hesr.2013.22.3.318. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.5172/hesr.2013.22.3.318

Roquete, F.F. Multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade: em busca de diálogo entre saberes no campo da saúde coletiva. R. Enferm. Cent. O. Min [online]. 2012, vol. 2, no. 3, p. 463-74 [viewed 7 November 2025]. Available from: https://seer.ufsj.edu.br/recom/article/view/245

Soares, R. Roda de resenha é o novo bate-papo da periferia [online]. UOL, 2015 [viewed 7 November 2025] Available from: https://agora.folha.uol.com.br/saopaulo/2015/06/1642152-roda-de-resenha-e-o-novo-bate-papo-da-periferia.shtml

Zarcadoolas, C. Pleasant, A. Greer, D.S. Understanding health literacy: an expanded model. Health Promotion International, 2005, vol. 20, no. 2, p. 195–203 [viewed 7 November 2025].  https://doi.org/10.1093/heapro/dah609.  Available from: https://academic.oup.com/heapro/article-abstract/20/2/195/827483?redirectedFrom=fulltext

Links Externos

Biblioteca vitual em saúde

Infopedia

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional – RBSO

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (Fundacentro)

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional – X

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

LORENZI, R.L. Resenhas possibilitam valoração crítica de obras de referência [online]. SciELO em Perspectiva | Press Releases, 2025 [viewed ]. Available from: https://pressreleases.scielo.org/blog/2025/11/07/resenhas-possibilitam-valoracao-critica-de-obras-de-referencia/

 

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