Ronaldo Angelini, Editor da Acta Limnologica Brasiliensia e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, RN, Brasil.
Há 30 anos atrás, as pessoas, atoladas por documentos e relatórios impressos, tinham um jargão: “O mundo vai acabar em papel”. Superada esta fase, com o advento dos PDFs, e documentos eletrônicos, eis que surge um vilão mais temível e imortal: a poluição por plástico e seus fragmentos (microplásticos) que atingem até as áreas mais remotas do globo.
Apesar de já ter sido observado em órgãos ou na corrente sanguínea de muitos organismos aquáticos, o prejuízo para as populações destes animais, ainda não foi completamente estabelecido. Pensando nisto, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade Federal de Minhas Gerais (UFMG) realizaram um experimento padrão-ouro para constatar este impacto. O modo como este teste de laboratório foi elaborado pode ser aceito como verdadeiro ou altamente confiável, conforme apresentado no trabalho Efeitos dos microplásticos de PET no crustáceo de água doce Daphnia similis Claus, 1976, publicado no periódico Acta Limnologica Brasiliensia, vol. 35 (2023).
Em aquários no laboratório, os pesquisadores submeteram indivíduos jovens do zooplâncton Daphnia similis em vários níveis de contaminação de microplásticos (de zero até 105 partes por milhão por litro de água) e os deixaram nesta condição durante 48 horas, tempo suficiente para este pequeno organismo se tornar adulto e começar a se reproduzir. Os pesquisadores também colocaram nos aquários algas microscópicas que são o alimento principal da Daphnia.
Os resultados mostraram que a Daphnia ingere, junto com as algas, o microplástico retendo-o em seu trato digestivo (veja imagem). Ainda, foi possível constatar o crescimento da taxa de mortalidade quando a concentração de microplásticos aumenta. Enquanto nos aquários sem microplásticos não houve nenhuma morte, a taxa de mortalidade subiu para 20%, 40% e, por fim, 80% na maior concentração desse material. Neste último caso também foi constatado um atraso na idade da primeira reprodução e um baixo número de ovos produzidos. Os pesquisadores ainda perceberam que o microplástico se adere aos membros do animal, prejudicando sua mobilidade.
É importante notar que animais como os do experimento estão presentes nos ecossistemas e são consumidos por peixes que, por sua vez, podem ser consumidos pelo homem. A diminuição da população destes animais, pode, então, colocar em risco a pesca e afetar esta importante atividade econômica em muitas regiões do planeta. Além disso, fica a pergunta: será que nós estamos ficando “plastificados” por dentro? Isto é, se o plástico for se acumulando ao longo da cadeia alimentar, será que poderá nos afetar? Tema importante ainda a ser resolvido.
Para ler o artigo, acesse
Castro, D.G., et al. Effects of PET microplastics on the freshwater crustacean Daphnia similis Claus, 1976. Acta Limnologica Brasiliensia [online] 2023, vol. 35, e6 [viewed 25 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/S2179-975X4422. Available from: https://www.scielo.br/j/alb/a/fRTpD8m4xfDdxF3hwpmxCpy/?lang=en
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Links Externos
Acta Limnologica Brasiliensia – ALB: https://www.scielo.br/j/alb/
Site oficial da Acta Limnologica Brasiliensia: https://www.actalb.org/
Acta Limnologica Brasiliensia – Twitter: https://twitter.com/limnologica
Entrevista com o Prof. Chico Esteves: https://youtu.be/uAE4tVwTPUQ
Autores do estudo
Daniela Grijó de Castro (Univ. Fed. de Santa Catarina – SC)
Ana Luiza Fonseca Destro (Univ. Fed. de Viçosa – MG).
Eder Carlos Lopes Coimbra (Univ. Fed. de Viçosa – MG).
Aurea Luiza Lemes da Silva (Univ. Fed. de Viçosa – MG).
Ann Honor Mounteer ((Univ. Fed. de Viçosa – MG).
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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