Alberto Madeiro, Editor Associado da Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do SUS (RESS), Docente da Universidade Estadual do Piauí, Teresina, PI, Brasil.
Cerca de 85% das gestantes podem sofrer algum tipo de trauma perineal, e em torno de um terço apresentam laceração perineal espontânea de graus leves a graves durante o parto vaginal. Esse evento comum pode determinar consequências negativas para a qualidade de vida e para a saúde da população feminina, incluindo dor perineal crônica, disfunções sexuais, prolapso de órgãos pélvicos e incontinência fecal.
Apesar da magnitude e gravidade do problema, informações sobre a ocorrência deste evento no Brasil ainda são escassas e oriundas de estudos locais. O artigo Prevalência e fatores associados à percepção da laceração perineal: estudo transversal com dados do Inquérito Nascer no Brasil, 2011 e 2012, publicado no periódico Epidemiologia e Serviços de Saúde (vol. 33, 2024), reporta dados de âmbito nacional sobre a laceração perineal espontânea autorreferida pelas participantes do estudo.
A pesquisa, conduzida por Luciana Mamede e colaboradores, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)/Rio de Janeiro, analisou dados de 4.606 puérperas que tiveram parto vaginal em 266 hospitais públicos e privados, entre 2011 e 2012, após exclusão daquelas submetidas à episiotomia.
Quase metade (49,5%) das participantes autorrelatou percepção de laceração perineal espontânea, com maior prevalência entre adolescentes com idade entre 12 e 19 anos, primíparas, as que tiveram ganho excessivo de peso durante a gestação e as submetidas à manobra de Kristeller.
A elevada frequência de relato de manobra de Kristeller chama a atenção. A manobra foi preconizada para abreviar o período expulsivo do parto com o emprego de forte pressão no fundo do útero, porém é contraindicada desde 1996, devido ao risco de danos fetais e maternos, com destaque para fraturas de costelas, hemorragias e lesões perineais. Apesar disso, ainda é uma intervenção obstétrica muito frequente e uma das expressões de desrespeito e abuso durante o parto.
Por outro lado, a prevalência de laceração foi menor entre as que residiam nas regiões Norte e Nordeste, que haviam cursado até o ensino fundamental, haviam tido recém-nascido pequeno para a idade gestacional, e entre aquelas com ganho de peso insuficiente durante a gestação. Fatores que comumente favorecem o trauma perineal – a exemplo de segundo período de parto prolongado, uso de ocitocina, posição materna que dificulte a visualização do períneo e parto vaginal instrumental – não se mostraram associadas à laceração.
Como os autores salientam no artigo, há evidências apontando que medidas de proteção perineal podem ser implementadas tanto no pré-natal quanto na assistência durante o trabalho de parto. Sendo o trauma perineal um dos indicadores de qualidade de assistência ao parto, proteger a gestante e reduzir o trauma perineal deveria ser um dos objetivos de todos aqueles comprometidos em ofertar experiências positivas de nascimento.
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Referências
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Links externos
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